Lendas
Escoteiras.
O
estranho sem nome da Rua do Cravo.
Ele chegou como um fantasma
surgindo na Estrada dos Aflitos. Andava devagar sem pressa entrou na rua
principal, atravessou a praça lentamente. Usava uma calça de gabardine azulada e
desbotada. Um pulôver cinza cobria parte do seu corpo. Não deu para ver seu
rosto, estava coberto por um chapelão de abas largas. Na igrejinha Bolonha o
sacristão forçava a corda do sino com as primeiras badaladas da Ave Maria. O
inverno chegava manso sem fazer alarde. Um frio cortante percorria a rua e a
praça sinalizando uma madrugada aonde cada um ia se virar como pode para se
proteger das noites geladas que deviam estar chegando. Todas as janelas estavam
encostadas com uma fresta aberta para poder ver o Estranho que chegava.
Impossível ver o rosto coberto com a aba do chapéu. A rua deserta os olhos
escondidos esmiuçavam quem era o Estranho e o que estava fazendo na cidade.
Dobrou na Rua do Cravo e no número 17 entrou. Quem contou foi J. Pessoa, um
mendigo que vivia nas ruas do Arraial vivendo da caridade alheia. Uma cidade de
menos de duas mil almas não tinha o que fazer. Tudo era motivo de conversa,
fofoca, disse me disse e nada mais.
Durante um mês ele não saiu
e nem na porta chegava. A casa da Rua 17 pertenceu a Dona Joelma que morrera
dois anos antes. Todos souberam que tinha um celular e por ele fazia suas
compras. Mandava o entregador colocar na porta e pagava com cheque na fresta da
janela sem mostrar o rosto. Todos sabiam o que comia o que bebia, mas nada
diferente de gente simples ou remediada. O falatório foi aos poucos sendo esquecido.
Se o Estranho tinha nome ninguém sabia. O Cabo Marinho sorria quando lhe
cobravam investigação – Ele não fez nada, se fizer eu usarei da minha autoridade!
– Dois meses depois pela manhã, um sol de rachar eis que surgiram seis rapazes
dos seus dezesseis a dezessete anos de bicicleta, bem equipados e fardados de
escoteiros. Não perguntaram a ninguém e nem tampouco pararam para conversar.
Entraram na Rua do Cravo e no número 17 desceram entrando na casa do Estranho
sem Nome sem bater. Naquele dia não saíram. Dormiram na casa por três dias
seguidos. J. Pessoa rondava por perto para ver se ouvia vozes, qualquer coisa
que pudesse vender a fofoca a troco de um prato de comida.
Ao meio dia da quinta
feira partiram como chegaram. Nem no Boteco do Amadeu pararam para um café ou
um doce. Três meses depois um carro adentrou no Arraial do Roncador e parou na
Rua do Cravo em frente ao número 17. J. Pessoa de butuca tudo via tudo sabia,
mas não contava nada. Ele viu dois homens de fisionomia alegre, sorrindo também
fardados de escoteiros entraram sem bater. Não ficaram muito tempo. Às oito da
noite partiram assim como chegaram. Interessante foi à donzela, linda e
formosa, cabelos loiros, que ao sol brilhava, chegou no ônibus que seguia para
Sol Nascente e com os olhos cheio de lagrimas soluçava. Seguiu sem cumprimentar
ninguém direto para a Rua do Cravo no número 17. Estava vestida de azul, com um
lenço verde e amarelo no pescoço, um bonezinho com duas estrelas e não olhou para
nenhum morador. Interessante, ficou uma semana. Namorada? Esposa? Amante?
Ninguém sabia nem mesmo J. Pessoa. Quando ela partiu foi a primeira vez que o
Estranho sem Nome apareceu à porta acenando para ela com um sinal que ninguém
sabia o que era, mas entre os fraternos se sabia que era Melhor Possivel.
J. Pessoa chegou
perto demais para tentar ver o rosto do Estranho. Não deu para ver. Um boné de
aba comprida tampava tudo. Viu seu corpo, magro quem sabe um metro e setenta e
parecia não ter mais que trinta anos. Viu que ele soluçava quando ela partiu. –
Borrasca o entregador do Armazém do Grilo dizia que ele pagava com cheque.
Sempre com uma gorjeta para ele. Os cheques nunca voltaram e o Senhor Grilo
sorria em saber que diferente de muitos moradores da cidade, que lhe deviam há
meses e nunca pagavam o estranho era honesto e nunca lhe deu nenhuma
preocupação nos pagamentos com cheque. Interessante que o cheque tinha o nome
de um banco Inglês e uns rabiscos. Sua assinatura era ilegível, mas e dai?
Pensava o Senhor Grilo. O cheque caia e o dinheiro também. Oito meses haviam se
passado com a chegada do Estranho. Já não era motivo de fofocas, de indagações
e aos poucos o arraial incorporava o estranho como mais um dos seus moradores
misteriosos.
O tempo no Arraial do
Roncador não existia para os moradores e não era medido de nenhuma forma.
Ninguem fazia nada. A poeira na rua aumentava. As chuvas da primavera ainda não
haviam chegado. J. Pessoa desistiu de investigar o Estranho. Bolonha todas as
tardes continuava a tocar seu sino anunciando as seis badaladas da Ave Maria.
No rio Corrente as lavadeiras ainda fofocavam, mas o Estranho foi esquecido. Um
grito sutil de espanto percorreu todo o Arraial quando viram o Estranho
partindo. Partiu as seis em ponto quando Bolonha começava a tocar seu sino na
Igrejinha dos Anjos. Pela primeira vez viram seu rosto, era um belo rapaz,
olhos azuis, cabelos negros que se sobressaiam com o chapéu de abas largas
solto nas costas preso por presilhas em uma tira de couro marrom na aba do
chapéu. Estava fardado de Escoteiro. Parou no Boteco do Amadeu e ao entrar deu
de cara com o Cabo Marinho e o convidou para um café. Pagou e foi direto ao
Armazém do Grilo. Deu uma bela gorjeta para Borrasca o entregador. Sumiu na
curva da estrada dos Aflitos e ninguém nunca mais ouviu falar dele.
Waldico O Mestre
como era chamado era o único que tinha um computador no Arraial. Assustou e
saiu correndo a contar a meio mundo a noticia que acaba de ler no Blog do
Matador da Capital do Estado. – Dizia: - Prezo Monte Cristo, pai de Anita,
professor catedrático do Colégio Gentil. Ele confessou que em um momento de
fraqueza violentou e matou Tutinha uma Lobinha do Grupo Escoteiro Local. Ela
tinha ido acantonar e sumiu. Todas as provas levavam ao Chefe Billy Grant, mas
ele fugiu antes de ser preso. A Delegada Dayse Lustosa o procura para dizer que
o inquérito foi encerrado. Ele é inocente e livre para ir e vir. Uma foto do
Monte Cristo mostrava um homem já Velho com barba por fazer. Mais embaixo a
foto de Billy Grant. Era o Estranho! Explicações, rezas e perdão. Nunca podemos
abandonar três grandes palavras que existem para acreditar: - A intuição, a
inocência e a fé!
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