Lendas Escoteiras.
Assim falou Zaratustra.
Ela estava
sorrindo para mim. Faltavam dois dentes da frente e seu sorriso era gostoso
demais. Ela tinha um nariz fininho, seus cabelos encaracolados faziam o amarelo
sumir na sombra de um castanho claro. Estava com sete anos e deste os cinco
infernizava a vida de sua mãe para ser uma Lobinha. Eu mesmo perguntei por que
o nome, já que Zaratustra um romance de Friedrich Nietzsche era um homem.
Comecei a ler o livro um dia e desisti. Nietzsche se baseou em uma
personalidade histórica que viveu entre os séculos XII e VI Antes de Cristo.
Perguntei a sua mãe se ela conhecia a história. Ela sorriu também sem dentes na
frente (mais tarde soube que estava fazendo uma dentadura). Nunca Chefe
Osvaldo, nem sei quem é. Comprei umas bananas no mercadinho quando estava
grávida e no jornal enrolado vi este nome. Nem prestei atenção à notícia, só no
nome. Gostei, quando minha filha nasceu a registrei assim.
Nietzsche justifica da seguinte maneira a escolha desse
personagem: “Zaratustra foi o primeiro a ver na luta entre o bem e o mal a roda
motriz na engrenagem das coisas - a transposição da moral para o plano
metafísico, como força, causa fim em si, é obra sua”. Mas isto não interessa o
fato não se sobrepõe a história e a história agora era a menina de sete anos,
filha de uma faxineira que sonhou por dois anos ser uma Lobinha. Sua mãe não
tinha meios financeiros para mantê-la, não podia comprar seu uniforme, pagar
taxas nada. Olhou para mim com aqueles olhos molhados de lágrimas para dizer
que era pobre e não sabia se sua filha podia ser uma Lobinha. Não seria motivo
de uma recusa, nunca para mim. Escotismo foi idealizado por B.P. para ser um
movimento que abrangesse todas as camadas sociais. – Sorri para ela. -
Não se preocupe, o que os outros e as outras jovens tiverem ela também terá.
Uma promessa difícil para um assalariado, mas Zaratustra seria Lobinha custe o
que custar!
Nunca em minha vida vi uma alegria tão
grande. Se o mundo quisesse sorrir devia estar ali naquela tarde de sábado
quando Zaratustra foi apresentada ao Grupo Escoteiro. Sua mãe junto chorava de
alegria. Quando o final da reunião chegava, ela não queria ir embora. Com muito
custo dava suas mãozinhas a sua mãe e iam para casa com Zaratustra contanto
tudo que ela viveu naquele dia. No dia da sua promessa ela chegou correndo a
sede sem a mãe. – Chefe! Gritou para mim. Minha mãe não quer acordar! Ela não
pode vir, mas eu preciso fazer a promessa! Chamei Solange a Akelá e disse para
ela tomar conta de Zaratustra. Expliquei o que acontecia. Se ela insistisse e
eu demorasse que ela fizesse a promessa. Sai correndo até a casa dela.
No barraco da
Rua Sete já havia muita gente na porta. Pensei no pior. Que situação meu Deus.
Zaratustra no dia mais importante da sua vida perder a mãe? – Uma vizinha me
contou que o SAMU a tinha levado. Viva? Perguntei. Não sei Chefe, não sei.
Deveria ter sido levada para o Hospital Municipal o mais perto. Peguei um taxi
e voei até lá. De uniforme e chapelão um médico correu para me atender. Achou
que mal maior acontecia com escoteiros. Disse que não. Expliquei, ele me mandou
esperar para ver se ela estava lá. Voltou em seguida – Chefe, ela teve uma
parada cardíaca. Está entre a vida e a morte! Fiquei estático. – Quando posso
ter novas notícias doutor? Ele me mandou voltar à noite. Agora era voltar ao
Grupo Escoteiro. Falar o que para Zaratustra?
Como psicólogo
sou uma negação. Não tenho jeito para lidar com isto. Sempre notícias honestas
sem rodeios. Acho que a noticia se não for direta a pessoa sofre muito mais.
Solange veio ao meu encontro. – Chefe ela se recusou a fazer a promessa. Sem
sua mãe não faria de jeito nenhum! Ela não estava na matilha Verde? Perguntei.
– Está na sede Chefe, Dona Silvana a levou para lá. Não para de chorar. –
Quando ela me viu chegar correu para me abraçar. Soluçava, queria perguntar
sobre sua mãe e engasgada não conseguia. A abracei como se fosse minha filha.
Eu também chorava baixinho e ela com uma voz doce e suave me disse – Não chore
Chefe, não chore. Só crianças podem chorar. O Senhor não! Dizer o que? Falar o
que? A frase fatal não vinha na minha mente. Mentir eu não iria mentir.
Zaratustra, sua
mãe foi para o hospital. Está nas mãos de Deus! – Ela me olhou com aqueles
olhos grandes como a perguntar: - Por quê? – Teve um infarto, Vamos rezar. Deus
tenho certeza tem a solução do que vai acontecer. A levei para minha casa.
Minha esposa e filhos fizeram de tudo para distraí-la sem sucesso. Lá pelas
tantas da noite dormiu. Assustei-me com seu sono. Ela sorria. Falava alguma
coisa que não entendia. Ela se assentou na cama, olhou para mim de olhos
abertos e disse: - Vovó Linda, obrigada. Isto me deixa feliz. Eu vovó Linda?
Ela deitou de novo. No domingo acordou sem chorar. Tomou café comeu biscoitos e
bolos. Eu disse a ela que iria ao hospital ver como estava sua mãe. – Ela riu,
está boa Chefe. Vovó Linda me disse. Ela já está pronta para ir para casa.
Posso ir com o Senhor?
Estávamos no mês
de junho, um frio enorme, mas aquele sábado um lindo sol apareceu no céu. Para
minha surpresa a mãe de Zaratustra chegou acompanhada de um homem que eu não
conhecia. Zaratustra como sempre correu para me abraçar, meu deu um beijo suave
no rosto, ficou séria e em posição de sentido gritou alto “Melhor Possível”
Chefe querido. Olhei para Dona Antônia mãe de Zaratustra. – Ela sorria. – Chefe
este é Marcelo meu marido. Tinha seis anos que não o via. Ele saiu de casa quando
Zaratustra fez um ano. Agora veio me buscar. Disse que tem bom emprego, uma
casa e pode nos sustentar. – Zaratustra não quer ir, mas não quer ficar sem mim
e o pai. O que devo fazer Chefe?
De novo queriam
que eu fosse Salomão. Fechei os olhos buscando uma palavra, uma maneira de dar
um conselho. Lembrei que um dia um Padre amigo me disse: - Chefe lembre-se de
Deus em tudo o que fizer e ele lhe mostrará o caminho certo. E quando a
sabedoria entrar no teu coração, e o conhecimento for agradável a tua alma, o
bom siso te guardará e a inteligência de conservará. Sorri para mim mesmo.
Parece que um anjo estava ali para me ajudar. Conversei com Zaratustra por
algum tempo. Prometi a ela descobrir um Grupo Escoteiro perto de sua nova
morada. Eles partiram e por muitos anos nunca mais ouvi falar de Zaratustra e
nem sua família. Um dia lendo uma revista perdida em um ônibus, lá estava ela,
linda, com dentes novos, um sorriso encantador, com seu uniforme Escoteiro a
dizer: - Escotismo é uma maneira de ser feliz. Venha participar conosco, seja
bem vindo. E ela fazia aqueles gestos com sua mãozinha dizendo: - Venha,
esperamos por você!
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