quinta-feira, 14 de abril de 2016

A escoteirinha foi morar no céu!


Lendas Escoteiras
A escoteirinha foi morar no céu!

                Ela nem se lembrava como fora parar ali. Sentia falta de visitas inclusive sua família que a visitava poucas vezes. Nati e Andi duas enfermeiras faziam o papel de mãe e pai. Ela amava as duas mais que seus próprios pais. Ela também tinha dois tios que a faziam rir e sonhar que um dia poderia voltar para casa, correr na escola, abraçar amigos que fizera no passado. Joshua o Contador de Histórias e Titio Aquiles, que se vestia de pirata ou palhaço eram tudo para aquela garotada naquela Ala C do hospital. No inicio sofreu muito. Seus pais não explicaram a ela o que tinha, e um dia a levaram para o hospital e ela nunca mais saiu de lá. Custou a entender o que lhe aplicavam três vezes por semana. Depois soube que se chamava quimioterapia e Dona Alma uma enfermeira sua amiga disse que só assim um dia ela podia voltar para casa. Ela chorava nos dias que precisava fazer a tal quimioterapia. Vomitava, gritava de dor e muitas vezes teve que ser levada a força. Com seis meses internada Maryany era intima de muitos amigos ali naquela ala do hospital. Maryany nem se lembrava das dores que sofreu antes de ir para o hospital. Tinha saudades de mamãe Eulália e do papai Alfredo. Filha única ela tinha tudo e agora não tinha nada.

                 Um domingo a vida de Maryany mudou por completo. Não entendeu aqueles dois meninos e duas meninas de uniforme dizendo que tinham recebido ordens de formar ali na ala C, uma tropa de Escoteiros. Ela riu quando disseram isto. Não sabia o que eram os Escoteiros e nem tampouco uma tropa. Os quatros eram formidáveis. Riam, cantavam, faziam jogos e ensinavam as técnicas Escoteiras. Maryany passou a ver sua vida de outra forma. Agora ia para a Quimio mais alegre mesmo sabendo que ia sofrer. Disseram para ela que os Escoteiros não tem medo, que sorriam nas dificuldades. Eram doze naquela ala do hospital. De vez em quando um ia embora e Nati ou Andi diziam que ele tinha ido morar nas estrelas bem próximo de Andrômeda uma galáxia muito distante. Maryany sempre pensava quanto tempo de viagem, pois Guto o seu amigo que dormia próximo dizia que ela iria também para lá. Interessante que dos doze internos nenhum tinha cabelo na cabeça e quando chegavam novos em pouco tempo caiam todos.

                 Miro o mais Velho dos Escoteiros não sabia ficar sério. Sempre sorrindo e brincando. Alencar sorria também, mas nem tanto como Miro. Lena e Tatiana eram uns amores. As duas logo ficaram muito amigas de Maryany. Em pouco tempo a Tropa Escoteira Dos Guerreiros da Ala C sabia tudo de escotismo. Adoravam quando um deles fazia um jogo, ensinavam um nó, cantavam uma canção. E a lei dos Escoteiros? Maryany sabia de cor. Naquele sábado de setembro ela sentiu no peito uma enorme pressão, calor falta de ar e uma dor por todo o corpo. A quimio fazia efeitos mais duradouros. Eles sempre batiam palmas quando os quatro cantavam a canção das panelas. Morriam de rir, pois nenhum deles nunca lavou uma panela. – Quando terminarem as provas, disse Miro, eu vou chamar o Chefe para fazer a promessa de vocês! – E o uniforme Miro? – Vamos trazer para cada um. Todos sorriam e ficavam esperançosos em vestir o uniforme dos Escoteiros.

                 A alegria como os Escoteiros aos domingos era compartilhada por Nati e Andi. Elas não tinham como fechar o coração para a tristeza que abatia quando alguém era levado às pressas para a UTI. Elas sabiam que de lá não voltariam nunca mais. Mesmo amando aquelas crianças de vez em quando uma lagrima caia solta aqui e ali. O Doutor Pascoal insistia com elas para endurecer o coração, mas era impossível. O câncer é terrível, mas nas crianças é mais terrível ainda. Na Ala C todos os médicos e enfermeiras sabiam que não tinha volta. Quem fosse parar ali dificilmente voltaria para casa. Um coração de ferro para aguentar tudo isto. Principalmente quando elas os viam sorrindo, dentinhos brancos, cabeça raspada, uma bata branca igual para todos e nem sabiam que a esperança poderia não fazer morada naquela Ala C.  

