Lendas
Escoteiras.
Eram
mil gaivotas no ar.
Como tinha chegado até
ali eu não sabia. Meu corpo se recusava a obedecer, mas eu precisava ver as
gaivotas voando no ar. Teria que ser naquela tarde preguiçosa, com o sol se
pondo no horizonte, naquela praia antes de tudo desaparecer de minha mente.
Passos trôpegos cheguei a areia branca, as ondas ainda não haviam alcançado a
ponta da praia no seu esplendor da tarde. Parei, não sabia se eu iria
conseguir. Olhei para minha perna que sorria. – Não dá mais Velho Escoteiro. Eu
o servi a vida inteira não me obrigue mais a caminhar. Sorri sem graça, mas era
verdade, minhas pernas me serviram de maneira exemplar por toda minha vida. Não
podia agora reclamar. Tentei levantar os ombros e não consegui, franzi a testa com
meu olhar perscrutando o horizonte. Nenhuma gaivota no ar. Olhei o oceano até
onde minha vista alcançava. O som das ondas me embalou como se eu ainda fosse
uma criança no colo de minha mãe. Senti as pernas fraquejarem. Elas insistiam
em dobrar. Pausadamente fui descendo de minha altura até as areias do mar.
Ah! O perfume das águas
azuis que rebatiam nas pedras da enseada mostrando uma força incrível para me
reverenciar. O Ribombar nos rochedos me enchia de prazer e emoção. O mar sempre
foi meu céu, meu amor minha paixão. Sentei-me devagar na areia branca cujas
ondas ainda não podiam me alcançar. Meus olhos quase fechados viram próximo da
mão uma concha, pequena linda e na sua cor branca e me lembrei de um poema que
gostava de declamar: A simplicidade de uma concha do mar junta-se o colo da
areia onde ela se aninha. As ondas do mar embalam-na num vaivém paternal. Do
sol um pingo de ouro suscita-lhe um sorriso madrepérola. E o menino que a colhe
tão cheio de curiosidade torna-a num pequeno mundo de mistérios. A simplicidade
de uma concha do mar junta-se o universo! Senti uma pontada no peito. Sabia que
minha hora se aproximava. Tentei levantar meus olhos, queria levar comigo a
vastidão do mar ver nos meus últimos momentos uma gaivota no ar. Meus olhos
incompetentes reclamavam querendo fechar. Pensei em rezar, pedir a Deus um
último instante. Se houver quem diga o que não falo diz à sorte, ao acaso
selvagem, pois já nem sei de mim, sei a imagem do mar que nem mais o sinto, e
por isto minhas lagrimas me fazem calar.
Meus olhos vão aos poucos
se fechando, e como uma tela gigantesca vai se formando na areia branca daquela
praia onde minha vida se voltou para me mostrar os acertos e desacertos de tudo
que criei ao sabor do tempo. Tempos que já se foram, uma promessa adormecida,
embaladas em uma bandeira do Brasil. Uma patrulha de navegantes, valentes
escoteiros do mar, eu ali na frente mostrando ser o Pioneiro, o primeiro a
achar os caminhos perdidos nas matas a descobrir o luar atrás das estrelas.
Tempos que já se foram, quantos sorrisos? Quantas luas para amar? Quantas
estrelas no céu para contar? Vi-me um homem feito, esquecendo-se de seus
amores, pois meus pendores era o escotismo e nada mais. Eu sabia que fiz
amigos, muitos e inimigos? Quem não os teve em sua vida? Afinal sempre nos
lembraremos deles de suas palavras silenciosas, mas o bom mesmo era o silêncio
amoroso dos nossos amigos. Resolvi ter uma família, mas me esqueci dela por
muito tempo. Me dedicava de corpo e alma aquele movimento pelo prazer de
servir.
E o tempo foi passando, e
os meus de sangue foram ficando. Viajei por plagas inacessíveis, fiz
acampamentos impossíveis. Amei cada fogo que ascendi, e as brasas hoje adormecidas
na trilha do tempo distraídas, deixei-as queimar sem me importar até quando.
Quantos apertos de mão? Quantos abraços floridos? E os seus de sangue a lhe
esperar? Deu-lhes por acaso neles os abraços merecidos? Não, se um dia pensar o
que não penso, em uma trilha de nevoeiro denso, nas terras das sombras que nem
existem mais. Esqueceu-se de suas mentes, de suas bocas, olhares sentimentos
nobres. Só viu os vales e os mares, à crina das espumas e vendavais. Seus
rebentos um dia partiram, suas famílias foram criar. E ela? Sozinha em casa
sempre a me esperar.
Sei que lhe dei abraços,
beijos, mas isto poderia pagar o tempo que passei vagando nos montes e
horizontes sem fim? Pelas frestas da sala e da janela, via você fatiada, a boca
do sangue esperando um beijo que nunca lhe foi dado. E ela como uma lã, com
linho pensando ser artesã, parecia flutuar sobre os lençóis nus que esperavam
muitos abraços... Que não vieram... E eu com a mente longe distante, bem além
do horizonte, usurpava seu trono seu recato. Um dia ela se foi, e eu fiquei
sozinho. Merecia ter este destino. Escolhi o que não poderia escolher. As
minhas escolhas não entendiam o que dei, o que fiz, o que deixei de bom para
eles. Sabia que era meus últimos momentos, fui ali na praia, pisar nas areias
brancas que amei, para ver gaivotas perdidas no ar. Haverá alguém quem diga, o
que não falo, pois diz à sorte que ela vem ao acaso, selvagem, pois agora nem
tenho imagem, verdade é que nem sei o que sinto ou o que falo.
Me senti puxado, arrancado como se fosse
jogado no ar. Olhei e vi meu corpo, esticado nas areias brancas do mar. Sabia
que chegou a hora, hora de partir e quem sabe nunca mais voltar. Ainda tentei
olhei procurei implorei aos que se foram e não vi as gaivotas no ar. Meu corpo
flutuava ao sabor das ondas do mar. Jogado aqui e ali eis que me detive, eram
eles, a patrulha do meu tempo, surgiu ali vindo do firmamento todos sorrindo e
dizendo bem vindo meu monitor! Lembrei-me de poema do meu tempo. Dizia ele que
é ingrato contar sorrisos, pelas praias do amanhã. Quem vai quem fica nada os
encanta. Não levam olhos de ver os sem brilhos, os cadafalsos de rotina, os
pelourinhos do cansaço. Você aqui na terra era um hospede, morando nas esquinas
da vida, de olho no seu passado pensando no seu presente e no seu amanhã.
Abracei-os chorando, pedindo perdão. Eles sorrindo me abraçaram cantando, dizendo
meu monitor meu amigo, para você, aqui estão, mil gaivotas voando no ar...
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