Lendas
Escoteiras.
“Gigante”.
“Gigante”? Never, nunca, não
passava de um quase anão. Bem era um pouco maior, mas todos olhavam para ele
com cara de piedade. Laredo da Paz vivia sorrindo. Sua face, sua maneira era de
um pequeno grande homem que nunca fez ou desejou mal a ninguém. Sua mãe morreu
no parto e seu pai quando o viu sumiu de Morro Vermelho. Afinal que iria querer
cuidar de um menino que nasceu assim? Coitado. Nasceu com síndrome de Down e
isto afugentou boa parte da população do seu convívio que desconhecia esta
característica e achou que era uma aberração da natureza. Nem sabiam que elas
apresentam personalidades e características diferentes e únicas. Quem ia dizer
para elas que Síndrome de Down se bem cuidada pode alcançar excelentes
capacidades pessoais de desenvolvimento, de realização e autonomia. São entes
que são capazes de sentir, amar, aprender, divertir e trabalhar. Iria aprender
facilmente a ler e escrever e pode tranquilamente levar uma vida autônoma. Sem
sombra de dúvida pode ocupar seu lugar próprio e digno na sociedade.
Mas quem em Morro Vermelho
sabia disto naquela época? Sua Avó já quase cega o levou para casa. Cuidou, deu
carinho amor e tudo que ela podia dar com os parcos salários que recebia de
aposentadoria. Laredo cresceu como um excluído, exilado ou um Pariá que ninguém
queria se aproximar. Aos quinze anos viram que ele não era um perigo para a
sociedade. Mesmo excluído de amigos da sua idade ele sorria, nunca fez nenhum
mal a ninguém. Era aquele que senta lá atrás na sala de aula e nunca reclamou.
Aos vinte anos sua Avó faleceu. Ficou só e não sabia como sobreviver. Tentou de
tudo, mas ninguém lhe deu uma oportunidade. Foi Dona Ana que acreditou e o
levou para ajudante em sua vendinha na esquina da Rua do Contador. Recebia uma
migalha, mas não reclamava. Os “fregueses” gostavam dele. Educado prestativo e
sempre com um sorriso seu atendimento era o melhor que podiam encontrar.
Substantivo e Adverbio
monitor e Submonitor da Patrulha Garça discutiam o futuro da patrulha e da
Tropa. Chefe Corel ficou muito doente. Diziam que era câncer e que em breve ele
iria “bater as botas”. Era um Chefe não muito amado pela Tropa escoteira.
Prepotente, gritante se julgava o melhor e sempre falando que todos deviam
seguir seu exemplo. Pelo sim pelo não a Tropa não chorou sua partida para
tratar na capital. Agora estavam sem Chefe. A Corte de Honra se reunia todas as
semanas atrás de uma solução. Seu Domingos presidente da Diretoria disse que
sem Chefe eles não poderiam ficar. Ele iria fechar o Grupo. A Alcatéia de lobos
já tinha acabado por falta de chefes. Ninguem queria assumir. Parecia uma
maldição em ver de uma graça para alguém liderar jovens em sua formação moral e
ética. Por quê? Bem o escotismo desde sua fundação pelo Sargento Cacildo nunca
foi bem visto. Uma história que ninguém queria contar.
Substantivo andava pela
cidade chorando e pedindo a Deus que os ajudasse. Sentou em uma calçada e
começou a passar mal. Filho de imigrantes Japoneses nunca foi bem aceito pelos
matutos de Morro Vermelho – Dizem que são “camicases”, dizia Bonfá o barbeiro.
Ele nem sabia o que eram camicases. Caiu na calçada e ninguém correu para
ajudar. Gigante passava na hora. O pegou no colo e levou para sua casa. Deu-lhe
um refresco de groselha, lavou sua testa com agua fria e a respiração de
Substantivo voltou ao normal. Era apenas uma insolação e a fresca água e sombra
foi um perfeito remédio. Surgiu daí uma grande amizade. Substantivo pensou: -
Porque ele não poderia ser nosso Chefe? Levou a ideia para a patrulha e a
Tropa. Todos se espantaram. - Ele? Não dizem que é irmão do capeta? Disse
Parafuso. Pelo sim pelo não aceitaram a visita de Gigante em um sábado para
conhecerem melhor.
No dia 16 de maio de 1956 a Tropa o empossou
como Chefe da Tropa. Como? Poderão perguntar. Não sei. Seu Domingos presidente
nem ligava mais para o Grupo que só tinha uma Tropa e nem Chefe tinha. - Quem
se importa? Pensou. Seis meses depois chegou impoluto com banca de chefão um
homem que se dizia representante do Escotismo nacional. – Ele não pode ficar!
Não tem curso, nem ler sabe e é um doente, uma aberração da natureza! Gigante
no alto da sua humildade disse que sabia ler e escrever e era irmão e amigo de
todos nunca uma aberração. Sabia matemática, português, e estava aprendendo
filosofia. O Grande Chefe da capital riu. – Não quero saber. Fora daqui!
Enfrentou a ira de 30 escoteiros com seus bastões prontos para agredi-lo. Saiu
correndo e nunca mais voltou. A cidade riu quando soube de tudo. Orgulhou-se
dos seus meninos e bateu palmas para Gigante que não levantou uma mão para
agredir ou machucar alguém.
Passaram quinze anos.
Muitos dos meninos daquela Tropa viraram homens feitos. Alguns foram embora
para tentar uma faculdade, outros arrumaram emprego e até mesmo Zé Dedão um
antigo cozinheiro se casou e se tornou um grande industrial da cidade. Mosca
Branca o intendente dos Touros se formou “Devogado” e voltou juiz de direito.
Morro Vermelho hoje se sente orgulhosa com seus mais de 140 escoteiros e
lobinhos. Na escola quando da matrícula perguntam: - É Escoteiro? Nada contra,
qualquer um pode entrar sendo Escoteiro ou não, mas todos os escoteiros sorriam
mais, alegravam mais, eram mais corteses e educados e bons estudantes. O melhor mesmo é Gigante. Tirou o segundo
grau, e não quis continuar estudando. Deu sua vida pelo Grupo Escoteiro. Era
seu amor sua paixão. A meninada adorava seu Chefe. Hoje tem muitos oriundos daquela
época, mas Gigante nunca quis ser o chefão do grupo. Boticário o Monitor mais
antigo assumiu a chefia do Grupo. Não faz nada sem primeiro consultar Gigante.
Bem, as coisas são assim
mesmo e eu não aconselho a todos seguirem o mesmo caminho. O Grupo nunca se
registrou. Tentaram processos de todos os tipos para fechá-lo. Mosca Branca o
Juiz ria e dizia – Que eles se preparem para uma boa luta do Scalp! Gigante
continua na vendinha de Dona Ana. Agora são sócios. Dona Ana quase não aparece.
A vendinha cresceu e muitos aconselham Gigante a construir um Super Mercado. –
Eu? Nunca meus amigos. Sou feliz assim e porque mudar? Nada como descobrir o
caminho da felicidade. Não sei não, mas se Baden-Powell fosse um ser super
poderoso e olhasse na terra sua criação, ficaria orgulho do Grupo Escoteiro de
Morro Vermelho. “Mais ainda de Gigante, um Chefe que não precisou ser dono da
verdade, prepotente ou mesmo o líder que muitos esperam e que foi amado e
idolatrado por todos que um dia passaram pelo Grupo Escoteiro da cidade de
Morro Vermelho”.
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