Lendas
Escoteiras.
A última página
do adeus.
“Partida que
não teve adeus de um lenço, história antiga que não tem mais senso, Livro que o
vento sem querer fechou”! J. G. de Araújo Jorge.
Olhe eu nunca há esqueci.
Seu sorriso, seu jeito matreiro de conquistar e fazer amigos, sua lealdade e
sua honradez eram para tirar o chapéu sempre. Não sei por que partiu. Se houve
um motivo no grupo nunca fiquei sabendo. Sei que eu e muitos amigos chefes
ficamos consternados com sua partida. Ela partiu como uma bruma escura que não
se acha explicação de onde surgiu e para onde foi. Ela se foi sem despedir de
todos. No sábado anterior seus olhos vermelhos eram prova viva dos seus
sentimentos. Ela tinha estilo, pose de rainha de santa, mas quer saber? não era
antipática démodé e arrogante. Era simples, conquistava pelas palavras, pelo
carinho pelo abraço simples e seu Sempre Alerta era demais! Ninguém disse não a
sua chegada. Diferente de outros que adentraram no Grupo Escoteiro ela chegou
sozinha. Sem filhos a tiracolo, maneira corriqueira que sempre acontece com
pais que chegam para ver e sentir onde seus filhotes estão e chegam à conclusão
que ali é bom, vem a coceirinha e entram nem mesmo sem saber por quê.
Raquel foi diferente. Chegou,
procurou a chefia e disse que veio ajudar. Ser mais uma e não seria um fardo
para ninguém. Ela sempre sonhou em formar jovens e não teve a oportunidade no
magistério. Eu quando a conheci pensei com meus botões o que uma mulher com
aquela classe fazia ali. Não estou a desmerecer as demais chefes, nada disto.
Perdão se ofendi alguém não era e não é o meu desejo ao contar esta história.
De onde tinha vindo? Quem seria? Acreditar de chofre no seu altruísmo, do seu
amor ao próximo, na benevolência e no seu bom coração seria a forma correta de
dizer: - Seja bem vinda? Dizem que a ajuda ao próximo sem buscar qualquer
recompensa é notável indicador de elevação moral, que eleva o ser humano,
fazendo dele um ser superior digno de ser seguido. Ninguém perguntou. Todos
ficaram encantados com ela. Nem mesmo as senhoras chefes que sempre tiveram o
dom de desconfiar de alguém que se diz amiga de todos teve um momento de
dúvida.
Onde quer que fosse antes ou
depois da reunião os meninos como abelha no mel ficavam em volta dela. Como
contava lindas histórias. Parava assim como começou para cantar com eles, jogar
jogos incríveis e todos nós ali olhando e pensando como pode existir alguém
como ela? Nunca ouve ciúmes, maledicências, despeito ou mesmo uma rivalidade
com o que ela fazia. Pensei um dia que seria uma Santa que desceu do céu para
ajudar nosso escotismo tão necessitado de pessoas assim. Não entrou em nenhuma
sessão Escoteira. Chegava meia hora antes e saia meia hora depois. Nesse meio
tempo distribuía sorrisos, conversava motivando a todos, recebia pais e
visitantes, encaminhava os novos para o Diretor Técnico e nunca interferiu nas
sessões quando de suas atividades. Ao contrário eram os chefes que a procuravam
em busca de conselhos, aprendizado de jogos, sanar dúvidas, sentir sua força
interior como se quisessem introduzir em seus corações tudo que ela era, todo
seu estilo amigo e fraterno que até então não tinham visto em ninguém.
Todos a chamavam de Raquel.
De que? Ninguém nunca soube e nunca ela falou. Ninguém sabia onde morava, onde
trabalhava se tinha família ou não. Isto se tornou tabu para todos, pois não
queriam ofendê-la e nem privar de sua amizade. Se ela não contou é porque não
queria contar. Um dia procurou o Chefe e disse para ele que queria fazer a
promessa. Todos se alegraram. Ela chegou naquele sábado esplendidamente
uniformizada. Se já tinha um belo sorriso naquele dia ele se duplicou. Foi uma
festa inesquecível. Festa? Bem após a cerimônia, aonde vieram antigos
Escoteiros, ex-Escoteiros, chefes do distrito e da região, pois ela aonde ia
conquistava uma legião de fãs, fez questão de oferecer um coquetel a todos. Nem
meias palavras para dizer como foi este coquetel. Garçons de smoking serviam os
mais gostosos salgados e quitutes de dar água na boca. Todos dos lobinhos ao
chefão eram sorrisos só. Interessante que ali só se via o mundo Escoteiro. Seu
mundo particular se existia ninguém viu.
