Lendas escoteiras.
Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso.
Lisabel estava cansada. Quinze lobinhos a correrem naquele sitio só ela
como responsável dava dor de cabeça para qualquer um. Seus assistentes só
viriam à noite. Pensou em cancelar o acantonamento depois desistiu. Os lobos aguardavam
há meses e ela não podia decepcioná-los. Eram quinze, mas pareciam cem! Fez um bom programa e boas
histórias para contar. Próximo a casa sede arvorou a Bandeira Nacional. Seu
estoque de jogos, brincadeiras, canções faziam a lobada sorrir e brincar. Dona
Mercês mãe do Gustavo ajudava na cozinha. Após o almoço Lisabel reuniu os lobos
e foram até ao lago sentando em círculo na sombra de um cajueiro. Viu ondas se
espalhando nas águas do lago. Lisabel assustou. Era um castor e logo mergulhou.
Impossível! Castores no Brasil? Se dão bem nas águas geladas de países frios.
Cantava com os lobos a “A
Promessa de Mowgly” e viu que a tarde se aproximava. Quando Noel e Flavia
chegassem iria tirar uma soneca. Precisava. Começou a contar uma história e
parou. No lago alguém emergia vagarosamente. Era um Velho com um chapéu e uma
indumentária típica dos Caçadores de Peles do passado. Ela conhecia suas
historias. Leu muito sobre os Mountain Men, um homem da montanha! Ele sorria,
deu um olá simpático, chamando a atenção dos lobos. Começou a falar: - Sabem!
Disse ele. Faz tempo que não vejo um Cub Scout. Quantas saudades! – O que é um
CubScout perguntou Nininha. – Meninos lobinhos como vocês. – Lisabel
impressionada estava assustada. Uma figura imponente. Um cajado lindo. – Posso
sentar com vocês? – Claro que sim ela respondeu.
– Por acaso viram um
castorzinho deslizando há poucos instantes sobre o lago? Estou à procura dele.
É Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso. Todos tinham visto e responderam
sim simultaneamente. – Querem que eu conte a história dele? Palmas e gritos. A
lobada gostava de uma boa historia. – Bem vou contar, mas é uma historia
triste, muito triste. Faz tempo, muito tempo quando conheci o John, ou melhor,
o John Colter. Um pioneiro e um dos primeiros caçadores de pele a ser chamado
de “homem da montanha”. Ficamos amigos em St. Louis uma cidade americana, lá
pelos idos de 1807. Com ele fiz uma serie de expedições até o rio Missouri para
caçar castores e tirar suas peles. Os lobinhos assustaram-se. – Calma isto foi há
muito tempo. Nós vivíamos disto. Era nosso ganha pão.
- Eu e o velho John rodamos meio mundo. Das
Montanhas Rochosas até os grandes lagos de Michigan, Huron, Erie e Ontário.
Diziam que eu e o John só caçávamos peles dos castores, mas nas horas vagas
procurávamos ouro. Nunca esqueci quando conheci Pigmor, o castor manco. Eu e o
John chegamos às margens do Lago Grande Urso numa tarde de novembro. O frio
intenso nevava a mais de seis dias. Montamos uma pequena cabana e quando
ascendi o fogo vi um castorzinho se aproximando e mancando. Assustei, sabia que
eram ariscos com os homens. Devia morar por ali com seus companheiros em uma colônia
no fundo do lago.
- Olhei para o John e disse rindo: Ele não parece o Pigmor aquele velho caçador
de ouro que morreu em Blue River Valley? Coitado. Morreu sozinho nas Montanhas
Rochosas abraçado a um grande urso que encontrou na caverna do Mandor. Pigmor
chegou próximo ao fogo. Eu e o John calados. Não valia a pena dar um tiro ou
mesmo matá-lo com um facão. Era raquítico, pequeno e descarnado. Seus olhos
pareciam vermelhos e vimos que chorava. Ficou horas aproveitando o calor do fogo.
Pigmor de cabeça baixa soluçava sem parar. Contava uma historia estranha. Isto
mesmo, Pigmor estava falando. Castor falante? Bem foi a primeira vez que vimos
um falar.
