Vale a pena ler de novo.
“Bugre”!
Uma cruz a beira do caminho.
(Conta-se uma lenda que as famílias que moravam
próximo ao Lago Grande Urso tinham nas peles de castores o seu sustento. Os
maridos por meses ficavam a caçar castores nos Grandes Lagos para tirarem sua
pele muito valiosa. A lenda contava que aldeia ficava tristonha quando ouvia o
som de tambores feito de pele dos animais, no retorno dos caçadores cantando
uma canção triste, batendo no coração e seguindo o bater dos remos a marcar o
passo em um ritmo choroso e triste. A aldeia se reunia a beira do lago chorando
e sabendo que iriam viver por várias luas grandes dificuldades para se manterem.
Esta canção ficou conhecida como Terra do Belo Olmeiro).
♫♫“Terra do Velho Olmeiro”... Lar do Castor...
Lá onde o Alce airoso é o Senhor...
Lá onde o Alce airoso é o Senhor...
Eu caminhava sozinho na
Trilha do Riacho Grande. Sabia que não podia contar sempre com meus velhos e
amados patrulheiros da Sol Poente. Eles tinham de viver suas vidas e cada um
foi para um lado depois de anos e anos juntos na Castor e depois na Sol Poente.
Tínhamos feito uma promessa e a cada ano mais difícil ficava de cumpri-la.
Quando Bugre morreu na curva do Destino fizemos um juramento de voltar lá todos
os anos. Holandês deu sua palavra. Dom Patu prometeu. Azulão não sorriu, mas
levantou a mão fazendo o sinal Escoteiro. Jim Taques prometeu fazer uma cruz de
madeira e todos os anos trocar por uma nova. Sempre quando voltávamos ficávamos
lá por dois dias. Holandês fazia questão de todos os anos plantar belas flores
silvestres. Sempre trazia consigo mudas de Chapéu de Couro, Begônias, Flor de
Laranjeira, Crista de Galo e tantas outras. Jim Taques sempre sonhou em ser um
religioso. Contaram-me que hoje é padre em Sacramento. Lembro-me que Ele quando
o sol se punha fazia lindas orações para o Bugre.
♫♫ ”Em um lago azul formoso,
eu voltarei de novo...”
eu voltarei de novo...”
Havia anos que estávamos
juntos. Quis o destino que a amizade começasse na patrulha do Castor. O destino
que nos reuniu ali nunca nos separou nos anos que iriam seguir. Bugre era
diferente. Pele curtida, rosto redondo, lábios grossos olhos e cabelos negros,
lisos que ele fazia questão de pentear a cada hora marcada no relógio. Quem não
tem manias? Ninguem se incomodava. Podem não acreditar, mas Bugre nunca dizia
mais que uma ou duas palavras. Costumava ficar meses sem falar nada. Na
aventura Sênior que fizemos na Pedra do Sino, mesmo com uma vista maravilhosa,
ele sentou a moda índia, olhar para frente, olhos abertos e sem sorrir ficou lá
por horas. Era filho de Iraputã, um índio que até morrer vivia sozinho nas
margens do Rio Corrente. Vez ou outra ele ia visitar seu pai. Um dia me
convidou. Chegou, abaixou a cabeça para o pai e ele fez o mesmo. Sentaram em
uma pedra próximo as corredeiras do rio e ali passaram uma noite sentados a
moda índia sem nada falar.
♫♫ “Bum tiriati, Bum tiriati bummm...
Bum tiriati, Bum tiriati bummm...”
Bum tiriati, Bum tiriati bummm...”
Bugre era um profissional em
pioneirías. Cada uma mais linda que a outra. Uma vez acampado na Vertente da
Onça, ele construiu um pórtico móvel que eu nunca vi igual. Dom Patu olhava
para ele com orgulho. Azulão e Jim Taques sorriam quando ele chegava à sede
naquele seu jeitão de índio matuto, que não sorria e não falava nada. Tirou sua
segunda classe por que o Chefe Candinho achou que ele devia receber. Se alegrou
ou não quando lhe entregaram a insígnia ninguém percebeu. Nunca esqueci sua
morte. Nada mostrava que isto iria acontecer. Seguíamos calados pela estrada do
Riacho Grande. Na curva do Destino, nome que demos a curva ele parou. Ficou de
frente para o oeste onde o sol sempre se punha. Levantou os braços como a dizer
que iria partir. Não tirou sua mochila, não tirou seu chapéu. Olhou para nós e
disse na sua voz calma: - É hora de morrer! E caiu ao chão sem fazer barulho.
Não entendemos nada, ficamos assustados porque não dizer estupefatos! Holandês
colocou um dedo em sua garganta. Chorando disse: - Ele morreu!
♫♫ “Tenho saudades daqui... Destas campinas...
Ao norte eu voltarei... Para as colinas,”
Ao norte eu voltarei... Para as colinas,”
Ninguem estava preparado para isto. Foi demais. Um irmão Escoteiro mais
que um amigo morrer na nossa frente sem mostrar cansaço, doença ou mesmo sentir
uma pontada no coração era de assustar. Ficamos horas sem saber o que fazer.
Tentamos reanimá-lo, mas nada. Fizemos com nossos bastões uma maca. Minha
camisa escoteira e a de Dom Patu serviram de base. Gastamos quase a noite toda
para levá-lo de volta. Dona Yara sua Avó não disse nada. O deitou em sua cama
ascendeu várias velas, um incenso em volta e assim passou todo o dia com ele.
Nós estávamos lá junto. À tarde no enterro no Cemitério da Saudade a tristeza
reinava na patrulha sênior. Azulão subiu em uma lápide e tocou o toque do
silencio triste e choroso. Eu juro que vi seu pai em cima do muro do cemitério.
Eu nunca esqueci Iraputã. Como Bugre não sorria e não gostava de falar. Na
reunião da semana seguinte fizemos o trato. Voltar lá todos os anos enquanto
vivêssemos. Isto aconteceu por anos a fio. Os caminhantes que lá passavam
ficavam admirados com aquele jardim florido quer seja no verão no inverno ou no
outono as flores desabrochavam como se estivessem na primavera.
♫♫ “Ao lago azul rochoso
eu voltarei de novo...”
eu voltarei de novo...”
O sol seguia o seu
destino. Como o vento calmo que soprava ele seguia seu rumo para o oeste. Iria
quem sabe iluminar os dias de outros milhares de escoteiros que estavam a
acampar do outro lado do mundo. As flores silvestres lá estavam a Cruz parecia nova.
Desta vez Jim Taques escreveu um epitáfio: - “Manteve a dignidade até na hora
da morte”. Sentei na grama a moda índia como a lembrar dele. Sempre fora assim
por anos e anos quando visita aquela cruz a beira do caminho. Não sei por que
comecei a cantar “Terra do Belo Olmeiro” uma canção que achava triste e poucas
vezes cantei. Senti uma brisa fria vindo a sotavento. Percorreu meu corpo e
como se uma dança esquisita acontece no ar, os tambores se ouviram batendo e
vozes centenas delas a dizer: Bum tiriati, bum, tiriati bummm. Como por milagre
a figura de Iraputã apareceu no ar trazido pelos ventos húmidos: - Vado
Escoteiro, Bugre partiu para a terra dos seus ancestrais! Nada mais disse e despareceu.
Eu emocionado chorei. Não tinha mais nada a fazer a não ser manter a chama do
amigo que partiu dentro do meu coração. Sabia que seria para sempre!
♫♫ “Bum tiriati, Bum tiriati bummm...
Bum tiriati, Bum tiriati bummm...”.
Bum tiriati, Bum tiriati bummm...”.
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