Lendas
Escoteiras.
Uma estrela brilhante
para Elizabeth.
“Abro os olhos, não vi nada”. Fecho os olhos, já vi
tudo.
O meu mundo é muito grande E tudo que penso
acontece”.
Eu sabia que eles não iriam
demorar a chegar. Sempre foi uma festa quando adentravam naquela área gramada
da Casa de Repouso. Vinham uma vez por mês sempre no segundo domingo. Houve
alguns dias que não vieram. Eu sabia que estavam acampando ou excursionando.
Quanto daria para estar com eles? É hoje só vivo de lembranças, mas não posso
reclamar. Eu tive tudo que quis. As escolhas foram minhas e se tivesse de
voltar no tempo eu faria a mesma coisa. Gosto até desta casa onde habitam
amigos como eu. Muitos deles já foram para as estrelas e eu sei que um dia vou
também. Enquanto isto não acontece eu olho na tela gigante que sempre existe em
minha mente. Ela me alegra me traz a vida do meu passado. Quando a música que
escolhi espalha melodia nas lindas cenas que revejo eu sei, eu tenho certeza
que alcancei a felicidade que sempre sonhei. Os que vivem aqui não reclamam.
Tem muitos que seus filhos e netos dificilmente aparecem. Eles não choram, nós
estamos ao seu lado para embalar seus dias e suas noites e fazê-los sorrir.
“Aquela nuvem lá em cima? Eu estou lá, Ela sou eu.
Ontem com aquele calor Eu subi, me condensei”.
Nunca esqueci aquele dia
– Papai, Mamãe, eu gostaria de ser Escoteira! Eles me olharam espantados pois
sabiam que eu me fechava em meu quarto, não recebia amigas e mesmo sem ser
triste levava uma vida reclusa onde fora os dois não havia mais ninguém. Eu
sabia que era adotada. Eles nunca me esconderam. Mas eu os amava e nunca me
interessei em saber quem foram meus pais biológicos. – Vou levar você lá
Elizabeth. Espero que vá gostar e se dedicar como tudo que faz. Meu pai tinha
mais de sessenta anos e minha mãe cinquenta e oito. Adotaram-me quando tinha
oito meses. Eu não tinha o que reclamar. Eles me adoravam tanto que muitas
vezes me senti sufocada de tanto amor. – Seja bem vinda Elizabeth! – Espero que
goste de ser uma Escoteira e olhe, você tem duas escolhas aqui: - Gostar da
vida ao ar livre e saber vencer as dificuldades! – Adorei a Chefe Altair.
Adorei tudo que encontrei ali, o escotismo passou a ser minha vida e tudo que
fazia ele estava presente em minha mente, junto de mim e no meu coração.
Os tempos foram
passando, um dia me disseram que seria guia. Porque não? Para mim a mesma
coisa. Fiz novas amigas e amigos pois a tropa era mista. Um respeito enorme um
pelo outro pois isto o Chefe Jerônimo fazia questão. Fui em alguns Jamborees,
fui em muitos acampamentos regionais. Mas o que gostava mesmo era meu
acampamento de tropa. Ali eu podia jogar, crescer e aprender com meus amigos de
patrulha. Mas chegou o dia que me disseram que estourei a idade, teria de ser
uma pioneira. Eu tentei mas não me dei bem. Havia muitos que nunca foram
Escoteiros quando jovem e a gente não falava o mesmo idioma. Conversei com o
Chefe Jerônimo que assumiu a responsabilidade pelo grupo. – Porque você não vem
ser Chefe? Uma assistente para começar. Irá fazer muitos cursos, conhecer
pessoas novas e quem sabe um dia será uma Insígnia de Madeira?
“E, se o calor aumentar, choverá e cairei. Abro os
olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei. Aquela alga boiando, à
procura de uma pedra”?
