Crônicas
de um Velho Chefe Escoteiro.
Sustenidos
e bemóis, coisas de pardais no ar.
A peregrinação me fazia
repensar o porquê elevando ao quadrado um sonho abstrato em matemática era como
se dirigir ao meu coração que batia calmamente obedecendo às normas surreais de
um passeio não programado. Não corria, trilhava o asfalto quente sem eira somente.
Pisante macio era como se naquela tarde eu velejava em mar aberto em um céu de
brigadeiro. Tarde quente, sol longe do poente. Eu não o via. Estava eu
escondido naquela selva de pedra onde se sobressaiam os arranha-céus que
queriam tocar as nuvens, mas elas se desmanchavam na poeira do vento amigo.
Mente deletéria imaginava como seria fácil ir de encontro ao impossível coisa
que não acreditava que pudesse fazer. Sons de veículos passantes, buzinas
estridentes, passadas no chão corrente tentando voltar ao lar. Uma gota
pequenina de suor correu de mansinho em minha face e se esparramou borrachuda
no chão pedregoso. Pensei no homem que faz trabalho penoso, vive do suor do
povo. Mentira? Mas não dizem que é fruto de uma jornada, o suor no rosto é
custa de muito esforço e grandes penosos sacrifícios?
Parei... Eis que
sintomaticamente avistei um pequeno parque surgido do nada como se o Mágico
Houdini me revelasse que ali era meu lugar. Bonito, resplandecente agora eu ia
parquear. Escondido entre as avenidas asfálticas, prédios gigantescos parece
que agora encontrei o meu lar. Banco de madeira convidativo, lugar sedutor.
Sombra cativante árvores atraentes e áreas esplendidamente vazias. Sentei, me
acomodei corporalmente nas curvas gostosas do banco acolhedor. Pensei em voltar
meu rosto na direção do sol, e então, as sombras lentamente foram ficando para
trás. Amigo, meu objeto direto do desejo de admirar o belo perdido entre as
sombras, me alertava que o campo dos sonhos não é onde estamos. Só lá sombras
verdadeiras de arvoredo dão as sombras que precisamos. Deixei me levar pelos
sonhos. Lembrei-me de Michelle quando escreveu: - Fechei
os olhos e me comprometi a sonhar com você. Disse ao sono: venha logo, para que
eu possa vê-lo, para que eu possa senti-lo, para que eu possa ter um pouco mais
do pedacinho do céu. Logo adormeci. De repente o sol poente estava sumindo.
Foi então que me
dei conta que era ela que me fazia sonhar. Linda Arvore enorme, verde que te
quero verde, uma sombra que se espalhava ao redor do meu mundo que encontrei
perdida naquela praça desaparecida entre o os prédios daquela cidade de pedra. Olhei
para ela, como era bela, era como se eu disse sem dizer, “eu sei que já faz
tempo, mas ainda amo você”! Sombra enorme, vivente, escondida do sol poente
braços enormes, me voltei no tempo. Ah! De Camisa de Escoteiro subia como
anarquista, explorador, batedor ou pioneiro a descobrir ate aonde ia e onde
podia chegar. Elas as árvores que me acolheram sorriam sem me condenar. Venha! Suba
você não é um agitador ou um anarquista, aproveite dos meus galhos faça de mim
o que quiser... E lá eu ia na correia de mateiro, como bom e valente Escoteiro a
explorar as alturas do Jequitibá, da Peroba Rosa, do Pau Brasil e de tantas que
se alegraram em me abraçar...
Eu absorto naquele
lugar encantado, pensativo e concentrado olhava a árvore como se ela sempre fizesse
parte da minha vida. A tarde foi se aconchegando no horizonte. Eu me sentia
abraçado, amado, e por ela adotado tinha certeza que éramos um só. Eu e a
árvore da Praça do arredor. Um bordel de sons começou a se formar. Ventania de revoada,
como se fossem trovões tocados ao longe por uma mão invisível naquele céu
escuro do alvorecer. Olhei para o céu espantado e vi que a hora tinha chegado.
Milhões deles, já iam se recolher. Como se fosse uma sinfonia com sustenidos e bemóis
vi que eram coisas de pardais no ar. Nada de novo no front para um Velho que
tinha a natureza na alma e viveu tantas sinfonias de rádios de pássaros errantes
tocadas em plena floresta do Pica Pau e o Bem ti Vi. Eles foram alcançando os
mais altos galhos, os grasnados foram escasseando. Aos poucos o silencio retornou
com a brisa fresca do ar. Os pardais dormiam. Hora de partir, levantei
tropegamente.
Uma partida
silenciosa. Não iria acordar a orquestra sinfônica que resolveu se acomodar na
mais bela árvore do lugar. Uma duas três passadas trêmulas. Parei. Voltei o
rosto para a praça. Tudo quieto, tranquilo, calmo e sossegado. Os pardais dormiam
sobre a proteção da árvore da vida. Árvore tão querida que os passantes do dia
não sabiam o tesouro que tinham ali intocável, mas que todos podiam usufruir ou
desfrutar. Mudei de pensar, sorri ao andar, pensei que nada seria como hoje para
mim dora em diante. Pião de madeira... Carrinho de ferro... Tudo era tão
solido... Ah! Vida tão cheia de vida, mas que um dia vai acabar...
Gosto quando me falas de ti...
e vou te percorrendo
e vou descortinando a tua vida
na paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos
Tranquilos
Gosto quando me falas de ti... e então percebo
que antes mesmo de chegar, me adivinhavas,
que ninguém te tocou, senão o vento
que não deixa vestígios, e se vai
desfeito em carícias vãs...
e vou descortinando a tua vida
na paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos
Tranquilos
Gosto quando me falas de ti... e então percebo
que antes mesmo de chegar, me adivinhavas,
que ninguém te tocou, senão o vento
que não deixa vestígios, e se vai
desfeito em carícias vãs...
J.G. de Araújo Jorge.
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