Lendas Escoteiras.
Dakota, um Chefe de coração de ouro.
- Calma Mariza, no
final tudo vai dar certo! - Certo? Falou Mariza. – Desde quando você paga taxa
de acampamento para treze meninos e gasta quase toda nossa economia para o mês
e ainda vem dizer que vai dar certo? – Chefe Dakota pôs as barbas de molho
apesar de não ter barba. Ele sabia que não seria fácil conseguir o que gastou
para as compras do mês. Mas o que poderia fazer? Sua tropa tinha trinta
Escoteiros e somente dezessete pagaram a taxa. Ele sempre dizia – Ou vão todos
ou não vai ninguém. Era o acampamento do ano, mais de trinta patrulhas
presente, não podiam faltar. – Pois é Dakota, não é a primeira vez. Antes era
um ou dois agora são treze meu amor. Como vamos viver? Naquele dia saiu mais
cedo de casa para o trabalho, ele queria pensar uma solução para os dois lados.
Mariza tinha razão, mas e os Escoteiros que não iriam? Ele teria condição de
dizer a eles que não conseguiu?
Seguia a pé pela
Rua dos Aimorés pensativo. Não queria, mas ia atender ao Chamado do Senhor
Nacano. Pai de Pirilampo escoteiro da patrulha Quati e gerente do banco do Comércio
da cidade. Recebeu um recado para passar no banco sem demora. Sabia que ele
iria oferecer um emprego, mas duvida cruel, pois nunca pensou em ser favorecido
pelo escotismo. Ele não era rico, trabalhava com o Chefe Mosquete e nem sempre
tinha trabalho. Faziam bicos, limpeza de fossas, limpeza de telhados, pintura
simples nas casas e assim ia vivendo. Queria um emprego melhor, mas ali em
Pedra Azul ele nunca iria conseguir. Deveria ir ao banco? Pensou em ir morar na
capital, mas deixar a cidade que amava? Ir para um lugar que ele não conhecia
para fazer o que? Ouviu alguém gritar Sempre Alerta e viu Jonildo Escoteiro da
Pantera indo para casa após as aulas. Chefe Dakota sorriu e respondeu. Amava
aquela Tropa e os meninos dela. Amava também Marilda. Casaram-se há poucos anos.
Ela com dezesseis e ele com vinte e um. Sabia que apesar de tudo ele podia contar
com ela. Apesar de não ter aceito ser chefe pelo menos gostava dos meninos que
quase todos os dias enchiam sua casa para papos que se estendiam até a noite.
Na esquina com a Rua
Floriano Peixoto ele viu a patrulha Águia já uniformizada seguindo para sua boa
ação da semana. Todos o cumprimentaram e seguiram em frente. Chefe Dakota
sorriu. Como posso deixar esta turma? É minha vida, minha razão de ser. Ele
amava o escotismo de uma maneira tão intensa que muitos diziam que ele não ia
num bom caminho. – Tem que dosar um pouco Chefe Dakota dizia Manfredo, o
Presidente do grupo – precisa pensar um pouco em você! Bom sujeito, mas muito
pão duro. Como Presidente devia ver as dificuldades que estavam passando e
ajudar. Chefe Dakota nunca fora Escoteiro. A cidade não tinha um grupo. Cinco
anos atrás começaram um. Sempre sonhou em ser e pediu para entrar. Com dezesseis
anos não dava. Não tinham tropa sênior. Todos os sábados ia para a sede ver a
correria, das patrulhas. Amava aquilo e dormia pensando em vestir sua calça
curta, por seu lenço e seu chapéu, uma bandeira e correr pelas montanhas.
