Lendas Escoteiras.
A Arara azul da Princesa Lorena.
Rio da Prata nunca esqueceu aquela tarde que uma revoada de pássaros sobrevoou
a cidade fazendo acrobacias e com seus chilros e cantos assustando todos os
habitantes que se refugiaram em suas casas. Foi realmente algum fantástico.
Muitos tiraram fotos e outros gravaram os sons. Havia cinco meses que uma seca
infernal não dava trégua à cidade. Vivendo somente de plantações e grande
exportadora de tomate o prejuízo aumentava dia a dia. Quase todos os oito mil
habitantes dependiam da cooperativa para sobreviver. Romarias, procissões e até
os que faziam magia negra corriam em todas as esquinas da cidade. Nada
adiantava. Na Tropa Escoteira feminina Kalapalo havia três meses que não saiam
para atividades fora da sede. Os pais achavam que não deviam, pois uma queimada
poderia produzir acidentes que seriam impossíveis de prever os resultados.
A Princesa
Lorena, apelido carinhoso dado pela sua patrulha tentava entender o porquê não podiam
acampar. O programa de atividades para o ano já fora quase tudo cancelado.
Quando a noite ia dormir, ajoelhava ao pé de sua cama e pedia a Deus para
trazer as chuvas que não estavam caindo. Um dia ela leu que se você rezar por chuva por bastante tempo, ela
fatalmente cai. Se você rezar para que enxurradas se acalmem, elas fatalmente o
farão. O mesmo acontece na ausência de preces. Assim A Princesa Lorena todas as
noites rezava de joelhos ao pé de sua cama. Ela rezava a oração de um cantor já
falecido (Luiz Gonzaga) e dizia: Senhor, eu pedi para o sol se esconder
um tiquinho, eu peço pra chover, mas chover de mansinho. Pra ver se nascia uma
planta no chão. Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe, Eu acho
que a culpa foi desse pobre que nem sabe fazer oração Meu Deus, perdoe eu
encher os meus olhos de água e ter-lhe pedido cheinho de mágoa pro sol
inclemente se arretirar.
A Princesa
Lorena acreditava nas suas orações. Ela conversava muito com Kika, uma arara
azul que a tropa acolheu em um acampamento na Serra do Pintassilgo.
Encontraram-na desfalecida as margens do Riacho Florido. Lorena levou-a para
seu campo de patrulha, enrolou-a em um pano maior e viu que a Arara piscou os
olhos várias vezes. Durante os três dias de acampamento a Princesa Lorena
cuidou da Arara e a chamou de Kika. Foi amor à primeira vista. Quando após o
cerimonial de bandeira e o debandar, ela foi conversar com sua Chefe se podia
levar Kika para a cidade. – Tudo bem Princesa – disse ela. Mas você vai levar
para sua casa? – A princesa Lorena pensou que a Arara não era só sua. Todos
cuidariam. Conversou com a patrulha. As Escoteiras assumiram a responsabilidade
de cada dia uma delas iria até a sede e alimentá-la. Assim foi feito. Kika
passou a ser mais uma da tropa Kalapalo. Kika adorava. Aprendeu a gritar Sempre
Alerta, aprendeu a gritar Melhor possivel e chamar os lobos para o grande uivo.
A Princesa
Lorena aprendera com sua Chefe Nádia que se você
fala com os animais eles falarão com você e vocês conhecerão um ao outro. Se
não falar com eles você não os conhecerá, e o que você não conhece você temerá.
E aquilo que tememos, destruímos. A vida de Lorena mudou muito depois de Kika.
Ela tinha três amores na vida, sua família, sua Chefe e sua patrulha. Um dia
sem ninguém esperar um homem adentrou no pátio da sede Escoteira a procura do
Chefe do Grupo. Apresentou a ele um papel onde estava escrito: O IBAMA recolhe
a Arara por não ter registro de um criador autorizado. Foi um susto enorme.
