Lendas Escoteiras.
Ser Escoteiro é saber amar de coração aberto.
Olhe, vou
lhe contar, se fosse em outra ocasião ou lugar eu tinha partido para a
ignorância. Aquele Chefe merecia uns tabefes, ah! Se merecia. Afinal não adianta
dizer – Vocês são escoteiros, mesmo sendo chefes tem uma promessa cumprir.
Existe uma lei, uma norma de conduta! – Bonito isto, eu mesmo acho, mas o Chefe
estava passando da conta. Fiz o que consegui fazer. Virei às costas e fui
embora. Sempre me dizem que somos irmãos. Acho que são palavras e mais
palavras. Por Deus chefe me deu vontade de sair do escotismo. A gente lê tantas
palavras bonitas, uma filosofia que encanta e vem um “Zé Ninguém” e joga tudo
por terra. - O pior chefe é que eu tenho o escotismo na mente, na alma e no
coração e o Senhor sabe, assim é muito difícil, ou melhor, impossível continuar.
Nem sei por que não saí logo.
- Mas o
que houve? Perguntei. Estava boiando. Ele ali na minha frente, vermelho,
abrindo o verbo contra alguém que pelo que já tinha ouvido devia ter aprontado poucas
e boas com ele. Não tínhamos muita amizade a não ser um cumprimento ou um
abraço fraternal. Sempre quando voltava do meu trabalho, o ônibus da empresa me
deixava no centro da cidade. Dava uma passada rápida no Escritório Regional e
no caminho do ônibus do meu bairro não deixava de dar uma parada no Bar do
Grilo. O melhor chope da cidade e uma empada de camarão sem igual. Sentei e
logo ele sentou ao meu lado. Cumprimentos de praxe e ele soltou o que estava
preso. Precisava desabafar. Sou bom ouvinte. Falo pouco. Deixo a própria pessoa
achar sua conclusão. Muitas vezes isto não acontece e então dou meus pitacos.
- Pois é
Chefe, continuou- Eu nunca fui com a cara dele. Parece saber de tudo mais que
os outros. Ele era prepotente, só sabia dizer o meu grupo, os meus chefes, os
meus Monitores, os meus lobinhos os meus escoteiros. Caramba Chefe parecia que
ele era o dono de tudo. Um dia perguntei quanto custou tudo isto e se pagou a
vista ou cartão de crédito. Foi um Deus nos acuda. A rusga vinha de longe. E
olhe, ele não é único em nosso movimento. Sempre dou um “tropicão” em um ou
outro igual a ele por aí. Nosso movimento tem cada tipo de tirar o chapéu.
Quando eu sabia que ele estaria presente em alguma atividade eu evitava ir.
Encontrar com ele seria o fim do mundo. Um “garganta” e que “garganta”. Dono da
verdade. Só ele sabia. Era daqueles de dizer “a verdade dói”. Qual verdade? A
dele? Um dia me perguntei: E se ele terminar sua Insígnia? E se ele for
convidado para ser um Assistente distrital ou regional? – Até pensei nos pobres
coitados que entram e ele passa a ser seu assessor pessoal. Chefe, juro, se
isto vier a acontecer saio do escotismo na mesma hora!
Tudo piorou no ultimo
encontro de chefes escoteiros do distrito no Grupo Escoteiro Vale do Amanhecer.
O distrital queria discutir algumas atividades Inter tropas e eleger um
Assistente Escoteiro. Reunião simples sem pompa. E não é que o Talzinho foi de
uniforme? Todo cheio de si e colocou todas suas estrelas de atividades. 12
anos. Sim Chefe a figura tinha doze anos de movimento. Putz Chefe verdade! Este
tempo todo e não aprendeu nada. Que reunião minha nossa! Só ele falava, só ele
sabia, queria dar ordens, dizia o que tínhamos de fazer. Uns jovens da tropa
dele já tinham reclamado. O “Moço” Chefe só sabia dizer: Suspenso por uma
semana. Suspenso por três meses. Quem chegar atrasado vai pagar cem joelhos
quebrados. Não quero ver sua cara mais aqui! Coitados dos jovens daquela tropa.
Muitos amavam o escotismo e não queriam sair. Mas eram menos de dez
participantes ativos, pois os demais já haviam desistido há tempos.
Já
tinha terminado o meu chope e minhas duas empadas. Deliciosas. Não dava para
escapulir. Queria chegar cedo em casa. – Escotismo! Ah! Escotismo o que você
nos faz sofrer eim? – E ele nem desconfiou, nem pediu um chope, nada só falava
e reclamava. – Pois é Chefe. Todos querendo dar sugestões e ele não deixava.
Quando um começava ele pedia a palavra e mudava tudo. Não aguentei mais.
Levantei-me e fui até ele: - Meu caro, só você é o dono da verdade? Só você
conhece? Só você sabe? Fomos convidados para debater e não ouvir você com esta
voz de jacaré azedo e seu estilo de Pavão empanado a falar e falar! – Chefe,
foi à conta. Ele levantou e veio para cima de mim. Preparei-me. Sabia que
aquilo iria acontecer. Se encostasse a mão em mim ia receber o dele. Olhe, não
sou lutador, mas ele ia ver quem eu sou!
- Mas
Chefe, quer saber? Todo mundo queria que eu desse uns sopapos nele. Eu sabia
que ninguém aguentava mais participar com ele presente. Quem sabe iria sair do
escotismo e nós ficarmos livres deste pamonha? – Mas não Chefe. Sabe o que
aconteceu? Não vai acreditar ele levantou de um salto, foi bem em cima de mim,
me ofereceu a mão esquerda, e me pediu desculpas. Desculpas Chefe! Isto mesmo!
Não sabia o que falar, dizer e nem esconder minha cabeça naquela hora. Precisa
de uma areia para cobrir tudo! Depois ele se dirigiu a todo mundo e pediu
perdão. Prometeu que ia mudar. Jurou fazendo a saudação escoteira! E agora
Chefe? E agora? Quase dez anos aturando sua soberba e seu estilo de mandão o
que eu devo fazer?
- Dê tempo ao tempo. O tempo é
nosso melhor amigo. Quem sabe você tem muito a dar ao escotismo e ele também?
Um homem que chega ao ponto de pedir desculpa e perdão não merece mais uma
oportunidade? Pedi desculpas a ele dizendo que a família me esperava. Nos demos
as mãos, sempre alerta e ele para um lado e eu para outro. Pensei comigo. Acho
que valeu a pena minha conversa a pedido do distrital com o talzinho dono de
tudo. – Quer ser um dos nossos? É bem vindo! Quer ajudar os meninos? É bem vindo.
Mas não me leve a mal, se alguém reclamar de você em uma reunião onde estiverem
outros escotistas e este alguém perder as estribeiras com você, não tem perdão.
Vou pedir para você sair. Se não vou tomar outras providencias!
Cochilei no ônibus. Cheguei a casa era mais de
dez da noite. Celia me olhou de cara feia. Ela tinha razão. Disse para mim
mesmo: se chegar a casa tarde mais uma vez vou pedir para você sair do
escotismo, se não vou tomar outras providencias. Ah! Esta vida de comissário
não é fácil. Mas cada um escolhe seu caminho e eu escolhi o meu! E cá prá nós,
como é difícil no escotismo mudar certos comportamentos!
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