Lendas Escoteiras.
A dança da morte.
Os ponteiros do
relógio se aproximavam da meia noite. Em volta do fogo eu Tomazo e Toninho
Caixão. Sinceramente? Ele me dava arrepios. Adorava uma história de terror. Não
perdia uma oportunidade para tirar do tumulo as almas do outro mundo. Adorava
visitar o cemitério da cidade. Era Sênior da Patrulha Cova Rasa. Isto mesmo.
Brigou com todos para ter este nome. Dizem que era um bom Escoteiro e a chefia
tinha por ele um respeito que no meu modo de ver era mais medo do que ele
poderia aprontar. Olhou-me enviesado. Sentado a moda índia não tirava os olhos
para o fogo – Vado! Eu conheci Nando. Olhei para ele de soslaio. Sabia que aí
tinha treta. Tinha susto tinha capeta. Sei que não vai acreditar, mas nunca
achei que ele chegaria a tanto. Se chegue, se sente se estique, pois esta
história eu faço questão de contar...
- Desde que
nasceu Nando ouvia falar em Deus. Sua mãe o obrigava a rezar, o padre a
confessar, na escola professoras enchendo sua cabeça de Deus. Nando queria
falar com Deus, mas ele nunca o atendeu. Entrava em igrejas, em templos em
busca Dele e nada. Ficou cinco dias no monte Caparal olhando as estrelas
procurando um sinal. Nada. Resolveu jejuar por um mês e ver se Deus iria
aparecer. Nada. Nando desistiu. Esse Deus não existia. Se Deus não existe quem
sabe o Demônio? O Capeta? Ia provar que ele também não existia. Mas para isso
teria que fazer a invocação com a Dança da Morte. Havia lido sobre ela. Horrenda,
alguém tinha de morrer para ela existir. O que iria fazer seria horrível, mas
valeria a pena provar que o inferno não existia. Nando era magrinho, cara de
“fuinha” na escola o chamavam de “porquinho da índia”. Alugou um sitio próximo
a cidade. Avisou seus pais que iria fazer uma viagem de um mês para não se
preocuparem.
Ele conhecia Safira,
uma menina magrinha, com treze anos, muda e que morava com a avó próximo a sua
casa. Safira quase nunca saia de casa. Olhos pequenos, cabelos escorridos, nada
de belo em sua aparência. Nando a raptou quando ela ia a padaria comprar pão.
Fazia isso toda a manhã. Colocou-a em seu fusquinha e partiu para o sitio.
Tinha comprado éter embebido em um lenço viu que Safira tinha desmaiado. Ao
chegar ao sitio, tirou a roupa de Safira, deixou-a nua. Pequena, magra, apenas
treze anos não possui nenhum atrativo sexual. Levou-a ao quintal, colocou-a
dentro de um tanque de agua fria, amarrou seus braços abertos em duas estacas
fincadas ao lado do tanque com cordas finas. Ela não tinha como levantar e
teria que ficar dentro da água só com a cabeça para fora. Safira quando acordou
estava horrorizada. Abria a boca e só saia grunhidos. Seus olhinhos saltavam
como se fosse fugir. A dor era incrível.
Tentava gritar,
pedir ajuda, implorou a Nando com seus olhos assustados. Ele com um canivete cortou varias lascas
finas de bambu. A cada hora enfiava uma lasca em uma parte do corpo de Safira. Gargalhava,
estava louco e clamava chamando os demônios. Sentiu-se bem quando o sangue
vermelho de Safira se mistura com a água do tanque. No segundo dia ela
desmaiou. Com um pequeno alicate, arrancou a força duas unhas de sua mão
direita. E duas do pé esquerdo. A dor era demais. Safira gemia horrorizada
tentava gritar era muda não tinha voz e nem um grito se ouvia. Desmaiava e
acordava. Uma dor tremenda. Não entendia nada do que estava acontecendo.
À noite Nando
tirou sua roupa. Pintou-se de preto. Matou um galo que tinha comprado. Espalhou
as penas e o sangue em cima de Safira que estava desmaiada. Sem socorro Safira
iria morrer em pouco tempo. Não aguentava mais de tanta dor. A meia noite Nando
começou a gritar cacarejara e levava as mãos ao céu dizendo: – Apareça demônio!
Mostre sua força! Mostre que você existe! Onde está você demônio dos infernos!
E gargalhava como um louco. Dançou por muito tempo a Dança da Morte. Safira
acordou assustada. Viu aquela visão dos infernos e pediu a Deus para levar sua
alma para o céu. Safira horrorizada via aquele louco, aquele satanás gritando e
dançando a dança da morte.
Olhe Chefe disse
Toninho Caixão. Se não fosse Estônio um Chefe Sênior nem sei o que teria
acontecido. Uma noite ele acordou assustado. Dois dias como o mesmo pesadelo. Estônio
era investigador de polícia, casado com dois filhos homens. Um de três e outro
de cinco anos. Amava os escoteiros. Sentia-se bem quando estava com seu
uniforme. Adorava sua profissão e ria quando os meninos e meninas da tropa
pediam para ele contar historias de bandidos em acampamentos ou mesmo na sede.
Considerava-se um bom policial. Nunca abusou e nunca deixou de cumprir suas
obrigações dentro da lei. Seu pesadelo o levava sempre ao mesmo sitio que ele
não conhecia. Uma menina indefesa na mão de um maníaco. Teria que ser verdade.
Isso só podia ser um sinal de Deus. Teria que descobrir onde era o tal sítio.
Sem querer comentou com os monitores seu sonho. Estava preocupado. Rildo um dos monitores lembrou que seu pai
alugou um sitio para um homem que seria para um mês somente.
Junto ao pai de
Rildo ele foi ao sitio. O que encontraram lá era uma verdadeira história de terror.
Nunca imaginaria algum parecido. Ele pensava que era um bom policial, temente a
Deus e já tinha trocado tiros com bandidos da pior espécie. Mas o que viu
deixou-o estarrecido. A maldade não poderia chegar a tanto. Tinha visto muitas
coisas na sua profissão, mas o que viu superava tudo. Ainda encontraram Safira
com vida dentro do tanque. Desmaiada, machucada, mas respirava. Em volta
pedaços de corpo de um homem todo queimado. Tinha sido esquartejado. Seus
membros fediam. Acharam sua cabeça fincada em um bambu. Sua língua para fora
mostrando que morrera gritando horrorizado. Todos os membros cortados, lascas
de bambus pontiagudos. Nas duas mãos e nos dois pés nenhuma unha foi arrancada
a alicate.
Nando ficou
estarrecido. Depois que a ambulância levou Safira, ele olhou e viu uma porteira
saindo fumaça como se estivesse queimando. Foi até lá. Viu escrito a fogo nas taboas
e o que leu gelou suas veias. Estarrecido imaginou o que poderia ter acontecido
ali. Dizia: – “Não se preocupem. Ele queria me ver, duvidava de mim. Ele agora
vai morar comigo. Lá no meio dos infernos e vai queimar comigo para sempre”
assinado o “Demônio”.
- Fui dormir.
Toninho Caixão ficou em volta do fogo sozinho. Olhei para ele e ele sorria com
os olhos esbugalhados. Nunca esqueci esta história. Contei uma vez em um final
de Fogo de Conselho. Todos adoraram, mas ninguém dormiu naquela noite. Até hoje
me perguntam se foi verdade. Só respondo para perguntar ao Toninho Caixão. Ele
sim sabe da verdade!
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