Lisabel não acreditava no que via. Um velho
curtido, capa estranha, botas de pele de urso, um lenço azul amarrado ao
pescoço e um boné de peles de castores, de cócoras no meio do circulo, contava
aquela história de uma maneira tão original que se emocionava com as palavras
daquele velho caçador de peles. Os lobinhos não tiravam os olhos dele. Sua dor
de cabeça desapareceu. – O Velho caçador continuou – Pigmor contou sua triste
história. Uma semana atrás. Ainda não nevava, ele e sua família da Colônia terminavam
o dique onde iriam passar o inverno e aconteceu uma matança. Dois homens
chegaram atirando. Pigmor correu para uns arbustos, mas levou um tiro na perna
direita. Seu pai e sua mãe morreram na hora. Somente Nakim, Molevo, Pariá e
Jasmiel tinham se salvaram mergulhando nas águas geladas do lago. Os dois
homens jogaram uma banana de dinamite e quase destruíram o dique. Os quatro
castores escondidos ficaram presos.
- Pigmor levantou a cabeça com os olhos rasos d’água. Olhou para John e
continuou – Mergulhei até lá, estavam presos em uma toca sem poder sair. Tentei
tudo. Jasmiel a Castora que seria minha esposa estava quase morta. Não sabia o
que fazer. Melhor morrer com eles. Subi a tona e vi vocês. Acreditei que iam
atirar em mim. Podem atirar. Eles irão morrer e eu quero morrer com eles.
Iremos nos encontrar nas Grandes Tocas do Navarra onde se encontram os nossos
ancestrais. – Pigmor se calou. Soluçava sem parar. John e eu emocionados. Eu
não sabia que John gostava tanto de animais. Para minha surpresa, naquela nevasca,
escuro feito breu, frio de rachar ele tirou a roupa e mergulhou nas águas
profundas do lago. Minutos depois nada do John vir à tona. “Diabos” pensei o
que deu nele? A água estava um gelo! – Eis que os primeiros castores apareceram
e logo em seguida o John com uma Castora no colo. Era Jasmiel, a namorada de
Pigmor.
Todos eles correram para a beira do fogo. Eu juro pelas barbas do Coyote mais
arisco de Yellowstone, pelas corcundas de um Bufallo das pradarias próximas a
Little Bighorn em Montana que é verdade. Ficaram dois dias conosco. Finalmente
após consertar sua toca Pigmor disse adeus e os seus irmãos mergulhavam de vez
nas águas geladas do Lago Grande Urso. Nunca mais voltei lá. Disse ao John que
minha vida de caçador de peles e de castores tinha encerrado ali. Juntamos
nossas tralhas e partimos. Fomos para o Território do Dakota na grande corrida
do ouro de 1815. Em Montana, Arizona, Nevada e Colorado só se falava nisso. Um dia John se desentendeu com um fora da lei.
Morreu em um duelo em Virginia City. Resolvi fazer uma cabana nas montanhas e
passar lá o resto de minha vida. Tropecei em um lago ao sul de Sonora. Vi um
castor manco. Seria Pigmor? O levei comigo. Estamos juntos até hoje.
Silencio total. O velho caçador se levantou, deu um leve sorriso e disse adeus.
Foi em direção ao lago. Sobre as águas notaram cinco castores nadando ao seu
lado. Em segundos despareceram no fundo daquele pequeno lago do Sitio Mimoso.
Um barulho de carro. Seus assistentes estavam chegando. Uma festa. A lobada
gritando e contando a história de Pigmor. Lisabel ficou ali. Olhando para as
águas do lago que naquela hora da noite uma bruma cinza se espalhava por sobre
as águas. – Seria um sonho? Lisabel nunca esqueceu mais a história daquele
Velho caçador. Homem das montanhas geladas, das terras altas, picos altos e
longínquos, grandes lagos... Lisabel ao dormir pensou: – Bem que eu gostaria de
ter conhecido Pigmor o castor manco do lago Grande Urso. Mas...
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