Lendas
Escoteiras.
Meu
Chefe meu mestre meu herói!
Chegou à sexta feira. Eu
estava cansado. Precisava de um fim de semana só para mim, mas tinha prometido
ao Guilherme meu filho assistir naquele sábado sua primeira partida oficial de
futebol. Aceitei sem reclamar. Nos seus nove anos se tornou um filho do qual me
orgulhava. Queria ser mais presente e não fui o pai que devia ser. Precisava de
umas férias. Joelma reclamava da minha entrega ao trabalho e eu sabia que ela
tinha razão. Tinha sido escolhido pelo Conselho da Empresa como o novo
Presidente e me agarrei de corpo e alma tentando mostrar que era capaz. Fora um
sonho que se realizou. Meu primeiro emprego e agora estava no topo, não podia
decepcionar aqueles que confiaram em mim. Cheguei até a janela envidraçada do décimo
sexto andar e vi lá embaixo um aparato dos bombeiros e sirenes a zumbir nos
céus. – Chamei Dona Marta minha secretária para saber o que estava acontecendo.
– Um atropelamento Senhor. Um mendigo, um morador de rua que foi enxotado pela
nossa segurança perdeu o equilíbrio e caiu na rua sem desviar do trânsito
local.
- E o que ele fez Dona
Marta para ser expulso do prédio pela segurança? – Senhor, há vários dias ele
vem aqui querendo falar com o senhor. Explicamos a ele que seria impossível que
o Senhor era o Presidente e não podia falar com qualquer um! - E o que ele
queria comigo? - Veja só Senhor, ele dizia que queria abraçá-lo, queria sentir
a sua vitória e confirmar se ainda tinha o espirito Escoteiro de outrora. Disse
que o Senhor tinha prometido ser um homem de bem e de caráter. – A gente ria
dele e ele insistente em falar com o Senhor. – Ele disse o nome Dona Marta? –
Não lembro, posso perguntar a recepção se for necessário. Ligue já Dona Marta!
Alguns minutos depois ela voltou sorrindo: - Um pobre diabo Senhor, calça
rasgada, camisa velha, chinelo e dizia que era o Chefe Conrado! Que o senhor o
conhecia. Veja só Senhor, um pé rapado se fazendo de Chefe importante. Chefe de
que Senhor? Com aquelas roupas, com aquele cheiro ele não era nada, apenas um
pobre diabo que nem um canto para morrer tinha.
Dizem que esquecer é
uma necessidade. Que a vida é uma lousa, em que o destino sempre nos escreve um
novo ocaso. Será que eu tinha apagado a escrita do tempo e o deixei para trás?
Meu coração bateu forte. Minhas lembranças voltaram sem pedir permissão. O
Chefe Conrado sempre foi minha luz, meu mestre meu herói. Porque não me
disseram nada? Eu era importante demais? Logo ele que me deu tudo e eu nunca
dei nada para ele depois de rico e famoso? É a experiência é uma lanterna
dependurada nas costas que apenas ilumina o caminho já percorrido. O passado
não importa. Sai correndo sem avisar. Foi como um século a descida do elevador privativo
até a recepção. O alvoroço foi desfeito. A calçada lavada. Transeuntes nem
sabiam o que houve ali. – Para onde o levaram? Perguntei ao Guarda de plantão.
– Ele quem Senhor! Ele! Gritei. O que foi atropelado! – Senhor apenas um pobre
homem que nada tem a ver com nossa Empresa internacional. Quem liga para ele?
Vontade de socá-lo. Resguardei-me
para não falar palavrão. Ele sempre me dizia - Escoteiro, o homem civilizado, o
homem de caráter e que tem honra, não diz e não fala palavrão! Quantas saudades
me vieram à mente. Chamei meio mundo da empresa. Descubram já para onde foi
levado. Eu preciso saber e não quero desculpas. – Estava sendo indelicado. Eu
não era assim. O Chefe Conrado foi o pai que nunca tive. Foi à mãe que
encontrei. Criado pela minha avó eu praticamente não tinha ninguém. Se sou o
que sou devo a ele. Minha mente viajou no tempo e foi parar no acampamento do
Pico do Falcão. O sol se ponto. Eu e mais três escoteiros monitores sentados
olhando para o horizonte. – Veja ele disse. Porque se sentir importante se o
sol que se põe toda tarde e volta novamente fazendo o mesmo trajeto, e nunca
foi tão importante assim? Quem entendeu? Eu fiquei matutando e a noite depois
de que a fogueira foi acesa ele bateu nas minhas costas sorrindo: - “Nunca
desista de algo que você não consegue passar um dia sem pensar”.
Nossa quanta saudades do
meu tempo de Escoteiro. Se eu pudesse ter apenas mais um desejo eu iria pedir
voltar no tempo e ser Escoteiro novamente. – Hospital Santo Ângelo Senhor – Dei
ordens para preparar o helicóptero. Precisava chegar logo, saber como ele
estava. Pagaria tudo que fosse preciso. Não haveria senões, não me importava o preço,
o Chefe Conrado merecia isto e muito mais. Subi até o heliporto e parti. No meu
destino o Diretor me esperava. A empresa era uma das mantenedoras e a direção
sabia disto. Ele estava sendo operado. Costelas, braços e pernas quebrados. Não
iria durar muito tempo. – Façam o que for preciso. O possivel agora e o impossível
daqui a pouco. – Três horas depois me chamaram até a enfermaria. Ele estava enrolado
em um cobertor Velho e mal cheiroso. – Exigi respeito. Foi levado para o melhor
apartamento. Ainda estava sonolento e nem me reconheceu. Fiquei ali no quarto
por tempo que não soube medir. Liguei para Joelma explicando. Ela sabia do meu
amor pelo Chefe Conrado.
De madrugada dormitava
quando ouvi sua voz – Escoteiro, é você? Levantei chorando de alegria. – Não me
abrace, estou moído, me dê somente um aperto de mão! Fiquei com ele toda manhã
e voltei à noite para ver como estava. – Chefe, eles não sabiam quem era o
Senhor. – Desculpe! – Escoteiro, só existe um universo, oito planetas, 204
países, 809 ilhas, sete mares, sete bilhões de pessoas. Como posso exigir que
soubessem quem era eu? E você sempre foi o Escoteiro que me deu tanta
felicidade enquanto estivemos ombreando nos nossos acampamentos que nunca
esqueci. Eu chorava de alegria. Disse para ele que agora tudo ia mudar. Ele na
sua simplicidade disse-me que não queria nada, tinha o mundo, tinha a lua tinha
a estrelas que alimentavam seu lar. – Escoteiro! Algumas vezes coisas ruins
acontecem em nossas vidas para nos colocar na direção das melhores coisas que
poderíamos viver. Nunca sabemos quão forte somos até que ser forte seja a única
escolha.
Um mês depois ele deixou o
hospital. Não deixou endereço, não disse para onde foi. Fiz tudo para localizá-lo
e não consegui. Chamei Guilherme e perguntei se queria ser Escoteiro. Ele me
olhou ressabiado. Pai, não sei o que é isto. Vai saber, vai ver que lá é onde
damos os primeiros passos para enfrentarmos as dificuldades da vida! Pai será
que vou gostar? Não sei Guilherme, se não gostar terás o direito de decidir.
Naquela tarde eu e ele adentramos no pátio dos escoteiros. Uma lembrança forte
do Chefe Conrado. Nunca esqueci o que ele me disse quando fui para a faculdade:
- Escoteiro, se a caminhada está difícil, é porque você está no caminho certo! E
de novo voltei ao meu passado sendo o Escoteiro que eu sempre fui!
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