Contos de
Fogo de Conselho.
Memórias de
um Chefe Escoteiro.
Olhei para o relógio. Estava na
hora. Nem pensei quantas vezes e quantos anos fazia o mesmo nesta hora. Notei o
céu azul perdendo a cor e lembrei-me da frase do poeta ao entardecer: - “Não
chore por ter perdido o pôr do sol, pois as lágrimas te impedirão de contemplar
as estrelas”. - Em passadas curtas e sem pressa fui rumo a Sede Escoteira.
Rotina de anos e anos me levava até a porta e passar a chave e dizer: - Até o
próximo sábado que vem quando vou voltar! Dei a primeira volta na chave quando
a voz de Tomaz se fez presente. – Chefe posso falar com o senhor?
Abri devagar a porta. Entrei e
convidei Tomaz para sentar. Sabia que tinha hora para chegar, mas Naninha minha
amada iria entender. Afinal a tarefa de viver e ajudar é dura, mas fascinante.
Não disse nada. Era sempre assim. Tomaz tomaria a iniciativa. – Chefe, eu vou
sair do escoteiro! – Não perguntei por que, sabia que haveria um razão para que
ele tomasse aquela decisão. Conhecia Tomaz há muito tempo. – Lembrei-me quando
da passagem ele chorando ao apertar minha mão disse soluçando: - "Chefe,
não troco o meu “oxente” pelo ok de ninguém”!
Tomaz... Mostrou seu valor nos quase oito anos
de escoteiro e lobo. Ninguém nunca reclamou dele. Nunca desistiu de nada. Era o
primeiro a correr como gente grande, a jogar como um atleta, a cantar como uma
cotovia, a sorrir como um herói. Quando caiu nas escarpas do Roncador, apareceu
logo a seguir subindo as pedras e dizendo: - Chefe! A gente tem uma tendência
para acreditar que o escoteiro não morre! Quando chegou da jornada de primeira
classe com um atraso de quatro horas, disse: - Chefe, o que nos salva é dar um
passo e outro ainda e nunca desistir.
Ele respirou fundo
e falou: – Chefe, meu pai precisa de mim, a loja aumentou o movimento. Ele não
pode contratar, afinal sou seu filho de quinze anos e preciso ajudar. Dizem que
ninguém doma o coração do poeta, concordo. Não foi ele quem disse que não podia
perder a vontade de ter grandes amigos, mesmo sabendo que, com as voltas do
mundo, eles acabam indo embora de nossas vidas? – Poderia ter perguntado se ele
queria que conversasse com seu pai, mas ele tinha tomado uma decisão. Precisava
de apoio e não aconselhamentos.
Dei-lhe um forte aperto de
mão e não faltou um abraço amigo do seu Chefe que o queria bem. A gente só
conhece bem as coisas que cativou. Ele se foi e com o tempo também se foram
Antônio, Pedro, Joaquim, Noé, Tomé, Rinaldo, José, Altair, João, Raul...
Poderia ficar aqui horas lembrando o nome de cada um que tive a honra de ser
Chefe amigo e mentor. Qual o papel do Chefe? Eu sempre me perguntava e as
respostas nem sempre me satisfaziam. Em um mundo que se faz deserto, muitas
vezes temos sede de fazer amigos. Seria isto? Ou seria que o mundo inteiro se
abre quando vê passar um homem que sabe aonde vai?
O tempo passa a gente nem
percebe o tempo passar. Hoje dizem que tudo pode ser comprado, mas a mente dos
jovens não tem preço e nem está à venda. Ao meu modo ajudei e fiz da vida de
muitos um caminho do sucesso. Sucesso? Não sei. Muitos anos depois Tomaz me
procurou: - Chefe preciso do senhor. – Olhei para ele. – Quero que seja meu
padrinho de casamento. Dizer o que? Eu sei que sou um pouco de todos que
conheci, um pouco dos lugares onde fui um pouco das saudades que deixei e sou
muito das coisas que gostei.
Muitos deles tive a honra
de encontrar um dia. Outros não. Baden-Powell dizia que a verdadeira felicidade
é fazer os outros felizes, outro poeta disse que a verdadeira felicidade vem da
alegria de atos bem feitos, do sabor de criar coisas renovadas. Ao meu modo
ensinei que a ética está acima de tudo, e para isto dei tudo de mim aos jovens
que acreditaram que o escotismo era uma força que habitava no coração e fazia
da mente uma mola para ser alguém de valor neste mundo. Eu sabia que a maior
habilidade de um Chefe é desenvolver habilidades extraordinárias em pessoas
comuns.
Até hoje não me
arrependo do que fui do que sou e do que fiz. Fiz tudo para fazer outros
felizes. Apertei a mão de milhares de jovens, me orgulhei de muitos quando já
adultos se mostraram a altura do seu Espírito Escoteiro. Eu sabia que grandes
homens e mulheres começaram por serem crianças mesmo sabendo que a maioria não
se recorda disso. A cada um quando via eu pensava: - Eu não tenho necessidade
de ti. E tu não tens necessidade de mim, mas se tu me cativas, nós teremos
necessidade um do outro.
Fechei a porta da sede.
Devagar fui para o portão. Ao sair o barulho da cidade grande me fez viajar nos
meus tempos de escoteiro. Correndo pelas campinas, acampando em vales e pulando
na água fria de um regato, fazendo o que gostava e amando o que fazia. Sempre
disse que ia dar o mesmo para outros jovens. Não tenho arrependimentos.
Enquanto puder aqui estarei abrindo e fechando a porta da sede. Uma sina? Pode
ser. Ao ir para casa olhei novamente o céu. Pensei com a mente de um escoteiro
que é difícil uma pessoa contemplar o céu e dizer que não há um Criador!
Nota de rodapé: - Abraão Lincoln comentou que o caráter
é como uma árvore e a reputação como uma sombra. A sombra é o que nós pensamos
dela, a árvore é a coisa real. Afinal o êxito da vida não se mede pelo caminho
que você conquistou, e sim pelas dificuldades que você superou no caminho. E
corrijo as palavras dele com a que transmito aos chefes escoteiros: Não te
esqueças de que todos são seus amigos e irmãos mesmo que não os conheces, pois
todos gostam de um elogio de um cumprimento e de um abraço. Faça por merecer
meu amigo Chefe.
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