Lendas escoteiras.
Nazareno, o menino Escoteiro que falava com o céu.
(Um conto baseado na Doutrina Espírita).
Eu era menino
quando o conheci. Monitor de sua patrulha. Até dias atrás nem sabia o caminho
que escolheu. Não foi santo e nem pecador, poderia dizer que nasceu em família
errada, na cidade errada e na hora errada. Será mesmo? Afinal não somos
programados para nascer conforme nossas escolhas? Nazareno nunca foi um
crédulo, um homem de Deus. Na época ele não teve escolha. Como Escoteiro sempre
foi considerado um menino sem conhecimentos religiosos a não ser o que aprendeu
como coroinha da Paróquia São Geraldo. Sua mãe desejou que ele fosse padre,
quem sabe um bispo. Sonhos de muitos pais em cidades do interior. Qualquer um
podia ver que ele não nasceu para isto. Eu pessoalmente na época, sem nenhum
conhecimento espírita achava que ele estava em contradição com as leis da
natureza. Claro que tinha excepcional inteligência para sua idade e em alguns
casos poderia afirmar que ou fazia milagres ou tinha parte com o demônio. –
Deus me livre!
Nazareno procurava esconder
suas habilidades em falar com os mortos. Ninguém sabia. Dizem hoje que a
mediunidade faz parte da natureza. Que todos nós sem perceber somos médiuns,
uns mais outros menos. Não vou entrar no mérito da questão. Não estou aqui para
escrever sobre uma crença, uma Doutrina, uma ideologia ou uma filosofia como
querem alguns definir o espiritismo. Quem sabe Nathalia Wigg explicasse melhor:
– “A maior mediunidade que um homem pode desenvolver é a capacidade de amar”. Como
seu monitor sempre o achei taciturno, reservado e retraído. Brincava, cantava,
mas não parecia estar ali junto com seus amigos da patrulha. Uma vez o
encontrei depois da reunião chorando. Olhos cheios de lagrimas. Seu corpo
tremia. Não dizia nada. Quando perguntei respondeu que eu não iria entender.
Realmente ninguém entendia e nem a Corte de Honra soube explicar.
Eu menino escoteiro,
morando em cidade pequena, praticamente católica como ajudá-lo? Quanta vez ao
sair da barraca pela manhã, com o sol já despontando no horizonte, eu o
avistava sentado em um lugar qualquer, olhando para o céu? Um dia me disse – Monitor
sabe de uma coisa? Tem alguém me dizendo que se o amor se propagasse no mundo
com mais força que a violência desaparecerá, a maneira das trevas quando a luz
se lhe sobrepõe. Eu tinha treze anos, não entende nada do que ele dizia. Era um
bom Escoteiro, prestativo, sempre ajudando a todos na patrulha. Quase não
sorria. Lembro de uma vez em um fogo de Conselho que ele deu um breve sorriso
com a brincadeira do Serafim. Isto mesmo, aquele que fica assim!
Um domingo em plena
missa das oito todos levaram um susto enorme. A Tropa presente e ele foi até o
padre e sem pedir subiu a púlpito e disse: - “Somos companheiros otimistas no
campo da fraternidade”. Se Jesus espera no homem, com que direito deveríamos
desesperar? Aguardemos o futuro triunfante, no caminho da luz. A terra é uma
embarcação cósmica de vastas proporções e não podemos olvidar que o Senhor
permanece vigilante no leme! – Todos ficamos estupefatos. Onde ele aprendeu? Um
menino Escoteiro com chapéu na ombreira, olhando para o céu e de mãos postas
dizer aquelas palavras? Era santo? Ou demônio? O padre ficou possesso.
Na escola sua
professora Dona Neide, uma matrona dos seus quarenta anos sem filhos, magra,
parecendo a Olivia Palito o pegou varias vezes de olhos fechados, escrevendo
sem parar no seu único caderno que era para fazer a lição de casa. O diretor
não entendia o que estava escrito. Eram vários rabiscos que precisariam ordenar
para entender. E depois? Como explicar aquelas palavras? – Não foi uma só vez.
