Os
contos de Natal.
Maria.
Olhe o que foi meu bom José, se
apaixonar pela donzela
Dentre todas a mais bela, de toda sua Galileia.
Dentre todas a mais bela, de toda sua Galileia.
Nove horas, nuvens escuras
cobriam o Bairro de Belém. Maria na janela de sua casinha olhava a rua com um sorriso
inocente. Soprava um vento calmo e ela nem imaginava que prenunciava uma forte
chuva que já despontava no horizonte. Maria tinha um sorriso maravilhoso. Aos setenta
e quatro anos com seus cabelos curtos que um dia foram loiros e hoje de cor
metálica parecia uma santa a abençoar os passantes na rua onde morava. Os
vizinhos sorriam para ela, todos a conheciam e sabiam que ela sofria falta de
memória, não tinha a mente fértil, quase não se lembrava do seu passado e o que
aconteceu ontem e só o hoje ainda era lembrado. Ela sabia o que era felicidade,
pois demonstrava isto a todo instante. Ainda lembrava quando José saiu para ir
trabalhar na marcenaria. José seu marido era para ela tudo na vida. Não
lembrava, mas sabia que foram muitos felizes e ainda eram. Uma pequena
lembrança de Tiago. Onde ele andava? Foi até o portão. Sempre estava trancado
com um cadeado, pois José toda manhã o trancava. Ela não podia sair pela rua.
Se isto acontecesse se perderia, pois não tinha mais a mínima noção onde
moravam.
Casar com Debora ou com Sara meu
bom José, você podia
E nada disso acontecia, mas você foi amar Maria.
E nada disso acontecia, mas você foi amar Maria.
José trabalhava com
afinco. Tinha dois aprendizes. Marcenaria pequena, mas muito procurada. Ele era
considerado um dos melhores profissionais marceneiros na cidade. Maria para ele
era tudo. Sempre a amou desde que a viu pela primeira vez com seu lindo
uniforme de Bandeirante. Um azul que nunca mais esqueceu. Ela o olhou e sorriu.
O trevo de quatro folhas estava em sua blusa e ele viu que tinha sonhado com
ela. Apresentou-se. Ela sorria inocente. Era um amor perfeito. Casaram-se dois
anos depois ela ainda com dezoito anos e ele com vinte e um. Seu pedido de
continuar como bandeirante foi bem aceito por José. Como negar? Foram cinco anos
de casamento para o nascimento de Tiago. Seu único filho. Maria lhe disse que
era a mulher mais feliz do mundo. Ele não sabia por que não tiveram mais
filhos. Desígnios de Deus? Sua preocupação com Maria era enorme. Precisava
trabalhar, mas tinha medo que ela um dia resolvesse passear pelo bairro. Sabia
que ela nunca mais iria encontrar o caminho de volta. Ah! Doença que só Deus
sabe e podia explicar.
Você podia simplesmente, ser
carpinteiro e trabalhar
Sem nunca ter que se exilar, e se esconder com Maria.
Sem nunca ter que se exilar, e se esconder com Maria.
Tiago infeliz nunca teve paz em
seu casamento. Ele e Sara nunca conseguiram ter filhos. Sara ficou amarga,
quase não conversavam e quando ele achava que estavam em paz os
desentendimentos aconteciam. Ela não se perdoava por não ter condições de ser
mãe. Chorava se chamava de desnaturada e muitas outras coisas. Tiago tentou
convencê-la a adotar um bebê. Mas ela não queria. A preocupação de Tiago agora
era com sua mãe. Seu pai nunca lhe pediu, mas ele sabia que em seus olhos havia
a suplica de diariamente levar sua mãe para sua casa até ele voltar. Ele
queria, mas Sara não. Eles brigaram tanto que Tiago desistiu. Não seria difícil
para ele levar sua mãe todos os dias para sua casa, não era longe e no seu
carrinho seria um pulo ir e voltar. Sara dizia: - Ela entra por uma porta e eu
saio na outra! Dizer o que? Ele sabia do Alzheimer.