Nunca ficou um dia, um
minuto um segundo sem o uniforme na sede e nas atividades Escoteiras. Lembro
que em uma atividade nacional ela
educadamente sem afetação ou vaidade disse ter conseguido um avião para levar
todo o grupo. Era em outro estado e todos nós nos assustamos. Um avião? Quem
ofereceu? O assunto morreu por aí. A confiança nela era tremenda. Lá foram
todos na aventura de todos os tempos que marcou o Grupo Escoteiro por toda a
vida. Olhe eu posso garantir que nunca ela faltou, chegou atrasado e em menos
de um ano nosso Grupo Escoteiro se tornou o mais conhecido da cidade, da mídia,
e tivemos até a visita do Prefeito da cidade que a abraçou sorrindo lhe dando
os parabéns. Meu Deus! Quem era essa mulher? Porque ninguém sabia de nada de
sua vida? Como ela conseguiu esconder de todos seu curriculum pessoal? Eu
sinceramente nunca há vi em jornais, colunas sociais, colunas financeiras nada.
Como ela podia manter segredo e ainda ser amiga de muitas autoridade da cidade?
Foi um desastre aquela
reunião do sábado. Chovia ninguém se preocupou com a chuva. Todos faziam
questão de estar presentes no Grupo Escoteiro. Uma que amavam o escotismo e
outra que lá estaria Raquel. Um anjo dourado que Deus deu ao Grupo Escoteiro. Os
lobinhos, Escoteiros, seniores guias e chefes entravam aos borbotões pelo
portão de aço, pintado de branco, para receber um sorriso e um aperto de mão de
Raquel. Onde estava ela? Ninguém sabia. Não veio? – Até agora não, disse
alguém. Ficaram o tempo todo em reunião, mas um silêncio mudo persistia entre todas
as sessões sempre olhando para o portão vazio. Uma calmaria que assustava.
Raquel não veio e nem nas três seguintes. O Grupo Escoteiro sentiu na pele e na
mente aquela ausência. Ninguém queria acreditar sempre esperando que ela
chegasse, explicasse sua falta, desse aquele sorriso contagiante de dissesse:
Sempre Alerta! Mas não. Isto não aconteceu.
Ninguém sabia onde morava,
ninguém tinha seu telefone, ninguém sabia onde trabalhava e mesmo pesquisando
como o prefeito, o juiz o delegado e altas autoridades da cidade ninguém sabia
do seu paradeiro e nem onde morava. Ela fez o mesmo com todos eles,
conquistando pela amizade, pelo sorriso, pela sua bondade em ajudar. O coração
partido, os olhos lacrimejados mostraram um Grupo Escoteiro à deriva. – Muitos
diziam alto com rancor o porquê daquele abandono. Outros reclamavam por ela
oferecer amor e carinho e desaparecer como uma nuvem levada por um vento mau.
Lembro que eu mesmo chorei por muito tempo sempre pensando em sua partida. Já
homem feito um dia pesquisando na internet li uma notícia que me estarreceu, eu
não podia entender e compreender. A noticia era da década de quarenta antes do
inicio do Grupo Escoteiro dizia:
- Dentre os mais de
cento e oitenta passageiros que morreram na queda do Avião da Swissair
ocorrido hoje, proximo a Kaduna, uma figura simples que labutava no
Hospital St. Nicholas na capital da
Nigéria, a Irmã Raquel, considerada uma Santa vai deixar saudades. O Vaticano
estuda até hoje sua canonização. Seu trabalho na cruz vermelha na Monróvia,
Libéria vai deixar uma lacuna difícil de ser preenchida. O Padre Romulo sempre
diz que ela partiu para estrelas para nunca mais voltar! Olhei a foto com
atenção. Mesmo preta e branca e opaca era dela, da nossa querida Chefe Raquel!
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