Lendas Escoteiras.
Pedras brancas de gelo na Mata do Quati.
(Atemporal do tempo. Vale a pena recordar).
12 de janeiro de 2016.
Dois dias que temporais enormes caem sobre meu bairro. Ontem choveu
granizo. Estava na minha varanda observando e ouvindo o som das pedras de gelo
sobre as telhas da varanda e na minha rua. Música sublime para mim. Gosto
disto, amo isto eu adoro a chuva. Não sei por que ela se prendeu a mim e ficou
presa no meu coração para sempre. Os ventos batiam nas grades do portão e
respingos me molhavam, não arredei o pé. Precisava ficar ali, pois as
recordações eram muitas. Voltei no tempo atemporal. Seria como se eu tivesse a
mágica de transitar no tempo sem necessariamente pertencer ao passado o
presente ou ao futuro. Sem querer me lembrei de um conto que li – Sempre me
lembro dele. Aqui coloco as suas últimas estrofes: - Ontem chorei. Apronto agora os meus pés
na estrada. “Ponho-me a caminhar sob sol e vento”. Vou ali ser feliz e já
volto”. Um dia quem sabe vou postar
todo ele. Atemporal, voltar no tempo
sem medo de perder o presente e o futuro. Com toda aquela borrasca que caia na
minha rua, minha mente se foi. Plantou-se em um passado que nunca esqueci.
20 de
janeiro de 1958.
Seis Escoteiros Seniores.
Olhos vivos a perscrutar com a vista todos os lugares naquela noite escura, sem
luar sem medo da chuva ou vento. Acampamentos vividos que alguns não esqueciam
jamais. Em volta do fogo, eles comiam banana assada. Pareciam mais pioneiros
que sêniores. A moda índia sentaram a vontade naquele foguito e se esquentavam
de uma noite fria. Um “foguito” pequeno. Chamas baixas, muitas brasas para não
adormecer o café no bule, já perdendo seu esmalte de anos e anos de uso. –
Parece que vai chover. – Taozinho custava para falar. Era um sênior miúdo e de
olhos vivos. Minutos se passaram. – Gosto da chuva, adoro uma boa dificuldade
debaixo de tempestades. – Helinho ria para ele mesmo. Que o visse naquela hora
achava que estava louco. – Israel olhou de soslaio. Não disse nada. Ele nunca
esqueceria o acontecido. Darcy não perdia a pose de dar uma boa gargalhada. –
Valeu! O melhor acampamento que fizermos. – Chico o menorzinho dos seniores
queria dizer alguma coisa. Não sabia o que dizer. Eu estava com os olhos
fechados. Queria reviver o momento. Voltar no tempo. Sentir as tremuras, o medo
e a força que fizemos em reviver, em refazer um acampamento destruído.
04 de
janeiro de 1954.
Cantantes, sorridentes, cada um
já sabia o que fazer. O esqueleto da barraca suspensa entre quatro árvores
estava quase terminado. Faltava ainda boas amarras nos tripés. Chico e Israel
adentraram mais fundo na mata. Precisavam de bons cipós que não quebravam.
Sisal? Nem pensar. Nem existia ainda. Aboletado lá no alto Israel e Taozinho
elevavam no ar uma bela tora que serviria de escada até o alto da árvore. Eu e
Helinho terminávamos nossa cozinha. Planos futuros para ela também ficar
suspensa. Belos planos. O céu escureceu. Tãozinho gritou! – Nuvens baixas cor
de cobre? Todos juntos responderam – É temporal que se descobre. Melhor armar
duas barracas de duas lonas para nos abrigar. O toldo foi jogado em cima da
cozinha. Darcy correu a cobrir o lenheiro. Uma patrulha que sabia o que fazer.
Não eram amadores. Ploc! Ploc! Uma pedra, duas um punhado. Pedras de gelo
enormes!
20 de
janeiro de 1958.
Em volta do “foguito”
que dormitava e queria apagar, cada um pensava na vida que tinham levado em
belos acampamentos no passado quando Escoteiros da Patrulha Leão. – Foi duro, não
foi fácil. Disse Helinho. Lembra Darcy das barracas? – Tãozinho riu. Ele não
gostava de rir. Viraram peneiras. Enterramos antes de voltarmos. Perdemos quase
tudo. – E o raio? Disse Darcy. Caiu como um chumaço na base do estrado que
fazíamos para as barracas. Não sobrou nada. – Silêncio profundo. Cada um
voltava no tempo. Chico levantou e pegou alguns biscoitos – Alguém aceita? Foi
você Vado que correu na frente de todo mundo para ficar embaixo da enorme
aroeira? – Israel gargalhou forte. – Ele parecia um corisco com medo da chuva!
– Medo das pedras enormes que caiam, eu disse. – Bons tempos, disse Israel.
Dormimos presos uns aos outros molhados sem poder ou sem onde abrigar. – Todos
concordaram com um leve levantar de sobrancelhas. Seniores, quando se encontram
em volta de um “foguito” tem histórias para contar. Um vento forte levantou
fagulhas no ar. – Vai chover? Disse Tãozinho. Se tem vento e depois água? –
todos responderam: Deixe andar que não faz mágoa. – Vou dormir eu disse. Uns foram outros ficaram.
Coisas gostosas para lembrar. Passado que se foi.
12 de janeiro de 2016.
Meus olhos ficaram húmidos. Lembranças sempre me tocam o coração. Tempos
bons, tempos alegres, cheio de aventuras... Tempos que não voltam mais. Olhei a
chuva fininha que caia. Acalento para minha alma. Outro dia recebi um
telefonema. Era Israel. A mesma voz. O mesmo estilo mineiro que adoro. Onde
anda o Darcy? O Tãozinho? O Helinho? O Chico deve estar zanzando por aí. Era o
mais novo. Gente fina. Escoteiros e seniores que tiravam o chapéu quando uma
dama bonita passava por eles. Lembranças... Dizem que quem não tem lembranças
não viveu. Passou pelo tempo como se não tivesse passado. Hã quanto não daria
para entrar em uma máquina do tempo. Mas ela ao me levar teria que fazer menino
de novo. Dizem que foi Clarice quem disse: -
O tempo passa depressa demais e a vida é
tão curta. Então — para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e
pelas novidades que fazem o tempo passar depressa — eu cultivo um certo tédio.
Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da
eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto.
E as pedras brancas embranqueceram
minha rua que tanto amo molhadas pela chuva que caia copiosamente!
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