Contos ao
redor da fogueira.
Sustenidos
e bemóis, coisas de pardais no ar.
... - Gosto
quando me falas de ti... e vou te percorrendo e vou descortinando a tua vida na
paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos tranquilos. Gosto quando
me falas de ti... e então percebo que antes mesmo de chegar, me adivinhavas
que ninguém te tocou, senão o vento que não
deixa vestígios, e se vai desfeito em carícias vãs... (J.G. de Araújo Jorge).
A peregrinação me fazia
repensar o porquê elevando ao quadrado um sonho abstrato em matemática era como
se dirigir ao meu coração que batia calmamente obedecendo às normas surreais de
um passeio não programado. Não corria, trilhava o asfalto quente sem eira somente.
Pisante macio era como se naquela tarde eu velejava em mar aberto em um céu de
brigadeiro. O sol no seu batente, sem reclamar se dirigia ao poente. Eu não o
via. Estava escondido naquela selva de pedra onde se sobressaiam os
arranha-céus que queriam tocar as nuvens, mas elas se desmanchavam na poeira do
vento amigo. Mente deletéria imaginava como seria fácil ir de encontro ao
impossível coisa que não acreditava que pudesse fazer. Sons de veículos
passantes, buzinas estridentes, passadas de gente no chão corrente tentando
voltar ao lar. Uma gota pequenina de suor correu de mansinho em minha testa e
se esparramou borrachuda no chão pedregoso. Pensei no homem que faz trabalho
penoso, vive do suor do povo. Mentira? Mas não dizem que é fruto de uma
jornada, o suor no rosto é custa de muito esforço e grandes penosos
sacrifícios?
Parei... Eis que
sintomaticamente avistei um pequeno parque surgido do nada como se o Mágico
Houdini me revelasse que ali era meu lugar. Bonito, resplandecente agora sim eu
ia parquear. Escondido entre as avenidas asfálticas, prédios gigantescos parece
que agora encontrei o meu lar. Banco de madeira convidativo, lugar sedutor.
Sombra cativante árvores atraentes e áreas esplendidamente vazias. Sentei, me
acomodei corporalmente nas curvas gostosas do banco acolhedor. Pensei em voltar
meu rosto na direção do sol, e então, as sombras lentamente foram ficando para
trás. Amigo, meu objeto direto do desejo de admirar o belo perdido entre as
sombras, me alertava que o campo dos sonhos não é onde estamos. Só lá sombras
verdadeiras de arvoredo dão as sombras que precisamos. Deixei me levar pelos
sonhos. Lembrei-me de Michelle que nunca foi escoteira quando escreveu: - Fechei os olhos e me comprometi a sonhar com você.
Disse ao sono: venha logo, para que eu possa vê-lo, para que eu possa senti-lo,
para que eu possa ter um pouco mais do pedacinho do céu. Logo adormeci. De
repente o sol poente estava sumindo.
Foi então que me dei conta que era ela
que me fazia sonhar. Linda Arvore enorme, verde que te quero verde, uma sombra
que se espalhava ao redor do meu mundo que encontrei perdida naquela praça
desaparecida entre o os prédios daquela cidade de pedra. Olhei para ela, como
era bela, era como se eu tivesse dito sem dizer, “eu sei que já faz tempo, mas
ainda amo você desde o último acampamento”! Sombra enorme, vivente, escondida
do sol poente braços enormes, me voltei no tempo. Fechei os olhos, olhei para
ele e me vi de Camisa de Escoteiro subindo como anarquista, explorador, batedor
ou pioneiro a descobrir ate aonde ia e onde podia chegar. Elas as árvores que
me acolheram sorriam sem me condenar. Venha! Suba você não é um agitador ou um
anarquista, aproveite dos meus galhos faça de mim o que quiser... E lá eu ia na
correia de mateiro, como bom e valente Escoteiro a explorar as alturas do
Jequitibá, da Peroba Rosa, do Pau Brasil e de tantas que se alegraram em me
abraçar...
Absorto naquele lugar
encantado, pensativo e concentrado olhava a árvore como se ela sempre fizesse parte
do meu passado e do presente. A tarde foi se aconchegando no horizonte. Eu me
sentia abraçado, amado, e por ela adotado tinha certeza que éramos um só. Eu e
a árvore da Praça escondida em gigantescos prédios do arredor. Um bordel de
sons começou a se formar. Ventania de revoada, como se fossem trovões tocados
ao longe por uma mão invisível naquele céu escuro do alvorecer. Olhei para o
céu e espantado vi que a hora tinha chegado. Milhões deles e delas... Já iam se
recolher. Como se fosse uma sinfonia com sustenidos e bemóis vi que eram coisas
de pardais no ar. Nada de novo no front para um Velho que tinha a natureza na
alma e viveu tantas sinfonias de rádios de pássaros errantes tocadas em plena
floresta do Pica Pau e do Bem ti Vi. Eles foram alcançando os mais altos
galhos, os grasnados foram escasseando. Aos poucos o silencio retornou com a
brisa fresca do ar. Os pardais dormiam. Hora de partir, levantei tropegamente.
Uma partida
silenciosa. Não iria acordar a orquestra sinfônica que resolveu se acomodar na
mais bela árvore do lugar. Uma duas três passadas trêmulas. Parei. Voltei o
rosto para a praça. Tudo quieto, tranquilo, calmo e sossegado. Os pardais
dormiam sobre a proteção da árvore da vida. Árvore tão querida que os passantes
do dia não sabiam o tesouro que tinham ali intocável, mas que todos podiam
usufruir ou desfrutar. Mudei de pensar, sorri ao andar, pensei que nada seria
como hoje para mim dora em diante. Pião de madeira... Carrinho de ferro... Tudo
era tão solido... Ah! Vida tão cheia de vida, mas que um dia vai acabar...
“Senhor ajudai-nos a construir a nossa casa Com janelas de
aurora e árvores no quintal - Árvores que na primavera fiquem cobertas de
flores E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores”.
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