Foram várias. Ninguém para explicar e ajudar. As brigas homéricas do padre
versus professora versos pais versos chefes eram constantes. Ninguém se
entendia. Aos quatorze anos Nazareno desistiu de tudo do escotismo. Pela
primeira vez pensou em abandonar o Grupo Escoteiro. Gostava de lá. O único lugar
que ninguém se preocupava com sua maneira de ser. O aceitavam como era. Mas
havia outros que o chamavam de fingido, de criar inverdades e eu seu monitor
tinha medo que ele um dia pudesse desaparecer na floresta ou um acampamento
qualquer. Mal sabia eu que ele era assistido por milhares de espíritos
protetores que iriam sempre lhe mostrar o caminho do bem.
Um dia sua
mãe nos procurou e disse muitas inverdades. Culpou-nos pelo seu modo de ser.
Achou que criamos em sua mente suas ilusões de falar com Deus e os mortos. Alguém
soprou no ouvido dela e do padre que era mediunidade. A resposta foi a de
sempre: – Mediunidade coisa nenhuma. Isto é coisa do demônio e vocês escoteiros
são os culpados. Mal sabíamos nós que o fenômeno mediúnico já estava fazendo
parte dele. Mesmo sendo uma criança a partir do momento que se deixa dominar a
influência espiritual está presente. Ainda bem que ele tinha amigos que o
protegiam na espiritualidade. Sabemos que quando isto acontece pode um espírito
qualquer ou um obsessor do seu passado tentar prejudicá-lo. Nunca vi em
Nazareno ações destemperadas. Se fosse hoje poderia dizer que ele estava tendo
comunicações mediúnicas na acepção da palavra. Mesmo que todos quisessem
interromper esse fenômeno não iriam conseguir. E tudo seria tão simples com a
oração, a pacificação, o desligamento do mal e fazê-lo desligar daquela ação.
O pior aconteceu.
A família de Nazareno começou a ser estigmatizada. Todos passaram a evitá-los. Um
dia ele me procurou chorando – Monitor tenho de sair. Meus pais vão mudar
daqui. Nem sei qual cidade vamos e eles me pediram e ameaçaram que eu fosse
normal lá. Monitor, eu sou normal! Nunca disse para você, mas vejo tanta gente
morta quando ando, quando durmo, e ate aqui no grupo eles estão. Não fazem mal
a ninguém. Muito mais tarde li que onde há um ambiente saudável, cristão, onde
Deus está presente eles não fazem nenhum mal. Sabe Monitor, aqui encontrei uma
paz que não encontrava na escola e nem em minha casa.
Eles partiram
duas semanas depois. O tempo passou. Mês passado descia a Avenida Angélica e alguém
me chamou. Olhei e reconheci Nazareno. Vestia simples, uma camisa verde
desbotada e uma calça jeans velha. Calçava um sandália de couro. Convidou-me
para um café. Contou-me sua vida depois da mudança. Seus pais morreram logo.
Disseram que foi de desgosto. Monitor, aqui em São Paulo me casei e aqui criei
meus filhos. Um deles é formado em engenharia. Eu e Linda minha mulher
descobrimos um Centro Espírita próximo a minha casa lá no Bairro Santa Amélia.
Gostei quando me aproximei deles. Gente simples. Não são um órgão
centralizador. Apenas alguns princípios básicos que sustentam a Doutrina.
Participo ativamente quando não estou trabalhando. Sou pedreiro e isto me dá o suficiente
para minha família. Há algum tempo estou escrevendo. Ou melhor, psicografando.
Ele me convidou a ir a
sua casa. Prometi aparecer lá um dia. Hoje sou um Kardecista e entendi
perfeitamente a posição de Nazareno. Tenho seu telefone, penso ligar para ele,
conversar, ouvir alguém com maiores conhecimentos que os meus. Desculpem os que
ainda não professam a Doutrina Espírita. Não escrevi um conto com a intenção de
catequizar ninguém. Respeito à escolha individual de cada um. Escrevi mais por
recordar alguém que um dia me deu a luz para o espiritismo que conheço hoje.
Como diz o nosso querido Chico Xavier: - “Acreditamos que o
Criador nos fez rico a todos, sem exceção, porque a riqueza autêntica, a
nosso ver, procede do trabalho e todos nós de uma forma ou de outra, podemos
trabalhar e servir”.
Obs. Muitos dos
escritos aqui foram anotados por Chico Xavier em suas centenas de livros.
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