quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Era uma vez... Um chapéu Escoteiro para Cimarron.


Lendas Escoteiras.
Era uma vez... Um chapéu Escoteiro para Cimarron.

                    Era noite alta. Quem sabe já passava da meia noite. Não tínhamos relógio e os nossos cálculos nunca falhavam. Ali a beira da linha do trem de ferro permanecíamos em vigília. Ou melhor, em tocaia. Tocaiávamos um comboio qualquer que atravesse a Ponte do Alemão. Um pontilhão enorme, mais de um quilômetro sobre o Rio Amarelo. Tininho olhou para Noka o Monitor. – Acho que vamos atrasar... – É respondeu Noka. Ele sempre falava pouco. Uma ou duas palavras e achava que tinha sido entendido. Lilico dormitava sem preocupar com um trem vindo ou indo. Ele sabia que não poderia atravessar o pontilhão antes que passasse algum trem. Se estivessem atravessando e a buzina tocasse, adeus. Não tinha como fugir ou escapar do comboio, seria morte certa. Toliar sorria com seu cabo trançado nas mãos. Sempre a fazer um ou outro nó. Era bom nisto. Quem sabe o Escoteiro que mais entendia de nós de marinheiro e Escoteiro. Délio Abelha dormia a sono solto. A patrulha do Morcego não tinha pata tenras e noviços. Todos experientes e cada um sabia o que fazer como fazer e a hora certa para fazer.

                      Lilico que todos achavam que dormia deitou com os ouvidos em um trilho da estrada de ferro. Está chegando! Falou. A patrulha se animou. Cada um pegou sua bicicleta a espera do comboio. Quem sabe era pequeno? Uma vez na Ponte do Cara Preta ficaram quase meia hora esperando o comboio passar. Mais de trezentos vagões e cinco locomotivas a dizel. Esperavam que não fosse o maior trem do mundo. Aquele de 330 vagões com mais de 3.500 metros de extensão. 40.000 toneladas de minério gemendo nos trilhos daquela ferrovia infernal. Na curva do Maribondo avistaram o farol. Potente! Iluminava tudo. O maquinista e o seu ajudante deviam estar sorrindo quando puxavam a potente buzina. A patrulha sorriu. Délio Abelha sabia que todos sonhavam um dia estar ali, naquelas máquinas infernais, levando minérios e outros bichos para países do além mar. O barulho das cinco locomotivas acopladas e os vagões foram infernais. Quinze minutos e o vagonete da última leva passou com seu lampião vermelho aceso.

                      Atravessaram o pontilhão com calma, nada de correrias. Prender uma perna era programa de índio. Do outro lado respiraram aliviados. Noka custou para falar – Acho melhor arranchar no campinho de futebol do Arraial do Lagarto. Esta hora todos estão dormindo e sairemos cedo para Serra do Roncador. Chegaremos lá antes das onze e a escoteirada ainda deve estar nos esperando! – Falou demais. Deu um suspiro e parou. Meia hora depois chegaram ao campinho. Vinte minutos depois estavam dormindo nas barracas de duas lonas que montaram. Lilico e os demais deixaram seus chapéus no toldo da barraca. Ali sempre ficaram retos sem dobras. O sol ia surgindo quando todos levantaram. Hora de partir. Noka viu que o seu chapéu tinha desaparecido. Os demais ali estavam como os deixaram. Em volta viram umas vinte pessoas olhando. Eram moradores do Arraial. Noka olhou um por um e ninguém com seu chapéu. Um menino magrinho, raquítico gritou: - Foi Cimarron que levou!