Quando fez dezoito
anos foi aceito como assistente. Chefe Jacob ficou em duvida e disse para
voltar na outra semana. Ele sabia que Dakota só tinha o segundo grau e não
tinha emprego fixo. Dakota esperou a semana como se fosse sua última no mundo. Subiu
as nuvens quando Chefe Jacob o aceitou. Dakota agora era Chefe. Prometeu a si
mesmo mudar de vida, encontrar um emprego, estudar e mostrar aos Escoteiros que
ele podia ser alguém e dele orgulhar. Mas não foi bem isto que aconteceu. Não
arrumava emprego e nem estudou. A cidade não tinha escola profissional e filho
de gente humilde ganhando pouco não podiam pagar. Um dia Chefe Mosquete o
chamou para ser seu ajudante e ele aceitou. No mês que tirou dois mil reais
achou que podia casar e casou. Todos foram contra – Chefe Dakota! Você tem 21
anos e a Mariza 16! Porque não esperar? Dakota disse não. Amava Mariza e achou
que casado os pais dos escoteiros o olhariam com mais respeito.
Esperou o farol abrir para
atravessar a Rua Santo Ângelo. Resolveu ir ao banco. Seria indelicado não ir.
Ele gostava de Pirilampo. Um Escoteiro avoado, sorridente e que topava qualquer
parada. Lembrou a jornada ao Vale da Tartaruga e Pirilampo quando quase morreu.
As patrulhas andavam a vontade na estrada sem movimento e deixava que todos
pudessem conversar observar a natureza, ouvir o cantar dos pássaros e descobrir
pegadas. A turma adorava estas jornadas. Na curva do Cavalo Doido foi que a
tragédia quase aconteceu. Dois Touros Guzerá cismaram com a escoteirada. Um
deles partiu direto em cima de Pirilampo. Ele viu que se não interferisse uma
tragédia ia acontecer. Tomou o bastão de Gentil e correu em cima do Touro.
Enfiou a ponteira de aço no meio dos olhos do touro. Foi no ponto certo. O
Touro caiu morto. O Senhor Nacano fez questão de pagar pelo Touro ao Fazendeiro
Totonho. Ficou agradecido ao Chefe Dakota e agora o havia chamado. Ele sabia
que era por causa do acidente. Ele sabia que fez o que qualquer Escoteiro
faria.
Entrou no Banco ressabiado.
Estava cheio e pediu a moça para falar com o Senhor Nacano. Ele veio sorridente
a abraçar o Chefe Dakota – Dakota meu amigo, você vai trabalhar aqui. Tenho uma
vaga para você com excelente salário. Dakota não se fez de rogado. Precisava e
aceitou. Iria mostrar que era capaz não só por gratidão por ter salvado da
morte o filho do Senhor Nacano. – “Todo mundo no chão”! - Alguém gritou. Um
tiro para o ar e todos deitaram. Um assalto pensou Dakota. – Um bandido chegou à
escopeta na testa do Senhor Nacano. – Tem cinco segundos para abrir o cofre –
um, dois, três... Chefe Dakota no alto dos seus vinte e um anos, casado, sem
filhos, mas que adorava o escotismo levantou de um salto, tomou a escopeta do
bandido e com ela bateu em sua cabeça. O Bandido caiu e outro estampido se
ouviu. Uma mancha vermelha em cima da blusa de Dakota apareceu. Um tiro fatal.
A cidade em peso acorreu na
cerimonia fúnebre. Uma cerimonia do Adeus. Não houve o toque do silencio e até
esqueceram-se de cantar a canção da despedida. Centenas de pessoas se
acotovelaram em volta da Campa simples. Marisa em pé chorava baixinho. O Senhor
Nacano engasgado não sabia o que dizer. Padre Tomaz rezou o que tinha de rezar.
A escoteirada chorando sem parar. A vida é assim, do nada se vive e do nada se
morre. Adeus Dakota, a cidade em pouco tempo vai se esquecer de você. Você não
era nada e mesmo virando um herói de nada valeu. Valeu ou não cinquenta anos
depois Marisa ainda rezava todos os dias e depositava flores na última morada
de Dakota. Ao levantar ela não deixava de ler o que escreveram para ele em uma
placa de bronze – Escoteiro eu fui, Escoteiro eu serei até morrer!
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