Só o vento sabe a resposta
Esta é uma historia que
dizem ter sido real. Não posso afirmar. Eu era o Chefe de um Grupo Escoteiro e
uma tarde de sábado notei uma menina de uns doze anos encostada a parede da
biblioteca no pátio de reuniões. Ela observava com grande interesse a movimentação
das tropas escoteiras. Ainda não havia a coeducação e mulheres só eram aceitas
nas alcateias acima de 18 anos. Em dado momento me procurou. - Chefe como faço
para entrar nos escoteiros? Um olhar profundo, uma vontade de ser e não poder
ser. Expliquei a ela. Disse que só como bandeirante. - Mas aqui tem? Só
balancei a cabeça negativamente. Não, respondi. Seus olhos se encheram de
lágrimas. Tentei consolar, mas ela me olhou e saiu correndo. Passaram-se alguns
anos, acho que uns seis anos se não me falha a memória.
Seis anos
depois vi uma mocinha adentrando a sede. Pediu para falar comigo e prontamente
a atendi. Confesso que não a reconheci. - Chefe agora eu tenho dezessete anos.
Vou fazer dezoito daqui a três meses. Agora posso entrar? Foi então que me
toquei quem era. Meu pensamento voltou no tempo e lembrei-me dela quando menina
ainda pediu para ser escoteira. – Chefe, ela disse - Não lembras quando estive
aqui há cinco anos? O senhor me disse que só depois dos 18 anos ou bandeirante.
Em nossa cidade não tem. Esperei sonhando com dia de hoje quando fizesse 18
anos. Agora sou quase de maior, posso ou não? - Claro, eu disse que sim. Nossa
Alcatéia tinha 26 lobinhos. Dois chefes masculinos e duas femininas. Tinha que
arrumar um lugar para ela. Uma perseverança em querer, em poder ser e depois de
anos e anos nunca esqueceu seus sonhos. Claro que nunca poderia ser recusada.
Eu jurei a mim mesmo que seus sonhos seriam realizados.
Não foi bem
recebida. Uma das chefes me procurou em particular e disse que não poderia
aceitá-la no grupo. - Por quê? Disse eu. Porque ela mora no “Ferreirinho” e o
senhor sabe, lá é um bairro de má fama. Sua mãe só pode ser uma prostituta. Não
sei por que falou aquilo. Era uma jovem ótima. Nunca deixou de ajudar ninguém.
Infelizmente era uma época onde as mulheres que por um motivo ou outro foram
parar ali naquele bairro não eram perdoadas facilmente. Não esperava aquela
atitude. Pensei que não éramos assim. Éramos sim, uma fraternidade, cheia de
compreensão para com o próximo. Ao encerrar a reunião ela pediu um Conselho de
Chefes. Na reunião explicou o motivo. Éramos doze. Claro que concordei. Ela
expos suas razões. Pelo menos sete chefes concordaram com ela. Vamos colocar em
votação disse? Não precisa. Estou entregando meu cargo. Estou envergonhado.
Pensei que aqui éramos todos irmãos e irmãos dos demais. Mas me enganei. Se
isso for acontecer novamente prefiro não estar presente.
Todos os chefes
pediram um tempo para pensar. – Não preciso eu disse. Um dia vocês me disseram
que o escoteiro é amigos de todos e irmão dos demais. Se não pensam assim, aqui
não é o meu lugar. Procuraram-me no meio
da semana, inclusive a chefe em questão. - Desculpe chefe. Agi mal. Muito. Peço
perdão. Coloquei a mão em seu ombro. Nada de desculpas minha amiga. Estou orgulhoso de você e dos outros por
mudarem de atitude vendo que o mundo não é perfeito como desejamos. No sábado
seguinte a jovem não apareceu. No outro também não. Fiquei preocupado. Será que
ele ficou sabendo do que aconteceu e desistiu? Não tinha seu endereço. Não
tinha feito por escrito sua inscrição. Não sabia como achá-la. Dois meses depois
avistei uma mocinha que achei parecidíssima com ela.
Parei e perguntei.
Expliquei tudo. Ela com lágrimas nos olhos me disse que era sua irmã mais nova.
Ela se chamava Beatriz. Contou para todos de sua alegria em ser agora uma
escoteira. Era seu sonho. Sempre falava o dia inteiro. Tínhamos que ouvir todos
os dias. Durante mais de seis anos. No sábado pela manhã se preparou para ir
ter com vocês. Ao sair foi atropelada por um ônibus. Levada ao hospital faleceu
horas depois.
Fiquei
pensando em tudo. Nosso destino, nossos sonhos. Perdidos em minutos. Em
segundos. Por quê? Sem retorno. Acho que só o vento sabe a resposta!
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