quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Conversa ao pé do fogo. A última Estação de trem.


Conversa ao pé do fogo.
A última Estação de trem.

                   Gosto desta história. Trás lembranças inesquecíveis. Contei dezenas de vezes e dela só as lembranças ficaram. Tempos bons que não voltam mais. Tempos de acampamentos à “escoteira”, aquela que significa o “escoteiro que anda só”. Era um apaixonado por acampar sozinho, sentir o vento descansar a sombra de uma pitangueira, ou banhar em um remanso frio de um riacho. Egoísta? Nunca. Junto aos meus amigos fizemos centenas de acampamentos, belas excursões nunca esquecidas que ficaram na memoria.

                   Quando os problemas se avolumavam era hora de partir. Uma mochila, um bornal, ração B, uma rota e pé na estrada. Adorava. Muitas vezes sem barracas. Montar uma cabana, um banquinho, um fogo estrela, um local privilegiado onde a vista pudesse deslumbrar o inatingível. Quantas vezes? Muitas. Paradas longínquas, picos saudosos, vales queridos, uma jangada a descer um rio desconhecido.

                  São tantas histórias. Tantas que às vezes elas vêm mesmo sabendo que não posso mais. Uma delas me marcou. Anos sessenta. Bandeiras ao vento e lá fui eu acampar. Diziam ser uma floresta virgem onde poucos entraram. Meu habitat. Um trem, saltar com ele em movimento na “boca do túnel”, uma trilha, uma floresta linda convidando para pernoitar. Dormir, contar estrelas acordar com o canto dos pardais. Sentir o cheiro da terra, do vento amigo dos pássaros emplumados e cantantes no ar. Corujas buraqueiras espantadas com meu cantar noturno em uma clareira, um pequeno fogo e vagalumes pulando como a dizer: Bem vindo escoteiro.

                 Era bom sentir os ruídos da noite, o uivo de um animal, do riacho a fazer Chuá, Chuá. Vida sublime. Sonhos refeitos, alegre e triste na hora de voltar. Um retorno sem pressa, deixar o corpo se perder em um banho no riacho que jorrava cascatas com suas águas nas pedras brancas criando espumas gostosas para sentir o sabor daquelas águas que nunca foram tocadas.

                  Sabemos que nada é para sempre. O retorno sempre é tristonho. Uma pequena estação em um arraial perdido na beira da estrada de ferro. Algumas casinhas simplórias onde o trem expresso não para. O cata-tudo, apelido do trem que pegava todo mundo estava ali, soltando fumaça na chaminé de uma Baldwin que nunca se cansava. Cheguei cedo. Gostava de ver o andar do Chefe da Estação. Educado. – “Boa tarde”! E tirava o quepe como a me saudar sem me conhecer. Ao lado uma mesa com a parafernália eletromagnética que Morse um dia inventou, as mensagens enviadas pelo telegrafista percorriam como correio eletrônico os milhares de quilômetros daquela ferrovia sem fim.

                 Contaram-me que elas davam a volta ao mundo. Outros que foram até o fim do mundo! Eu podia ouvir os sinais curtos e longos, pois um dia quando criança eu enfrentei a batalha de ser um Sinaleiro. Sentado em um banco na plataforma da estação eu esperava. Não tinha pressa. Nunca tive. Muitas vezes um olhar corre mais rápido que um raio no céu.  Do outro lado da linha um rio caudaloso sorria.

                A plataforma vazia. O trem que subia o rio chegou mansamente. Não era o meu. Eu iria descer o rio. O Chefe da Estação com seu arco a dar instruções ao maquinista que treinado não teve duvidas para enlaçar. O barulho quieto da fornalha expelindo fumaça e ar quente. Eu amava aquilo. Hipnotizado com a beleza do trem de ferro que sumiu para sempre nas esquinas da vida. Foi então que avistei um casal. Jovens. Parados em frente à entrada do vagão de primeira classe. Um olhando para o outro. Não diziam nada. Ela só tinha olhos para ele encharcados de lágrimas de amor. Ele tristonho também não tirava os olhos dela. – “Eu volto para te buscar” - Ele disse. Ela chorava baixinho. – “Nunca vou esquecer-me de você meu amor”. O último apito, um beijo simples, um roçar de lábios sedentos que não queriam se separar.