                 Naquele domingo tudo aconteceu. Miro disse a Maryany que ela estava preparada. Ia fazer a promessa. Prometeu trazer o uniforme dela no domingo seguinte. Prometeu também trazer o Chefe e toda a Tropa Escoteira. Nunca se viu um sorriso como o dela. Nunca uma alegria de quem não podia ter nada foi tão grande. Nem bem eles foram embora uma dor enorme no peito quase a levou. Foi uma semana onde Laura e Emília foram levadas para morar na Estrela de Cárpeo. Elas que escolheram esta estrela, pois todos que um dia foram parar na Ala C já tinham escolhido sua estrela preferida no céu. A vida é linda para ser vivida. As experiências mesmo as mais difíceis são provas para que um dia possamos crescer mais espiritualmente e aprender com os erros e entender a vida como ela realmente é.

                  Maryany na quarta gemia de dor. O doutor Pascoal pediu a Nati e Andi que a levassem para a UTI. Ela não iria sobreviver por mais do que uma semana. Lá poderiam aplicar remédios para que a dor fosse menor e quem sabe induzir um coma para que ela pudesse seguir o seu destino. Seus pais não tinham mais esperança, quem sabe na UTI poderia amenizar a angústia e sofrimento que sentiam. Quando Maryany viu que ela seria levada seu mundo desabou. Gritou, chorou, implorou que a levassem na segunda. Ela ia fazer a promessa no domingo era tudo que ambicionava. Ela disse ao Doutor Pascoal chorando que sabia que nunca mais iria voltar. Precisava fazer sua promessa. Queria prometer a Deus e a Pátria que seria uma boa Escoteira na Estrela de Capella. Ela sabia que era onde moravam os bons meninos e meninas que tivessem feito o bem na terra. Prometeu com água nos olhos que não iria chorar de dor. O doutor Pascoal nunca ficou tão emocionado. Aplicou nela uma dose extra de um forte analgésico e ele sabia que em dois ou três dias seu corpo não aceitaria mais o mesmo remédio.

                   Não foi fácil para Maryany aguentar até o domingo. Mas sua força de vontade era tão grande que quando viu adentrarem na Ala C os Escoteiros ela esqueceu a dor que sentia. Quando Lena e Tatiana vestiram nela o uniforme ela chorava de alegria. Seu corpo queria levantar da cama e não conseguia. Estava fraca demais. Miro tirou seu lenço e amarrou na base onde estava colocado o soro e prendeu seu braço mais alto para que ele fizesse o sinal Escoteiro quando fosse fazer a promessa. Todos formaram em volta dos meninos e meninas que ali estavam à espera de um milagre. Miro falou alto para o Chefe – Chefe! Apresento Maryany, uma Escoteira que está pronta para fazer a promessa. – Todos fizeram o sinal Escoteiro. Uma Bandeira Nacional foi desfraldada. Quando o Chefe ia dizer para ela repetir uma vozinha simples, carregada de emoção começou – Prometo pela minha honra, fazer o melhor possivel para – Cumprir os meus deveres para com Deus e a minha Pátria... Maryany não terminou. Seu semblante sorria, seus lindos olhos negros fitavam o infinito. Seu espirito havia partido. Ela não estava mais ali.


                  Um silêncio sepulcral tomou conta da Ala C. O Chefe foi até ela e colocou o lenço. Miro o Monitor colocou nela o distintivo de promessa. A tropa cantava baixinho a Canção da Promessa. Maryany partira, mas sabia o que estava acontecendo. Amparada por anjos vestidos de branco, Maryany a Escoteira orgulhosa com seu uniforme finalmente descansou. Ela foi morar na estrela de Capella. Todos ali na Ala C sabiam que Maryany foi para o céu!

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