Contos
de Fogo de Conselho.
Entre
o céu e a terra.
Um silêncio sepulcral na sala
de aula. Se entrasse uma mosca pela janela seria como o barulho de um avião
levantando voo. Dona Nena de olhos semi-serrados em sua mesa lia um livro
comum. Os meninos e meninas calados fazendo uma redação. “Como evitar
Escorpiões”. Ela tinha dado uma aula sobre o tema. De vez em quando passava os
olhos pela sala. Uma austeridade que era reconhecida em toda cidade. Seus
ex-alunos tremiam quando encontravam com ela. Um grito estridente assustou todo
mundo – Escorpiões na sala. Corram! Uma correria e uma gritaria sem fim. Dona
Nena também assustou. Viu que a sala esvaziou em segundos. Olhou de novo. Só
Ruanito sentado, compenetrado fazendo a redação. Dona Nena o pegou pelas
orelhas e o levou ao Diretor. Não era a primeira vez.
Aniversário da cidade. Na
praça um enorme palanque. Várias festividades programadas. O Prefeito Paredes
discursando. Ao seu lado Dona Eufrásia sua esposa. Muitas autoridades juntos. O
povo em pé na praça. Alguém gritou alto! – Uma cobra! Uma cobra! É uma
cascavel! Ela atravessava o palanque devagar rumo às escadas. Um reboliço. O
delegado Marcondes esvaziou seu revolver na cobra. Pá, pá e pá! Ela não parou. Gente
gritando, caindo, o palanque quebrando. Dona Eufrásia caiu sobre a multidão.
Seu vestido novo subiu até as orelhas. O Povo viu tudo. Ela adorava azul com
bolinhas amarelas. A multidão dá praça correndo pela Avenida Tiradentes. A
praça vazia. Muitos de pernas e braços quebrados foram para o pronto socorro.
Só o Zé Bedeu um bêbado ria sem parar e gritava: “Viva Ruanito, o único gente
boa da cidade!”. Sentado no banco da Praça Ruanito olhava sério para tudo
aquilo. Na sua mão a linha de pesca que usou para puxar a cobra morta.
Todos sabiam que onde havia
estripulias tinha a mão de Ruanito. Seu pai já fora intimado várias vezes na
delegacia. Alfredão adorava o filho. Sua mulher fora internada na casa de
repouso Santo Angelo há muitos anos. Diziam que ela era louca. Ele não achava.
Ela só gostava de se divertir. A cidade não tinha ninguém capaz de ajudar seu
filho. Naquela época falar em psiquiatras ou analistas seria um palavrão. Chefe
Cleyde era assistente de Tropa. Sempre soube de Ruanito. Tinha pena dele. Um
dia tentou com todos os chefes do grupo a aceitá-lo. Ninguém quis. Convenceu o
Chefe Manollo a dar uma oportunidade ao menino. – Ele quer se um de nós? – Não
sei disse – Se ele quiser vamos tentar por seis meses. Ela foi a sua casa. O pai de Ruanito gostou
da ideia. Ele não disse nem sim e nem não. Olhou indiferente para a Chefe
Cleyde.
Quando foi apresentado à tropa
todos se assustaram. Já conheciam sua fama. Romerito da Patrulha Peixe Boi era
o Monitor mais antigo. Com quinze anos ainda não tinha ido para os seniores. A
pedido do Chefe Manollo ficou até os dezesseis. Era considerado o guia da
tropa. Ficou responsável por Ruanito. Ele
o pegou pela mão e o levou até um grande abacateiro que dava sombra no pátio
onde se reuniam. – Está vendo aquela formiga? Ela está a “Escoteira” significa
aquela que anda só. Você vai ficar aqui e observar quando ela encontrar uma
folha e levar para sua morada. Marque o tempo e quantas vezes ela deixa cair à
folha! Ruanito olhou para Romerito, olhou para a formiga e não disse nada.
Sentou na grama de olho na formiga. A reunião terminou às seis e meia da tarde.
Ruanito sentado. Romerito o viu quando ia saindo. Romerito foi embora. O deixou
lá. Nem até logo disse. A sede vazia. Ruanito firme sentado no pé do
abacateiro.
Às duas da manhã alguém bateu na
porta da casa de Romerito. Ele com sono levantou-se e ao abrir a porta viu
Ruanito todo molhado. Chovia a mais de quatro horas. O mandou entrar. Foram
para a cozinha onde preparou um café forte.
– “Foram nove horas, vinte e quatro minutos e trinta segundos”. A folha
caiu vinte e três vezes e vinte e três vezes a formiga repetia fazendo tudo de
novo. Sempre com uma nova tentativa. Pensei em ajudá-la. Mas será que serviria
para ela aprender como deveria fazer? Quando ela conseguiu entrou em um
buraquinho no tronco do abacateiro não apareceu mais. Romerito olhou para
Ruanito. Não disse nada. Pegou dois guarda chuva e o levou até sua casa. Seu
pai dormia sono solto.
No sábado seguinte pela primeira
vez Ruanito foi apresentado a Patrulha. Romerito perguntou: - Algum de vocês
conseguiram seguir a formiga do abacateiro? Cada um olhou para o outro e não
disseram nada. Uma prova muito difícil. Apertem a mão de Ruanito. Ele
conseguiu! Os escoteiros olharam espantados. Três meses depois Ruanito fez a
promessa. A tropa feliz. Muitos seniores e chefes preocupados. Chefe Cleyde
acreditava na mudança. Chefe Manollo era outro que sorria. A cidade se assustou
quando viu Ruanito de Uniforme andando garboso pela Avenida Tiradentes. O delegado
tirou o boné da cabeça. O Prefeito veio à janela da prefeitura para vê-lo. Zé
Bedeu na sua bebedeira dava risadas e gritava: - Viva Ruanito, o maior
Escoteiro do Brasil!
E assim termina a história. Aquela
cidade passou a ser uma feliz morada da felicidade. Ela ficava bem ali, bem
próxima entre a terra e o céu!
Nota de rodapé; - Ele era apenas um menino que ninguém
acreditava que poderia ser bom. Uma sina do destino fez dele um Escoteiro e
para espanto da patrulha cumpriu as ordens do monitor sem reclamar. Um exemplo
de perseverança e exemplo e respeito às ordens do monitor.
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