                     Noka perguntou quem era o Capitão da Cidade. Em qualquer arraial sempre tinha um. – Procure o Madrepérola no centro. Ele já deve ter acordado, pois tem quatro vaquinhas leiteiras. Noka montou em sua bicicleta. Os demais fizeram o mesmo. O centro nada mais era que um descampado sem grama e empoeirado com várias casas de taipa em volta. Uma plaquinha dizia – Casa do Capitão. Eles bateram e a meninada riu. – Vá por trás. Ele está tirando leite! Todos deram boas gargalhadas. Os Escoteiros da Morcego não estavam rindo. Sabiam do valor do chapéu Escoteiro e como era difícil adquirir um. Viram atrás da casa de taipa um cercado. Abaixado estava o capitão a tirar leite. Noka com muita dificuldade explicou – De novo? Cimarron precisa aprender. Eu mesmo vou lhe dar uma lição! Foi junto com os Escoteiros a casa de Cimarron.

                    Sua mãe estava à porta com o chapéu de Noka. – Onde ele está dona Efigênia? No quarto Capitão. – Chame-o! Cimarron apareceu na porta chorando. – Seu choro eu conheço disse o Capitão. Em volta da casa mais de cem moradores. Para eles um espetáculo a parte. Ali no Arraial nada acontecia. Noka pegou seu chapéu. Olhou para Cimarron. Nunca na vida viu um menino tão magro e tão diferente de todos que conhecera naquele sertão brasileiro. – Cimarron chorava. Soluçando disse que sonhava em ser Escoteiro. Sabia que nunca seria ali no Arraial. Ali não tinha nada para fazer nem mesmo escola! – Noka o olhou melhor. Chamou Délio Abelha e o pediu para arvorar a bandeira nacional. Feito isto pegou na mão de Cimarron. Venha menino. Você vai ser Escoteiro! – Formaram uma ferradura pequena. O povo do arraial sem saber o que ia acontecer. – A bandeira em saudação! Gritou Noka. Pegou na mão de Cimarron ensinando. Firme! Descansar!

                   A patrulha ficou de sentido. Noka pediu para Cimarron levantar a mão direita. Ensinou a meia saudação Escoteira. – Repita comigo Cimarron! – Prometo, pela minha honra, fazer o melhor possivel para: - Cumprir meu dever para com Deus e minha Pátria, ajudar o proximo em toda e qualquer ocasião e obedecer à lei do Escoteiro! Sabe Cimarron, um Escoteiro não mente, um Escoteiro é leal, um Escoteiro respeita o que é do próximo. Agora você é um Escoteiro. Noka tirou seu lenço e o colocou em Cimarron. Depois pegou seu chapéu e o colocou em sua cabeça. Cimarron chorava, e como chorava. Seus olhos rasos d’água quase não abriam. O povo bateu palmas. – Alguém gritou! – Viva Cimarron! Ele é um Escoteiro! – Cada membro da patrulha Morcego o abraçou e o saudou. Arriaram a bandeira. Pegaram suas bicicletas e partiram. Muitos meninos ainda correndo atrás.


                      Pararam na subida da Onça Pintada. Noka desceu da bicicleta e olhou para trás. Cimarron chorava gritava para eles: - Obrigado irmãos! Obrigado. Prometo ser outro e ser honesto. Eu prometo pela minha honra que vocês um dia vão se orgulhar de mim! A patrulha montou em suas bicicletas e partiram na estrada que os levaria ao seu destino. Antes da curva da Coruja ainda ouviram ao longe a voz de Cimarron – Adeus amigos, adeus! Voltem um dia! Agora era encontrar uma Tropa Escoteira conforme o combinado. Ninguém dizia nada, cada patrulheiro sabia o Monitor que tinham. Um orgulho em pertencer àquela patrulha. Se Cimarron ia mudar ou não, não importava para eles. Uma boa ação foi feita. Agora dependia de um menino, perdido em um Arraial qualquer deste mundo de Deus buscar sua verdadeira identidade. A identidade de um verdadeiro Escoteiro. A patrulha virou a curva do morro da Coruja. Sumiram na estrada que os levaria ao destino programado. Todos acreditavam que Cimarron cumpriria sua promessa. Mesmo não sendo um deles por falta de oportunidade. Todos sabiam que agora ele conhecia a raça, a cortesia, o respeito e a fraternidade de uma patrulha Escoteira. Todos sabiam que um dia ele seria um Escoteiro sem tropa, sem patrulha, mas com um imenso amor para dar!

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