terça-feira, 7 de novembro de 2017

Contos de Fogo de Conselho. Era uma vez... Um trem dos Escoteiros.


Contos de Fogo de Conselho.
Era uma vez... Um trem dos Escoteiros.

                 Tonico estava na lida. Ao seu lado Zeca e Alfeu. Seu pai estava mais ao longe e todos capinavam a roça onde iriam plantar milho e feijão. As chuvas de março não iriam demorar e o tempo não perdoava os atrasados. Fazia semanas que eles estavam ali. A rotina de anos para o seu arroz com feijão. Tonico sonhava com a enxada na mão. Não desejava o que não tinha, mas sonhava com o que podia ter. Ele só conhecia aquela vida. Uma pequena casa de três cômodos, uma mesa com dois bancos e um fogão de lenha. Não havia luz elétrica. As noites seu pai ligava um radinho de pilha e Tonico ouvia com gosto a Voz do Brasil.

             Debaixo da Aroeira eles costumavam sentar a noite antes de dormir. Era ali que ele pensava no mundo a sua volta, mundo que não conhecia. Tonico queria estudar, mas a escola mais próxima era em Santo Agostinho. Um vilarejo a mais de trinta quilômetros de distancia. Ele sabia que seria como seu pai, como seu avô. Fazia parte de sua vida do seu destino. Sua mãe sempre a sorrir dizia: - Filho o vento traz novidades, o mundo gira, e você tem uma vida pela frente!

           Era um simples trem. Cinco ou seis vagões de passageiros. Tonico sempre o via pela manhã a passar correndo nos trilhos de aço da estrada de ferro próximo onde trabalhava. Dava uma parada na capinagem, segurava no cabo da enxada e via pelas janelas os sorrisos dos viajantes e um ou outro a dar adeus pela janela. Seu pai dizia ser o Trem Expresso para Vitória. Ele não sabia, mas o trem tinha horário e todos os dias seu pai os chamava para almoçar quando o trem passava. Sua mãe chegava levando as marmitas com um pouco de arroz, um ovo cozido e farofa que ele adorava.

           O trem seguia seu caminho deixando um rastro de fumaça de lenha que Tonico gostava de cheirar. Como um passe de mágica ouvia o ultimo apito para dizer que deviam continuar sua labuta, sua vida, sua rotina. Com doze anos Tonico não podia ser chamado de um menino triste, não era. Ele gostava quando anoitecia pegar a viola de seu pai, dedilhar uma canção e cantar baixinho imitando Tonico e Tinoco do qual sua mãe copiou e o batizou. Sua mãe fazia questão na hora de dormir eles darem as mãos e rezar um Pai Nosso pedindo a Deus para nada faltar àquela família.

           Naquele dia Tonico ouviu o apito do trem despontando na curva do Rio Doce correndo feito um louco em cima dos trilhos de aço. Para sua surpresa desta vez ele diminuiu a velocidade, parou bem em frente onde Tonico, Zeca e Alfeu capinavam. Tonico sorriu quando viu que o trem parando. Não entendia porque ele parou. Da janela de um vagão meninos de chapéu grande acenavam para ele. Quem eram? Tonico sorria sem saber do porque o sorriso. Quem sabe pelos meninos de roupas iguais? De chapéu grande? De lenço no pescoço?

           Ah! Tonico daria tudo para saber quem eram eles. Lá onde estava ouviu o cantar deles no trem das onze, hora para eles almoçarem, pois sua mãe estava chegando. Mas ele prestou atenção no cantar na letra e sabia que nunca mais iria esquecer: - ¶ “Escoteiros sempre avante, pois nos vamos acampar, bem além do horizonte, lá na serra do além-mar”. Tonico sorria, ele gostou da canção. Aprendeu os primeiros versos e acordes. Sabia que a noite ele iria cantar e seu pai e sua mãe iriam ouvir sem saber o que significava.

              O trem das onze começou a andar devagarinho. Um apito estridente ecoou pelo céu azul como a dizer – “Eu quero passagem, eu preciso seguir meu destino”! Tonico sem perceber começou a correr ao lado do trem. Ele corria junto à janela daqueles meninos de roupas iguais com lenço no pescoço e uns chapéus enormes. Os meninos correram para a janela e começaram a bater palmas para ele, um deles lhe jogou um lenço e Tonico saltou como uma onça e o pegou no ar. Era seu troféu. Um lenço azul cor de anil. Apertou com suas mãozinhas no peito o presente que ganhou daqueles meninos de roupas iguais, um lenço no pescoço e chapéus grandes na cabeça.

              O trem foi mais veloz que Tonico e sumiu na curva do Boiadeiro, onde Tonico, Zeca e Alfeu e seu pai voltavam à noitinha para casa após a capina. Tonico parou e nem sabia no que pensar. Tonico chorava e não sabia se de alegria, de tristeza e de saudades daqueles meninos de roupas iguais, de um lenço no pescoço e de um chapelão na cabeça.

            Ouviu seu pai lhe chamando para almoçar. Hoje iriam comer correndo, pois no céu nuvens negras se formavam. Em nenhum momento Tonico esqueceu o trem das onze, dos meninos de roupas iguais, da canção que cantaram para ele e do lenço que deram a ele de presente. Seria seu troféu por toda a vida. Enquanto almoçava Tonico pensava. O que eles iriam fazer? Para onde iriam? Será que eles conhecem a Mata do Tenente? Será que eles algum dia cantaram aquela canção ao som de uma viola em volta de uma fogueira? Tonico não sabia.

           Tonico sabia que eles sorriam muito, que eles cantavam que eles eram muitos e que ele nunca mais iria ver aqueles meninos sorridentes de roupas iguais, lenço no pescoço e um chapelão na cabeça. Tonico voltou naquele dia para casa tristonho, e pela primeira vez pensou que ele também poderia ser um deles. E naquele dia Tonico sonhou. Um sonho lindo, ele no trem das onze, na janela cantando, todos se abraçando e partindo para um lugar maravilhoso, que ele só imaginava, pois nunca esteve lá.

            Nunca mais Tonico viu os meninos de roupas iguais, de lenço no pescoço, com um chapelão na cabeça e dentro do trem das onze. Tonico nunca mais esqueceu aquele dia e hoje, já homem feito, na mesma roça que antes era do seu pai, junto ao seu filho Felipinho, quando o trem passava ele contava a mesma história, cantava a mesma canção, dos meninos de roupas iguais, de lenço no pescoço e de chapelão. Felipinho sorria sempre quando ele contava a história do trem das onze para Vitória.


           Felipinho no seu sorriso de criança ficava a imaginar como devia ter sido a parada do trem, os meninos de lenço e chapéu grande, o trem apitando e todos abanando as mãos dizendo adeus. Ele não pode ver quem esta dentro dos vagões. Não dá para ouvir canções e sorrisos. Pois é, a vida é assim. Tem aqueles que podem viver um sonho tem aqueles que podem sonhar, mas nunca irão viver o sonho. Quem sabe um dia um trem de escoteiros irá de novo passar para Felipinho ver? 


Nota de rodapé: - Nunca reclamou da sua vida, da capina na roça, do amor de sua mãe e seu pai. Nasceu com uma enxada nas mãos, comia abobora com farinha de mandioca e a noite tocava o violão do seu pai. Depois que viu o trem dos escoteiros cantou por toda sua vida a canção que eles ensinaram para ele: - ¶ “Escoteiros sempre avante, pois nos vamos acampar, bem além do horizonte, lá na serra do além-mar”.

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