Lendas escoteiras.
A lenda dos milagres de Aimée.
Não conheci a
escoteira Aimée. Se não tivesse participado do desfile do Sete de Setembro
naquele ano a história dela ficaria no ostracismo. Sei que muitos sabiam, contados aqui e ali em
parte cortadas sem chances de mostrar ao Arcebispo Joshua que um dia ela
poderia ser canonizada. Ele ficou impressionado com o relato do vigário
Honório. - Verdade mesmo Honório? – Eminência, são mais de vinte meninos e
meninas que assistiram tudo no acampamento que fizeram Na Lagoa dos Anjos. Ela
pegava peixes com as mãos, curou doentes, acendeu um fogo sem fósforos em
segundos. E não foram só estes foram vários! – E adultos tinha algum? Perguntou
o Arcebispo. – Não eminência, só uma vez Dona Filó e o Chefe Manolo assistiram um
milagre dela. - Eles viram-na se elevar
no ar e beijar um periquito no ninho de uma árvore há mais de oito metros de
altura!
Sei que o Vigário
Honório ficou mais de cinco horas a narrar para sua Eminência o Arcebispo
Joshua tudo o que viu e tudo que lhe contaram. Saiu do Palácio Episcopal depois
da meia noite. Deixou o Arcebispo com a pulga atrás da orelha. Ele já tinha
lido e conversado com muitos sobre o tema mediunidade. Quem sabe esta escoteira
não era assim? Mas se elevar no ar? Isto não é mediunidade. Mais parecia que
era sensitiva. Ver os mortos, visualizar o futuro e ter visões extraordinárias.
Agora se elevar no ar? Isto não saia da mente do Arcebispo. No dia seguinte
ligou para o vigário. Pediu a ele trazer a escoteira até o palácio. Ele queria
conhecê-la. Dona Fabíola mãe de Aimée não se opôs. Partiram pela manhã de
sábado. Daria prazo para ela participar da reunião escoteira da tarde, condição
que ela impôs para ir. O Arcebispo ficou maravilhado e abobalhado. Ela na sua
presença conversa como gente grande. Inteligentíssima. Conversou com ela em
inglês, francês e italiano e ate abusou do latim.
Mas melhor e
voltar no tempo para entender melhor Aimée e sua história. Motorola era sênior
da Antares, uma patrulha sênior. Cansado de marchar em um desfile sentei no
banco da praça e ele sentou ao meu lado. – Sabe Chefe, se Aimée a escoteira
tivesse vindo este desfile seria inesquecível. – Fiquei encucado. – Quem é a
escoteira Aimée? – Chefe! O senhor ainda não ouviu falar dela? – Claro que não
Motorola, se não eu não teria perguntado. – Bem Chefe, ela ficou conosco dois
anos. Quando chegou à sede ninguém deu nada por ela. Mas no primeiro dia de
reunião Loquinho o Monitor da Águia ficou boquiaberto. Em uma base de nós,
olhos fechados ele fez mais de vinte nós escoteiros e de marinheiro. Ninguém
acreditava no que via. Precisava ver no acampamento. Cortava um galho em
segundos. Parecia que o facão era mágico. Motorola ficou me contando por horas.
A princípio não acreditei nele. Havia muito floreio em tudo.
Lembrei-me de um fato
ocorrido há alguns anos e só não lembrava se ela havia participado. Uma senhora
e uma menina chegaram correndo a delegacia, mais de duas da manhã dizendo que
um acidente grave aconteceu na estrada 45. Na curva da onça um ônibus despencou
sobre a ponte. Mais de vinte mortos. Pinduca o Sargento da guarda não
acreditou. Foi preciso chamar o prefeito que relutante em acordar acompanhou
todos até a ponte fatídica. Gemidos, gritos de socorro e o trabalho de ajuda
começou. Um menino de três anos ensanguentado foi colocado por sobre uma manta
e o enfermeiro disse que estava morto. Não estava, pois Aimée deu a mão a ele e
ele se levantou. Dizem que lá ela deu vida a mais oito pessoas. As demais não,
pois conforme disse era desígnio de Deus. Teria que ser assim.
Aimée não era linda,
nada disto. Tinha o rosto fino, nariz comprido, uma boca pequena e cabelos
crespos que ela insistia em não pentear. Ficava diferente e ela gostava. Falava
fanhoso e um dia para espanto de todos falou com uma rainha. Na patrulha era
bem quista amada por todos. Nas atividades que o Chefe Manolo e a Chefe Malena
faziam Aimée não tinha nada de diferente. Só uns meses atrás que tudo mudou.
Ela parava durante alguma jornada dizendo estar vendo pessoas mortas. Garantiu
ao Chefe Manolo durante uma cerimônia de bandeira que o Chefe Tonon estava
presente. Chefe Tonon foi o fundador do grupo a mais de setenta anos. Morrera
há quinze anos. Aimée começou a ser procurada por doentes, cadeirantes e a
cidade começou a ter turistas de todos os lugares. Quando ia para o Grupo
Escoteiro a sede ficava superlotada de pessoas querendo falar com ela ou ser
abençoadas.
O vigário Honório correu a falar com o
Arcebispo. Esqueceu-se de Don Antonio um Velho morador da cidade e Presidente
do Centro Espirita Boa Vontade. Ele ria quieto em seu canto. Sabia que Aimée
era um espírito superior e que ninguém neste mundo podia imaginar quem ela fora
no passado. Ele sabia que ela iria desencarnar aos quinze anos. Morte natural.
Falar isto para o padre? Nem pensar. Comentou superficialmente com o Chefe
Manolo. Um bom Chefe. Era evangélico e ficou incrédulo com tudo aquilo, mas o
que vira em Aimée até que poderia ser verdade. Cinco meses depois chegou à
cidade monsenhor Giuseph a mando da cúria papal. Era para averiguar e comprovar
os milagres de Aimée. Não ficou dois dias. Quando conheceu Aimée ela disse para
ele – Senhor Monsenhor, daqui a dois anos o Papa Lozano III vai falecer e o
senhor será eleito o novo papa!
Ninguém soube do fato e
eu fiquei em duvida como Motorola sabia. Só sei que a Cúria Romana até hoje
discute se Aimée era possuidora de receber o título de santa. Mesmo após sua
morte ocorrida na aventura Sênior distrital na Serra dos Órgãos eles
continuaram investigando. Ainda investigam. Quem sabe teremos a primeira santa
escoteira? Vai ser o máximo. O escotismo terá dado um enorme salto para o
sucesso de marketing. Procurei saber como foi à morte de Aimée. Sua Patrulha
jura de pé junto que ela se despediu de um por um e disse para não se
preocuparem. Sua mãe já sabia que era hora dela ir. Ninguém acreditou quando
uma forte luz a levou. Seu corpo sumiu e até hoje não foi encontrado. A policia
fez de tudo para ver se não havia outra história, mas teve que se contentar com
a fantástica explicação dos seniores que estavam com ela. O delegado já saiba
de seus poderes sobrenaturais e deu o caso como encerrado.
Motorola me jurou que nas noites de acampamento, quando os seniores se reúnem
em volta de um fogo para jogar conversa fora ela aparece e fica com eles por
horas contando como são os escoteiros que moram no céu. Don Antonio o espírita
tem boas relações com dona Fabiola mãe de Aimée. Conversam muito. A cidade não
sabe o que conversam. Se Aimée é mesmo um espírito cheio de luz eu não sei. Se
isto é coisa do diabo eu também não sei. Dizem que Deus sabe o que faz e como
eu acredito nele a história de Aimée para mim é verdadeira. Afinal temos ou não
uma só palavra?
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