Lendas
Escoteiras.
Chefe
João Soldado o imortal.
Carlito e Rosana dois
pioneiros eram os responsáveis no transporte ida e volta do Chefe João Soldado
até a sede neste sábado. O grupo fazia uma vez por mês uma reunião especial
onde sempre comparecia boa parte dos antigos escoteiros e todos sabiam que ao
terminar haveria um encontro social, com comes e bebes gentilmente levado por
cada um dos participantes. Chefe João Soldado era especial. Quase todos
conheciam sua história, sua saga no grupo. Nos aniversários que o grupo comemorava
o chefe João Soldado era saudado como o pai de todos. Bem não foi ele quem
começou o grupo, mas vivo até hoje era o único que participou desde sua
fundação. Oitenta e três bem vividos escoteirando. A ideia foi do Padre Rocco e
apoiada pelo Doutor Moscato Diretor do Colégio São Pedro que já tinha ouvido
falar dos escoteiros. João Soldado tinha seis anos. Uma preocupação para seus
pais, pois sempre escapulia e corria para o Tiro de Guerra, marchando e a
soldadesca o adotou como mascote. Foi o segundo a se matricular na Alcatéia.
Não parava de falar. Falava na escola, em casa, na mesa de refeições e até
dormindo falava. Adotou o escotismo para sempre.
Com seis anos aprendeu o
que era democracia. Foi escolhido com mais seis lobos, oito escoteiros, O Padre
Rocco, o Doutor Moscato e Dona Tereza para fazerem a primeira reunião do grupo
e escolherem o nome. Sem querer ele sorriu. Sentiu-se importante. Lembrou de
que toda noite sua mãe lhe dava boa noite e dizia: - A estrela cadente me caiu
ainda quente, na palma da minha mão! Sorria e dizia dorme com Deus. Repetiu o
verso. Todos o olharam espantados. Quando contavam isto ninguém acreditava.
Achavam que o 29º Grupo Escoteiro Estrela Cadente tinha outra história. João
Soldado na primeira reunião de Alcatéia ainda se chamava João Francisco. Foi
Mosqueteiro quem o chamou assim. Ficaram amigos para sempre até que aos setenta
e nove Mosqueteiro morreu. Poderia escrever um livro de mil páginas da sua vida
como escoteiro. Tinha histórias para contar. Nunca esqueceu o seu segundo
acantonamento. Barracas armadas próximo ao Riacho da Raposa choveu, uma
enchente enorme carregou tudo. Voltaram para casa chorando e pensando como iam
ter um novo material de campo.
Akelá Tereza era única. –
Vamos em frente ela disse, quando um lobo não encontra a si mesmo, não encontra
nada! – Em menos de cinco meses tinham tudo de volta. Não chorou ao passar para
Escoteiro. Diziam que na cidade dos homens eles diziam entre si: - Se cair
levante se deslizar se segure, mas nunca pense em desistir. Quanto mais amarga
for sua queda mais doce será sua vitória. Devorou livros, nada ficou sem ele
conquistar. Distintivos, comendas enfim era um Escoteiro que não sabia o que era
a palavra desistir. Foi um Sênior que sempre dizia: - Eu não sou nada e talvez
tenha tudo. Fora isto eu tenho todos os sonhos do mundo. Não houve uma
montanha, não houve uma planície ou um vale que ele não viajou com sua mochila
que ele mesmo fez. No Clã era um camarada amigo e fraterno. Ficou pouco tempo,
assumiu a Tropa Cauã. Era a segunda do Grupo. Seu sorriso era contagiante.
Religioso fazia questão de dizer que Deus é tudo e que não existe escotismo sem
ele.
O tempo passou. O amor ao
seu grupo nunca terminou. Nunca se esquecia de dizer nas tropas, nas alcateias
que era uma pessoa feliz. – Amo a vida, e dela sou aprendiz. – Tenho várias
paixões e o escotismo é minha filosofia e minha inspiração. Mas não se esqueçam
eu também possuo imperfeições. Se os caminhos que percorro não forem os que eu
quero pelo menos luto por eles. A cada dia me procuro tornar melhor. Nunca
assumiu a chefia do Grupo. Insígnia agradeceu convites de ser formador. Amava
seu grupo, mas amava mais ainda o escotismo. Era sua filosofia de vida. Nunca
pensou em se aposentar e quando se tornou o mais antigo do grupo, quando foi
morar nas estrelas seu melhor amigo Mosqueteiro, resolveu diminuir as
atividades. Acampava de vez em quando, uma ou duas vezes ao ano acantonava com
os lobos. O Grupo Estrelas Cadente tinha vida própria. Ele nunca interferiu.
Sorria e lembrava-se do poeta: - O meu ideal politico é a democracia. Torço
para que todo homem seja respeitado como indivíduo e que ninguém seja reverenciado
e idolatrado.
Naquele dia, o céu fazia um azul tão límpido, que
parecia saudar a entrada do Chefe João Soldado na sede do grupo. Todos estavam
a sua espera. Quem estava ali vibrava. Impossível ver tanta alegria. João
Soldado sorria. Ele com seus 89 anos quase não falava. Gesticulava pouco, mas
seu sorriso nunca desapareceu. Muitos que estavam há anos no grupo pensavam que
a suprema felicidade da vida é a convicção de ser amado por aquilo que você, ou
melhor, apesar daquilo que você é. Havia uma cadeira com braços para ele. Não
caminhava mais, queria contar causos e não conseguia, mas estar ali junto a
quem amava bastava para reviver uma vida cheia de felicidade. Dizem que a gente
não precisa buscar a felicidade fora, ela está dentro de você. Se insistir em
sair por ai é possivel que nunca vai encontrá-la. O Chefe do cerimonial educadamente
olhou para todos, por último em João Soldado. Ambos sorriram. A ordem foi dada:
- Escoteiros firme! A bandeira
em saudação! Todos em posição de sentido fazendo a saudação. João Soldado quis
levantar, mas não conseguiu. O vento jorrava saudades em busca de novos
horizontes. As bandeiras farfalhavam. – João Soldado sem ninguém ouvir falou
para si mesmo: - Vento, ar que respiro ventania tempestade que vivo. Flores...
Que me fazem respirar. - Firme descansar! O Chefe da cerimônia olhou para o
Chefe João Soldado. Ele sorria seus olhos abertos, mas seus braços inertes. Rosa
Linda uma Lobinha deu três passos à frente. Chorava. Cantou em forma de poesias
o canto noturno do cisne, daqueles que deixam saudades; - Chefe João Soldado! O
vento sussurra-me algo ao pé do ouvido. Chefe você é imortal. – Eu falo com
esperança de um dia ser como você. Eu
sei que entendes as cantigas do vento, disseram que no Fogo de Conselho você os
invocava com sabedoria. Mas Chefe, ah! Se eu pudesse falar a língua dos ventos teria
a audácia de mandar-te um beijo um abraço um sempre alerta gostoso e nada mais.
João Soldado o Chefe imortal
estava morto. Uma estrela Cadente apareceu no horizonte, brigando com aquele
céu azul brilhou intensamente. Todos com seus bastões fizeram a saudação do
adeus para aquele Chefe que viveu e morreu com o escotismo no coração. – Alguém
baixinho falou: - Para viver não precisamos ser melhor que ninguém, nossas
ações falam por si. Do pó viemos ao pó
voltaremos!
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