Tobruk
O
sonho não acabou.
Apenas um menino igual a muitos.
Seu nome era Juliano Santos. Apelido de Tobruk. Magro, roupas remendadas,
diziam que sua vida não iria durar. Pai pescador, mãe faxineira. Tinha meses
que não ganhavam um tostão. Tobruk gostava do apelido. Nem imaginava que era
uma cidade perdida no Egito e que ficou famosa na Segunda Guerra Mundial, palco
da batalha do Afrika Korps do Marechal alemão Erwin Von Rommel contra o Major
Donald Craig. Mas isto é história que já passou. Tobruk tinha dificuldades de
andar, uma perna mais fina e menor que a outra. Seu rosto tinha marcas de quem
sofreu paralisia facial e que agora estava recuperando. Tobruk não se
envergonhava do que era, menino de coração de ouro não imaginava que aparência
ainda era cobrada pela humanidade. Na escola todos ficavam longe dele. Diziam
que tinha doença contagiosa e poderiam pegar. Ele se sentia só, sem amigos, mas
mesmo assim sorria. Um sorriso amarelo que só de ver dava vontade de chorar.
Foi Zé Outeiro quem ficou
amigo dele. Zé sonhava ser Escoteiro. Contou para ele o que faziam aonde iam e
o que cantavam. Tobruk sorria ao ver Zé falar. Mas Zé sabia que nunca poderia
ser um. Tinha que pagar, fazer um uniforme ou comprar. Acampar tinha taxa tudo
que era bom tinha que pagar. Passou a frequentar as reuniões em cima de um pé
de Jequitibá próximo ao pátio de reuniões. Amava tudo aquilo. Sonhava dia e
noite a ficar ali naquela patrulha, posição de sentido olhando o monitor bravo
a exigir postura e garbo. Cantava com eles. Chorava quando partiam para o
acampamento. Iam de ônibus e ele não podia ir. Quantos jogos aprendeu? Sua
vista era boa, aprendeu nós, semáforas, aprendeu até a fazer um percurso de
Gilwell quando a patrulha escolheu o Pé de Jequitibá para desenhar.
De tanto insistir sua mãe o
levou. Coitada, mulher simples, humilde, olhando os brancos de cabeça baixa
nunca disse para Tobruk que os negros não eram bem vindos em certos lugares.
Não foi mal tratada não, o Chefe foi educado, mas disse que tinha pouco tempo e
deu as normas, os valores e exigiu que ele trouxesse um atestado médico. Afinal
a imagem dele deixava a desejar. Voltou para casa amargurado. Como pagar? Como
tirar um atestado médico? E como dizer que não tinham nem mesmo um decente para
morar. Tobruk voltou a sua morada no alto do Pé de Jequitibá. Um ano, dois e
Tobruk fez quinze anos. Precisava trabalhar. Ninguem o aceitava nem como
aprendiz. Seu aspecto não era agradável e sendo negro pior ainda. Nunca abandou
seu escotismo de sonhos, seu Pé de Jequitibá. Cresceu com muitos que foram para
os seniores, e aprendeu a amar os novos que chegaram à patrulha Guará.
Zé Outeiro vez ou outra
aparecia. Contava causos, contava sonhos, dizia que ia para a capital, pois lá
seria alguém. Um dia ele sumiu e nunca mais apareceu. Tobruk sentiu uma
tristeza danada, perdeu o único amigo e seu sonho tinha certeza nunca iria se
realizar. Polaco era o Chefe. Sabia tudo. Desde menino foi Escoteiro e hoje
engenheiro químico brincava de correr pela floresta, catar vento nos vales,
pegar estrelas no céu. Era um sonhador. Notou Tobruk todas as reuniões no alto
da árvore. – Vem cá meu jovem, vamos conversar. Dia feliz, divertido, exultante
e impossível de esquecer. Tobruk entrou para os Guarás. Um mês dois e o Chefão
o chamou. – Meu jovem, você está sob a proteção do Polaco. Não faça besteira e
o jogo para fora ou para a prisão. O Chefe Tomás reclamava: - Ele paga tudo e
isto não está certo. Aqui não tem lugar para negro e pobretão.
Reclamar com o Chefe Polaco? Criar inimigos?
Calar e aceitar? Foi assim que Tobruk viu que escotismo era para ricos, pobres
não tem vez. Se tem alguém que interessa ele fica se não que se dane. Tinha
mensalidade tinha taxas para acampamentos, para os grandes nacionais. Ninguem
se preocupava com ele e com outros que um dia poderiam ser escoteiros. Se tem
paga se não tem dá o fora. Soube que sua mensalidade no órgão nacional foi
perdoada. Tinha uma norma para os pobres e nada seria cobrado se ele pudesse
provar. Mas só isto. Para alguns chefes ele não servia para nada. O Chefe
Polaco sorria, cativava, disse a Tobruk que estudasse muito, que um dia pudesse
provar que ele era alguém, que lhe dessem respeito e afeição. Era seu direito. Seis
meses depois Tobruk saia de uma reunião de Patrulha, feita na sede, pois na
casa do Lancaster sua mãe não gostava dele.
Tobruk acostumou com tudo.
Já não revoltava e aceitava o que a vida lhe reservou para seu destino. Na Rua
do Coqueiro três meninos negros passaram correndo. Um deles o jogou ao chão. Ao
se levantar um carro patrulha parou. Desceram atirando. Tobruk morreu na hora.
Quando o viram de uniforme tentaram mudar a cena. Uma arma foi jogada aos seus
pés. O sangue se espalhava pela calçada. Ninguem parava todo mundo com pressa a
sair daquela emboscada da morte de um jovem que a vida não tinha reservado um
final feliz. Chefe Polaco chorava na cerimônia fúnebre. Abraçou sua mãe e seu
pai e disse que só Deus podia entender o destino de Tobruk, um menino cujos
sonhos o vento levou!
Sonhos de meninos que não
se realizam. Alguns que podem não querem. E os que querem muitas vezes não
podem. Quem sabe estamos nos tornando demasiados respeitáveis e esquecemos que
o escotismo não é só para os rapazes bons. Não era isto que pensava
Baden-Powell. Ele repetia sempre que o movimento são para os rapazes que dele
necessitam. Afinal o escotismo nasceu em 1907 entre meninos pobres e, se
economicamente ouve uma mudança social entre eles, espiritualmente ainda
existem rapazes tão pobres como naquela época. E são eles que muito necessitam
do escotismo!
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