Lendas Escoteiras.
Os ventos noturnos de Baependi.
Um tiquitito
de gente, Magro não mais do que doze anos. Cabelos crespos e banguelo de um
dente na frente. Todos os sábados lá estava ele encarapinhado no pé de Abacate,
que servia de muro entre a sede escoteira e a Rua das Palmeiras. Sua pele
morena clara parecia precisar de sabão. Os escoteiros e lobinhos o apelidaram
de ferrugem. Nunca falou com ninguém e um dia a Chefe Maria o chamou para
conversar. – Quem é você? Não quer ser Escoteiro? Ele só balançava a cabeça como
a dizer sim e não. Quiosque monitor da Pica Pau riu quando notou que ele era
mudo. Não era um riso de ridículo, nada disto, mas ele conhecia outros que não
falavam nada e o chamavam de mudinho. Chefe Maria desistiu. Não entendeu nada.
Tentou até que Loveiro trouxe uma caneta e papel – Dê a ele Chefe, peça para
escrever. Nada. Simplesmente nada. – Ele não sabe escrever ela disse.
A vidinha da
Tropa continuou seu rumo. Não se esqueceram de Ferrugem. Ele sempre
encarapinhado no pé de abacate a olhar a reunião dos sábados. Quando saiam para
atividades fora da cidade ele acompanhava por alguns quilômetros e depois
desaparecia. Cotovelo jurou que o viu no acampamento do Vale Feliz. Por pouco tempo é claro, pois quando se
aproximou ele sumiu. A escoteirada da Tropa andava preocupada. Diversas vezes
viram a Chefe Maria com os olhos vermelhos parecendo que tinha chorado. A vida
dela se transformou num inferno depois que Caledônio começou a beber. Era seu
marido e todos sabiam que ele sempre dava uma surra nela quando estava bêbado.
Quando sóbrio era um primor de homem, e a carregava no colo, ria, beijava e
dizia que era o homem mais feliz do mundo. A Chefe Maria entrou por causa de
Judith sua filha. Com onze anos queria ser escoteira e Caledônio foi contra,
mas aceitou quando ela começou a participar.
Um fato
estranho aconteceu. Ferrugem desceu da árvore e foi até ela fazendo sinais. Ela
nada entendeu, mas ele entrou no meio da patrulha Pica Pau e ficou ali como se
foi mais um patrulheiro. Ela sorriu e não disse nada. Chamou Quiosque. – Vamos
deixar, dizem que assim se amansa boi bravo! E riu sem ofensas. A cidade de
Baependi acostumou com Ferrugem vestido de Escoteiro com sua marcha solene pela
manhã e a tarde. Aparecia em uma rua e sumia em outra. Vinagre tinha um irmão
que foi para a Capital e doou o uniforme para Ferrugem. A vida seguiu seu
destino, a Tropa andando com suas próprias pernas, Chefe Maria procurando um
Chefe homem para ajudar, pois eram 19 meninos e cinco meninas. A cidade de Baependi
se revoltou um dia. Viram Caledônio tentando bater nela de cinta no meio da
rua. O povo correu em cima dele que só pode se salvar se trancando na cadeia do
Delegado Tostino.
Ficou preso por dois meses. Um sossego para
Chefe Maria e Judith. Mas ela sentia saudades dele, sabia que ele não era assim
nunca foi quando namoravam. Ela o amava demais. Até beber bebia moderadamente.
Nos primeiros anos de casado ela sorria e pensava ser a mulher mais feliz do
mundo. Dona Elza e Dona Lorena diziam para ela largar dele. Era professora, não
dependia de homem nenhum. Ela sorria, mas seu coração chorava. Ela o amava mais
que tudo. Quando foi fazer seu primeiro curso Escoteiro quase desistiu. Ele
raivoso disse que não. Mulher dele não iria se misturar com homens em um
acampamento. - Veja só disse – Se for vou lá e te dou uma surra quando menos
esperar. Vais apanhar quando a bandeira arvorar!
Deixou
Judith com Dona Elza e com a proteção de Deus foi. Ele ficou fulo, disse o que
não disse e as ameaças se espalharam no ar. – Quando chegar não vai mais me
encontrar aqui disse ele. – Ela chorou e muito aprendeu no curso, mas uma
pontada no coração a fazia sempre se lembrar dele. – Se ele se for vou sentir
muito sua falta, mas fazer o que? – Ela durante o curso dava sorrisos não por
causa do curso, mas porque viu diversas vezes Ferrugem encarapinhado em uma árvore
qualquer a olhar para ela. Assim foi os dois dias lá no campo. À noite no fogo
de conselho o viu sobre as cabeças dos chefes, em uma pitangueira, ao lado de
uma coruja que olhava espantado para ele, sorrindo e a cantar a Arvore da
Montanha. Claro só seu lábios cantavam, pois voz não saia. Ficava pensando onde
ele dormia, onde comia, pois seu sorriso era contagiante em qualquer hora do
dia ou da noite.
Quando
desceu do jipe do Chefe Gentil da equipe do curso o viu na porta de casa. Ao
seu lado Judith. – Gritou alto – Aqui você não entra nunca mais! Ela não sabia
o que fazer, disse ao Chefe Gentil que fosse embora, pois se não ia piorar
muito mais. Ela sentiu alguém lhe dando a mão. Uma mãozinha pequenina, frágil e
viu que era Ferrugem. Ele a olhou e ela viu nos seus olhos como se estivesse
sinalizando para ir em frente. Ela foi segurando a mão dele. Caledônio se
assustou com aquele mudinho, um tiquinho de nada que dava a mão sua esposa
pensando que com isto pudesse enfrentá-lo. Cento e vinte quilos contra mais ou
menos quarenta. Um disparate. Uma cusparada e ele morreria afogado. Riu quando
pensou assim. Sabia que ia dar um cascudo no moleque e um tapa na cara da Chefe
Maria para ela aprender.
Caledônio foi ao encontro de sua mulher no portão de sua casa. Judith
chorava alto. Era uma menina loira magra e linda, mas não podia fazer nada.
Chefe Maria pensou em parar, mas Ferrugem a puxou pela mão. Ficou entre ela e
Caledônio. Fez um sinal para ele sair da frente. Caledônio sentiu uma mão
invisível o puxando. A vizinhança apinhava na rua para ver o desfecho. Ferrugem
o olhou dentro dos olhos, pela primeira vez Caledônio teve medo. Chefe Maria
passou abraçou Judith e entrou em casa. Na porta ficou Ferrugem de braços
cruzados. O delegado chegou correndo pesando que poderia acontecer uma
tragédia. Viu caledônio sentado na porta de sua casa chorando e Ferrugem com as
mãos em sua cabeça o abençoando.
O tempo
passou. Caledônio nunca mais bebeu. Agora ajudava Chefe Maria na Tropa
escoteira. Ferrugem continuava na Patrulha Pica Pau. Chamado para a bandeira
ferrugem olhou para a Chefe Maria. Foi até ela, olhou dentro dos seus olhos.
Ela emocionada o ouviu dizer baixinho – Te amo! Ela sorriu com amor. Também o
amava e mais agora que o tinha registrado como filho. Caledônio orgulhoso era o
responsável pelo cerimonial de bandeira. A cidade em paz. Nunca mais o casal se
desentendeu. Caledônio mudou e toda vez que olhava para Ferrugem o agradecia
com os olhos. A alegria voltou, a primavera se foi e os ventos noturnos
voltaram a soprar em Baependi!
Foto do Grupo Escoteiro que faço parte. Amo!
ResponderExcluir335 Escoteiros do Ar Senta a Pua!
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