Você podia simplesmente, ser
carpinteiro e trabalhar
Sem nunca ter que se exilar, e se esconder com Maria.
Sem nunca ter que se exilar, e se esconder com Maria.
Maria sorriu ao ver o portão
aberto. Lembrou-se das reuniões bandeirantes. Correu ao quarto e retirou de uma
mala antiga seu uniforme. Estava guardado num Velho bau, mas muito desbotado.
Vestiu. O chapeuzinho quase não serviu. Saiu sorrindo pelo portão sem saber
para que lado seguir. Nenhum vizinho a viu subindo a rua em passadas simples e
calmas. Passou por muitas pessoas que a cumprimentaram. Um sorriso espontâneo
brotava em seu rosto. Viu um ponto de ônibus. Pegou o primeiro que passou.
Perguntou ao Motorista onde era a reunião da Companhia das Bandeirantes. –
Desculpe Dona, mas não sei! – Desceu em uma praça pensando ser a praça onde
conheceu José. Alguém deu nela um empurrão. Sentiu várias mãos forçando a
retirada de sua bolsa. Lá não tinha nada, nenhum documento. A bolsa estava
vazia. Alguém lhe deu um chute e gritou – Velha danada, nem dinheiro tem! Maria
sentiu uma dor enorme. Procurou um banco e sentou. O tempo foi passando e a
fome chegou. Onde comer? Tinha de voltar para casa, lá ela tinha no forno um
“quentado” do jantar de ontem que José deixou.
Meu bom José você podia, ter
muitos filhos com Maria
E teu oficio ensinar, como teu pai sempre fazia.
E teu oficio ensinar, como teu pai sempre fazia.
José recebeu um
telefonema. Trabalhava até tarde naquele 24 de dezembro para atender um amigo. Era
um policial militar dizendo que sua esposa estava na 45º Delegacia do Bairro do
Jaçanã. José levou um choque. Como? Será que tinha se esquecido de trancar o
portão? Não se perdoava por isto. Ligou para Tiago que chegou correndo com seu
fusquinha. Foram direto para a Delegacia. Maria estava sentava em uma poltrona
sorrindo e vestida com seu uniforme bandeirante. Tinha no colo um bebê lindo de
olhos azuis. Uma menina de doze ou treze anos também bandeirante estava com
ela. – Senhor José! – A bandeirante disse: - Eu a vi na Praça do Bom Jardim,
sorrindo com esta criança no colo! Quando vi seu uniforme sabia que era uma
coordenadora Bandeirante. Chamei um guarda e fomos para a delegacia. Lá no
fundo da sua bolsa tinha um telefone. Era o do Senhor! – E de quem é esta
criança? José perguntou. – Ela disse que era sua neta! – disse o delegado. Veja
como a criança sorri em seu colo. Ela a chama de Madalena! – José não sabia o
que fazer. O delegado disse para levarem a criança. Ele se encarregaria de
avisar ao Juizado de Menores.
Porque sera meu bom José, que esse
teu pobre filho um dia
Andou com estranhas ideias, que fizeram chorar Maria.
Andou com estranhas ideias, que fizeram chorar Maria.
Na casa de Tiago tudo era festa. Sara não tirava Madalena do colo. Ela
sabia que o Juiz daria para ela adotar. Tiago era um marido mais feliz do
mundo. José não cabia de contente. Maria só dizia que ganhou uma neta. Uma
estrela brilhou no céu. No passado em uma manjedoura Jesus nasceu. Ali naquela
casinha uma menina tinha muitos pais que a amavam. Feliz natal, que os sonhos
seus se realizem!
Me lembro às vezes de você, meu bom José, meu pobre amigo
Que dessa vida só queria, ser feliz com sua Maria.
Bom
José. Nalva Aguiar
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