Porque não? Eu
pensei. Foi outra maneira de ver o escotismo. À medida que aprendia, que fazia
cursos, que trocava ideias com Velhos Lobos eu já sabia que ali era meu lugar. Interessante
que não encontrei minha cara metade. Acho que entreguei meu coração ao
escotismo. Namorei mas nada significativo. Comecei a trabalhar em um Banco da
cidade. Todos ali sabiam que eu era Escoteira pois só falava nisto. Até meu
Chefe o Senhor Rodolfo ria quando eu contava casos de acampamentos. Uma tarde
recebi um telefonema urgente de uma vizinha – Seus pais foram internados. Os
dois. Tiveram um principio de enfarte. Corri ao hospital. Uma semana depois
eles partiram. Chorei muito, achei que tinha culpa, pois me entreguei tanto ao
escotismo que me esqueci deles. Todos os domingos eu visitava seus jazigos.
Orava, chorava e pedia perdão. Um dia uma luz forte parecia dizer: Seja feliz
filha, um dia você vai vir morar conosco no céu!
“Eu estou lá, Ela sou eu. Cansei do fundo do mar,
Subi, me desamparei. Quando a maré baixar, na areia
secarei”,
Conheci milhares de Escoteiros
e Escoteiras por este mundo que Deus me deu a felicidade de caminhar. Fiz
centenas de amigos e quando recebi minha Insígnia recebi vários convites. Nunca
aceitei nenhum. Eu tinha uma missão com os jovens e nunca iria abandoná-los.
Minha casa vivia cheia deles. Eu os amava e eles me amavam. Quantos
acampamentos fizemos? Quantas atividades aventureiras? E aquela de sair por aí,
sem eira nem beira na Montanha da Raposa cinzenta? Acampei muito, fiz excursões
incríveis, adquiri uma maturidade de campo invejável. Eu só me dedicava ao escotismo e nunca pensei
em crescer no meu trabalho. Sabia que todos gostavam de mim como eu era. Nunca
casei! Por quê? Até hoje eu não sei. E quando envelhecesse o que seria de mim?
Quem iria orar por mim, ficar ao meu lado, me dar de comer, me fazer feliz? Não
pensava nisto. Só pensava no meu amor Escoteiro que vivia no meu coração.
“Mais tarde em pó tomarei. Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha, Fecho os olhos e comento”:
Mas o tempo é implacável, eu
envelheci. Aposentei-me. Sentia-me sozinha em casa e só no escotismo me sentia
bem. Minhas meninas agora eram outras. Quantas passaram pela minha tropa? Um
dia o Chefe Jerônimo me disse: - Elizabeth, não interprete mal minhas palavras,
você já está com mais de setenta anos. Não pode viver sozinha assim. Porque não
procurar uma Casa de Repouso? Visite, conheça, veja se é o que gostaria para morar.
Lá você teria amigas para conversar, para cantar e divertir. Sua palavras me
marcaram. Eu andava mal. E fiz a escolha certa. O bom de tudo era que minhas
Escoteiras, meus amigos chefes sempre me visitavam. Nenhum domingo passava em
branco. Eu adorava mesmo era o segundo domingo do mês. Minha primeira patrulha
vinha em peso sem faltar ninguém. A gente ria, cantava, chorava e lembrava os
velhos tempos dos bons acampamentos das noites geladas, dos fogos de conselho!
Ah! Quantas saudades.
“Aquela pedra dormindo, parada dentro do tempo,
Recebendo sol e chuva, desmanchando-se ao vento?
Elizabeth faleceu aos oitenta e
oito anos vitima de falência múltipla de órgãos. Nunca aquela campa no alto da Colina
da Lua viu tantos meninos, meninas, chefes e até lideres Escoteiros regionais,
nacionais e do exterior. Quando o esquife desceu para sua morada nunca se viu
tantos chorando. Mas Elizabeth, para quem podia ver estava sorrindo, estava com
sua Mamãe e seu Papai que a abraçavam e em uma nuvem branca a levavam para uma
estrela brilhante. Lá no firmamento onde seria sua nova morada!
Eu estou lá, Ela sou eu”.
O poema é de Adalgisa Nery.
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