Tentaram explicar que a Kika foi achada quase morta. Não adiantou. Ninguém
acreditava no que estava vendo. A Princesa chorava há mais não poder. Os lobos
as Escoteiras e os Escoteiros fizeram um circulo em volta de Kika. - Não vamos
deixara gritaram. Os seniores e os pioneiros ameaçaram o Fiscal do IBAMA. A
Chefe Nádia acalmou todos. Kika foi levada em um carro e desapareceu na esquina
da Rua Mercedes.
Foi então que a seca tomou conta do sertão. A cidade de Rio da Prata
sofria com a falta de chuva. Um mês se passou desde que levaram Kika. Havia uma
revolta no ar e foi então que uma revoada de pássaros apareceu sobre a cidade.
Não era milhares eram milhões ou mais. O céu ficou escuro. Foi Gualberto da
Patrulha Onça Parda quem disse que eles atacavam onde Kika e outros pássaros
estavam presos. Arrebentaram tudo. Gaviões enormes, Araras gigantescas, Águias
formosas, urubus-reis eram tantos que nem dava para imaginar porque faziam
aquilo. Trovões ribombaram no céu. A chuva chegou forte e não deu trégua. O que
restava do Centro de Triagem dos animais foi destruído pela enchente do Rio da
Prata. Os pássaros presos desapareceram fazendo uma revoada enorme sobre a
cidade. Duas horas depois o céu clareou apesar da chuva fina e intermitente. A
patrulha Javali da Princesa Lorena fez uma busca onde Kika vivia prisioneira.
Não encontram nada.
Dois meses depois, mesmo sabendo que Kika agora vivia solta e junto a
outros pássaros como ela, a tropa ainda se mantinha tristonha. Naquele sábado quando
o Chefe pediu a Patrulha de serviço para hastear a bandeira ouviram uma voz
estridente - “A bandeira, em saudação!”. Olharam para o alto do mastro e lá
estava nada mais nada menos que Kika. Uma algazarra geral. Palmas gritos e
então notaram que ao lado da Arara Azul estava um lindo Papagaio Verde e
Amarelo. Foi ele quem gritou – “Sempre Alerta”! Escoteirada. Foi à conta, um
festival de vivas, sorrisos, bem vindos partiam de todas as sessões presentes
naquele grupo. Não demorou muito os pais souberam do retorno de Kika e seu
namorado. A sede ficou cheia de gente. Kika desceu até o ombro da Princesa
Lorena – Bicou-a de leve em seu nariz. Mexendo com a cabeça Kika falou – Adeus
Escoteira, diga adeus a todos. Estou partindo para a Floresta Encantada onde
moram os pássaros amigos. Não chore com minha partida, pois irei sempre vir
aqui visitar você e esta turma maravilhosa. Logo Kika e o Papagaio Verde e
Amarelo subiram aos céus e em um mergulho enorme sobrevoaram a sede do grupo e
sumiram com o sol que estava se ponto na Montanha do Quati.
Até
hoje conta uma lenda que na cidade de Rio da Prata todo ano uma revoada de
pássaros se faz presente. Tornou-se um atrativo turístico. Dizem que nesta data
os Escoteiros e lobos de outras cidades sempre estão lá acampando e quando a
revoada termina milhares de Araras Vermelhas, Verdes e Azuis acorrem nos acampamentos
gritando alto para todos os acampadores. – Rataplã do Arrebol! Sempre Alerta!
Prometo pela minha honra e muitas outras palavras. Todos sabem que foi Kika
quem ensinou. Ela nunca esqueceu a Princesa Lorena, pousa em seu ombro, bica
seu nariz e parte voando com seus amigos para a imensidão do céu azul. Quando
conto esta história lembro-me o que um Velho índio me ensinou: – Conheça a si
próprio. Saiba que ninguém faz seu caminho por você e à estrada é sua somente.
Acredite que seus amigos andam ao seu lado, mas ninguém anda por você!
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