quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

E a vida continua...


Lendas escoteiras.
E a vida continua...

                  - Você a conheceu? Olhei para Liz, fechei os olhos e minha mente passeou no tempo. – Foi minha melhor amiga. Sempre me lembrei dela e nunca esqueci seu sorriso quando naquele sábado chegou à sede escoteira, com sua mãe praticamente a puxando, pois ela chorava sem parar. – Não quero! Não quero! – Ela usava um vestidinho comprido rosa, cabelos presos em um rabo de cavalo e pensei comigo: - Outra chorona? Apresentaram-me despretensiosamente. Esta é Ruth, vai ser Lobinha, será da sua matilha. – Olhei para ela, tinha parado de chorar. Olhava-me espantada e sem perceber me deu sua mão e um sorriso. Sorri também. Ali nasceu uma grande e bela amizade. – Liz perguntou novamente: - E sua vida você ficou sabendo de tudo que aconteceu? – Não respondi de imediato. Era um tema que me doía muito. O que aconteceu para mim foi um golpe do destino. Somente balancei a cabeça para Liz e meus pensamentos não eram mais meus, eram do meu passado.

                      Ruth confiava em mim. Na matilha sempre me procurava para pedir ajuda. Nos jogos ficava ao meu lado, nos acantonamentos não saia de perto de mim. Não sei se a Akelá e o Balu viam tudo aquilo com bons olhos. Pelo menos nunca me disseram nada. Ruth cresceu. Eu também. Muitos disseram que um dia seriamos um do outro. Não era verdade. Amava Ruth como uma grande amiga. Parecia mais uma irmã que não tinha do que minha namorada. Fiz a passagem para a Tropa primeiro que ela. Como chorou. – Gritava e dizia: - Não vá! Não sei viver sem você! Se for não serei mais Lobinha. Já sendo apresentado à patrulha Tico Tico voltei. A abracei tentei consolá-la, mas não adiantou. O tempo ajuda tudo. O tempo faz esquecer, o tempo muitas vezes é cruel. Um ano depois ela chegou até a mim sorrindo. – Vou fazer a trilha, breve estaremos juntos outra vez. Sorri, tinha aprendido a ficar longe, mas sentia uma falta enorme da minha amiga Ruth.

                       Muitos me criticaram pela proteção que dei a Ruth na Patrulha Onça Parda. Não era a minha. Tentei falar com o Chefe, mas ele não me deu ouvidos. Hoje acho que foi até bom. Ruth cresceu internamente e externamente. Ficou uma moça bonita, todos se aproximavam dela. Claro que sentia ciúmes, mas não de um namorado, pois eu já há tinha no meu coração e sabia que ela ficaria ali para sempre. Brincamos, acampamos, éramos amigos escoteiros na sede e fora dela. A levei ao cinema ao Shopping, fomos passear de trem e como era linda quando sorria olhando pela janela o trem voando como se tivesse asas. Fui para os Seniores e não sei como ele deu um jeitinho e antes de fazer quinze lá estava também. – Olhei para Liz. Meus olhos encheram-se de lágrimas. Era cruel lembrar-se de tudo dos detalhes dos acontecimentos e saber que do destino ninguém consegue sair facilmente.

                        Assustei quando ela me procurou depois da reunião. – Meu amigo ela disse, vou-me embora. – Embora? Para onde? Sua família vai mudar? – Os olhos dela se encheram de lágrimas. – Conheci alguém. Apaixonei-me perdidamente. Os pais dele não aceitam minha mãe acha que sou nova para isto, mas você sabe que sei o que faço que sou bastante madura nos meus quinze anos. Hoje me considero alguém que amadureceu só por ter encontrado um grande amor. – Não perguntei quem era, seria desagradável perguntar. Achei que ela iria me dizer quem. Não disse. – Me abraçou me deu um beijo na face, segurou minha mão esquerda com a dela, apertou e disse: - Adeus! E partiu sem ao menos dizer o porquê, e a quem iria dar seu coração.

                         - Deus Liz, foi demais. Parecia que o amor abandonado era eu. Mas nunca disse que a amava para mim eu era seu melhor amigo, seu irmão que ela nunca teve. Um ano depois fiquei sabendo quem foi que conquistou seu coração. Rodney Sacramento. – Impossível pensei. Ele tinha vinte três anos e ela quinze. Sua mãe foi quem me contou. Saiu com a roupa do corpo. Só me disse que ia embora e nunca mais iria voltar. Quando lhe perguntei ela disse: - Mãe eu amo Rodney, ninguém acredita, dizem que ele não é homem para mim, é mais velho e eu nem conheço a vida. Mas como mandar no meu coração? Eu o amo demais. E partiu. – Olhei para a mãe dela que chorava e suas lágrimas não paravam de cair. Meu tempo de Sênior se foi. Para dizer a verdade eu nunca a esqueci.

                           Foi na semana passada Liz que eu soube que ela tinha voltado. Pense bem, nunca deixei de ser Escoteiro, você sabe que é a mulher da minha vida. Nossos filhos são tudo que um homem como eu pode desejar. Mas você soube da história, nunca me perguntou e eu achei que não deveria contar. Eu a procurei sim, vi que ela precisava de ajuda. Sua mãe a internou no Sanatório Santa Maria. Quando a vi estava em pandarecos. Magérrima, os olhos escamoteados, o rosto cortado e cheio de rugas. Poxa! Eu sabia que ela não tinha nem vinte e seis anos. Quem a maltratou deste jeito? O médico me disse que ela tinha uma tuberculose avançada. Não sabia se podia curá-la. Deixou-me vê-la em seu quarto que repartia com mais seis outras mulheres. Ela tinha os olhos fechados. Não abriu. Tentou sorrir, mas não era mais o sorriso de outrora. Só falou baixinho – Eu sei que é você!

                            Ficamos ali calados, eu nunca iria perguntar a ela o que aconteceu. Nunca iria dizer que eu sabia do seu erro de sua aventura que não ia dar certo, que eu podia ter lhe aconselhado. Mas quem é dono da verdade? Eu? Não sou. Perguntei-me em pensamento se não erraria também. Não tive um amor assim, amava sim você Liz, amava e amo demais. Você me deu tudo que eu tenho e sou reconhecido por isto. Hoje soube que ela morreu. Não deixou testamento. Não contou a ninguém sua história. Fui lá na sua campa. Não havia ninguém. Tornou-se uma desconhecida, sem amigos, sem pais sem ninguém. Eu não poderia abandoná-la nestas horas. Sentei na grama de sua sepultura e chorei. Precisava chorar. Rezei sim, pedi ao Pai que desse a ela a alegria de novo, daquela Lobinha que conheci e que sorriu para mim pela primeira vez na matilha Azul. Tempos que se foram destino traçado, ruídos da noite que marcaram uma vida.


                            As coisas tem que passar, os dias têm que mudar, os ares têm de ser novos e a vida continua isto não há como mudar. Todos sonham em ser feliz, uns sim outros não. Alcançar a felicidade é fugir das dificuldades que encontramos sempre em nossa frente. Como disse o poeta: - E assim a vida continua, ganhando, perdendo, sorrindo e chorando... Construímos nossa história em momentos fragmentados no dia a dia, detalhes perpetuados na memória e registros que só o coração é capaz de guardar... Vivemos em um mundo louco e cada dia mais acelerado, vivemos emoções variadas de segundos em segundos, nos perdemos em deslizes que são necessários para nosso amadurecimento... Procuramos desculpas no passado para alimentar melhoras futuras e nos esquecemos que o momento de se viver é agora, no presente, com todas as emoções e situações possíveis... Viva!

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