              O trem deslizando sobre os trilhos se despedia da estação sorrindo do bate volta da fornalha de rodas. Um último adeus. Ele correu e subiu nos degraus de seu vagão. Ficou ali de mãos estendidas como a dizer: Eu tenho que ir. Venha comigo! Ela chorava baixinho. Sabia que ele não iria voltar. Em pé olhava o trem apitando até sumir de vista na curva do rio. Um silêncio tomou conta da plataforma. Eu só ouvia o tic tac do telegrafo e os soluços da bela moça que havia perdido seu amor. Eu nada dizia, não tinha o que dizer. Ela estática não saia do lugar. Perdidos em uma estação de trem o mundo dela desmoronava. O meu chorava com ela. Ela se virou e me viu. Seus olhos estavam marejados de lágrimas. Eu de calças curtas com meu chapelão fiquei em pé. Queria me solidarizar. Não sabia como fazer. Ela deu um pequeno sorriso levantando o braço dizendo baixinho “Sempre Alerta”. Respondi do mesmo modo em posição de sentido. Lentamente ela se foi para seu destino.

               De novo a estação vazia. O sol já se escondera do outro lado do rio. Apenas uma leve brisa soprava para quem sabe trazer alguma notícia do meu trem. Sentei novamente e minha mente viajava sem eira nem beira. O Chefe do Trem se aproximou. – Um atraso de quatro horas... O Trem que subia desencarrilhou. Muitos feridos. O Trem que iria descer não tem como passar. Não disse nada. Não tinha pressa. Minha mente corria sobre os trilhos a procurar o trem que se foi. - Será que ele sobreviveu? Sem resposta. E ela? Como avisar que seu amor poderia ter ido para o outro lado da vida? – Calado eu matutava e chorava por ela. Não há vi mais, foi para sua morada sonhando com seu amor e sabendo que ele nunca mais iria voltar. Quem sabe é melhor assim. Dormitei no banco da estação. A noite chegou. A plataforma escura deu para ver alguns trovões no céu.


             A chuva chegou de mansinho. Os trovões sessaram.  Eu gosto do som da chuva. Ela me trás paz e tranquilidade. Ao longe um apito do trem. Era o meu que chegava. Como um pássaro gigante adentrou na estação perdida naquele arraial da moça que ficou sem seu amor. Viagem tranquila. Na minha morada meu amor dormia. Entrei de mansinho. Fui olhar meus filhos que adormecidos sonhavam com anjos do céu. Abracei minha amada de muitas vidas ali ao meu lado. Ela sorriu. Pensei no amor da outra que tinha ido para sempre. Sina marcada. Destino escrito no livro da vida. Nada do que tem de ser muda. Sonhos não vividos. Estrelas piscantes que se mantém no universo através dos tempos. Esperanças que nunca se acabam. Ainda deitado com as mãos entrelaçadas no peito lembrei-me de um poema – “Gota d’água brilhante, ainda suspensa num fio... Quando o sol quente a encontrou, partida que não teve o adeus de um lenço, história antiga que não tem mais senso, livro que o vento sem querer fechou”!

Nota de rodapé: - Uma viagem no tempo. Acampar a “Escoteira”. Hoje não mais. Fim da alegria, sozinho eu retornava. Uma estação, um trem subindo e outro descendo. Um casal se separava deixando seu amor para traz. Ela chorando viu o trem partir, eu sentando no banco da estação chorava com ela. Pensei como a vida é cruel para amantes que não podem viver para sempre. Uma historia, pouco de verdade pouco de ilusão. Uma bela noite para todos vocês!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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