segunda-feira, 11 de abril de 2016

Tobruk O sonho não acabou.


Tobruk
O sonho não acabou.

              Apenas um menino igual a muitos. Seu nome era Juliano Santos. Apelido de Tobruk. Magro, roupas remendadas, diziam que sua vida não iria durar. Pai pescador, mãe faxineira. Tinha meses que não ganhavam um tostão. Tobruk gostava do apelido. Nem imaginava que era uma cidade perdida no Egito e que ficou famosa na Segunda Guerra Mundial, palco da batalha do Afrika Korps do Marechal alemão Erwin Von Rommel contra o Major Donald Craig. Mas isto é história que já passou. Tobruk tinha dificuldades de andar, uma perna mais fina e menor que a outra. Seu rosto tinha marcas de quem sofreu paralisia facial e que agora estava recuperando. Tobruk não se envergonhava do que era, menino de coração de ouro não imaginava que aparência ainda era cobrada pela humanidade. Na escola todos ficavam longe dele. Diziam que tinha doença contagiosa e poderiam pegar. Ele se sentia só, sem amigos, mas mesmo assim sorria. Um sorriso amarelo que só de ver dava vontade de chorar.

                 Foi Zé Outeiro quem ficou amigo dele. Zé sonhava ser Escoteiro. Contou para ele o que faziam aonde iam e o que cantavam. Tobruk sorria ao ver Zé falar. Mas Zé sabia que nunca poderia ser um. Tinha que pagar, fazer um uniforme ou comprar. Acampar tinha taxa tudo que era bom tinha que pagar. Passou a frequentar as reuniões em cima de um pé de Jequitibá próximo ao pátio de reuniões. Amava tudo aquilo. Sonhava dia e noite a ficar ali naquela patrulha, posição de sentido olhando o monitor bravo a exigir postura e garbo. Cantava com eles. Chorava quando partiam para o acampamento. Iam de ônibus e ele não podia ir. Quantos jogos aprendeu? Sua vista era boa, aprendeu nós, semáforas, aprendeu até a fazer um percurso de Gilwell quando a patrulha escolheu o Pé de Jequitibá para desenhar.

                    De tanto insistir sua mãe o levou. Coitada, mulher simples, humilde, olhando os brancos de cabeça baixa nunca disse para Tobruk que os negros não eram bem vindos em certos lugares. Não foi mal tratada não, o Chefe foi educado, mas disse que tinha pouco tempo e deu as normas, os valores e exigiu que ele trouxesse um atestado médico. Afinal a imagem dele deixava a desejar. Voltou para casa amargurado. Como pagar? Como tirar um atestado médico? E como dizer que não tinham nem mesmo um decente para morar. Tobruk voltou a sua morada no alto do Pé de Jequitibá. Um ano, dois e Tobruk fez quinze anos. Precisava trabalhar. Ninguem o aceitava nem como aprendiz. Seu aspecto não era agradável e sendo negro pior ainda. Nunca abandou seu escotismo de sonhos, seu Pé de Jequitibá. Cresceu com muitos que foram para os seniores, e aprendeu a amar os novos que chegaram à patrulha Guará.

                     Zé Outeiro vez ou outra aparecia. Contava causos, contava sonhos, dizia que ia para a capital, pois lá seria alguém. Um dia ele sumiu e nunca mais apareceu. Tobruk sentiu uma tristeza danada, perdeu o único amigo e seu sonho tinha certeza nunca iria se realizar. Polaco era o Chefe. Sabia tudo. Desde menino foi Escoteiro e hoje engenheiro químico brincava de correr pela floresta, catar vento nos vales, pegar estrelas no céu. Era um sonhador. Notou Tobruk todas as reuniões no alto da árvore. – Vem cá meu jovem, vamos conversar. Dia feliz, divertido, exultante e impossível de esquecer. Tobruk entrou para os Guarás. Um mês dois e o Chefão o chamou. – Meu jovem, você está sob a proteção do Polaco. Não faça besteira e o jogo para fora ou para a prisão. O Chefe Tomás reclamava: - Ele paga tudo e isto não está certo. Aqui não tem lugar para negro e pobretão.

                Reclamar com o Chefe Polaco? Criar inimigos? Calar e aceitar? Foi assim que Tobruk viu que escotismo era para ricos, pobres não tem vez. Se tem alguém que interessa ele fica se não que se dane. Tinha mensalidade tinha taxas para acampamentos, para os grandes nacionais. Ninguem se preocupava com ele e com outros que um dia poderiam ser escoteiros. Se tem paga se não tem dá o fora. Soube que sua mensalidade no órgão nacional foi perdoada. Tinha uma norma para os pobres e nada seria cobrado se ele pudesse provar. Mas só isto. Para alguns chefes ele não servia para nada. O Chefe Polaco sorria, cativava, disse a Tobruk que estudasse muito, que um dia pudesse provar que ele era alguém, que lhe dessem respeito e afeição. Era seu direito. Seis meses depois Tobruk saia de uma reunião de Patrulha, feita na sede, pois na casa do Lancaster sua mãe não gostava dele.

                   Tobruk acostumou com tudo. Já não revoltava e aceitava o que a vida lhe reservou para seu destino. Na Rua do Coqueiro três meninos negros passaram correndo. Um deles o jogou ao chão. Ao se levantar um carro patrulha parou. Desceram atirando. Tobruk morreu na hora. Quando o viram de uniforme tentaram mudar a cena. Uma arma foi jogada aos seus pés. O sangue se espalhava pela calçada. Ninguem parava todo mundo com pressa a sair daquela emboscada da morte de um jovem que a vida não tinha reservado um final feliz. Chefe Polaco chorava na cerimônia fúnebre. Abraçou sua mãe e seu pai e disse que só Deus podia entender o destino de Tobruk, um menino cujos sonhos o vento levou!


                     Sonhos de meninos que não se realizam. Alguns que podem não querem. E os que querem muitas vezes não podem. Quem sabe estamos nos tornando demasiados respeitáveis e esquecemos que o escotismo não é só para os rapazes bons. Não era isto que pensava Baden-Powell. Ele repetia sempre que o movimento são para os rapazes que dele necessitam. Afinal o escotismo nasceu em 1907 entre meninos pobres e, se economicamente ouve uma mudança social entre eles, espiritualmente ainda existem rapazes tão pobres como naquela época. E são eles que muito necessitam do escotismo!

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