Lendas
Escoteiras.
Tarde
demais para esquecer.
Eu não tinha história.
Fiz uma do qual não me arrependo há mais de oito anos. Não fosse o Chefe
Mascarenhas meu destino teria sido outro. Será? Sei que Deus me fez passar por
isto porque devia meu destino. Chefe Mascarenhas apareceu em Águas Calientes
para consertar um moinho que comprei com a poupança do meu pai falecido. A
herança me permitiu viver trabalhando e nada me faltava. Não me dei mal.
Chefe Mascarenhas ficou
na minha casa. Gente boa, com seus cinquenta e poucos anos bom de papo e muito
simpático. Era escoteiro. Falava maravilhas da organização. Quem o ouvisse
ficava deslumbrado em ser um deles. Acampavam, faziam sua comida, tinham
técnicas mateiras, exploravam grutas, faziam boas ações ajudando as pessoas e
tinham um código de honra sagrado.
Interessei-me. – Chefe
Mascarenhas! Será que poderíamos fazer um escotismo aqui em Águas Calientes? –
Claro que sim ele disse. Se você quiser ser um chefe eu lhe ajudo. Não faltou
ajuda. Alberto o Prefeito, o Doutor Lanes Juiz de direito todos encantados com
a ideia. A Rádio local dizia que tudo ia mudar com a juventude de Águas
Calientes. Chefe Mascarenhas me aconselhou: - Comece com poucos. Máximo de
oito. Treine-os. Serão seus Monitores. Depois de três meses vá aceitando e
formado as patrulhas. Os lobinhos podem começar com até 24 meninos e meninas.
Veja alguém para dirigir a Alcateia. Forme a Diretoria. Consiga um local para
as reuniões onde será sua sede. Eufórico eu sorria de felicidade.
Adorava meus Monitores.
Nas horas vagas ficavam conversando na minha loja. Aprendíamos juntos, acampávamos
quase todos os fins de semana. Chefe Mascarenhas me mandou uma boa biblioteca.
Em dois meses fui a capital fazer um curso. A Patrulha de Monitores vivia para
o escotismo. Escolheram como símbolo o Tuiuiú! Virou tradição a patrulha Tuiuiú
dos Monitores. A Promessa foi feita dois meses depois. Lurdinha a professora
aceitou meu convite para os lobinhos. O grupo foi crescendo e apareceram pais
para ajudar. No desfile de Sete de Setembro eu há vi. Milena. Amor à primeira
vista. Linda, cabelos loiros, curtos uma época que Grace Kelly enfeitava as
telas de cinema.
Cinco meses depois fiquei
noivo. A mãe de Milena me preveniu: – Muito possesiva Chefe. Tome cuidado. Mas quem
segura o amor? No meu casamento a escoteirada toda na igreja. Queria casar de
uniforme, ela foi contra – Nem pensar Mario Montes já mandei vir da capital um
legitimo terno inglês da melhor casimira! Começou assim. Sempre decidindo a
minha vida, e eu aceitava. Criticava meu modo de viver com os escoteiros. Aos
poucos minha vida se transformou em um inferno. Por ela quase deixei o
escotismo. Ela ria e dizia que o escotismo afasta as pessoas e a família. Dizia
que com ela isto não iria acontecer. Eu ia para as reuniões Escoteiras
angustiado. Sentia que tudo ia aos poucos acabando. Já não era belo como antes.
Milena se interpunha a tudo.
Um dia ela se queixou de
dores no seio. Alguns exames e acharam dois tumores enormes. Ela teria que
operar. Chorou muito. Perder os seios para ela seria o fim do mundo. Não teve
jeito. Operou. Em casa só chorava. Meu coração partia de dó. Ver a pessoa que a
gente ama sofrer não é fácil. Minha vida meu trabalho e o Grupo Escoteiro Já
não eram como antes. Coloquei um ajudante no meu lugar na minha pequena
fábrica. Os meninos sentiam minha falta, mas precisava olhar Milena. Cada dia mais
sofrimento.
As dores pioraram. Fomos
para a capital. Os médicos não deram esperança. Mais dia menos dia Milena iria
partir. Eu nunca fui espiritualista e culpava Deus por tudo. Milena um dia me disse:
– Mario Montes me prometa que quando eu morrer você não vai mais para o grupo
escoteiro. – Porque meu amor? Ela nada dizia. Parecia estar possuída. – Meus
olhos ficaram vermelhos. Não sabia o que pensar. E o escotismo? Oito anos e
tinha de deixar tudo para trás? Eu a amava, mas iria trair minha consciência?
Enganar a vida e a morte?
Um dia ela não andou mais.
Morreu dois meses depois. Cumpri seus desejos. As exéquias foram simples. Duas
semanas e resolvi abandonar a cidade. Peguei minha mochila, coloquei na porta
da minha loja um aviso que ficaria fechada por algum tempo. Precisava pensar.
Raciocinar. Fui acampar sozinho nos Montes Pirineus próximo à fazenda Além Mar.
Armei a barraca e nem fogo fiz. Não tinha fome. Olhava para o céu, para as
árvores, ouvir o cantar dos pássaros. Meus olhos vermelhos. De madrugada
acordava e me punha a chorar. Nunca Milena falou comigo. Nunca me deu um sinal.
Resolvi voltar à cidade.
Na rua caí desfalecido. Alguém
me ajudou e caminhando devagar passei em frente à igreja aonde casei. Estava
aberta. Entrei. Sentei próximo a uma imagem de Santa Terezinha. Entre os bancos
vi uma bíblia, aberta em uma página. Com curiosidade comecei a ler: - “O amor
é paciente, o amor é bondoso”. Não inveja, não se vangloria não se orgulha. Não
maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda
rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo
sofre tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece... Assim,
permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém,
é o amor. – Meus olhos encheram-se de lágrimas.
Um padre sentou ao meu
lado. – O que houve filho? - Contei tudo como se fosse em confissão. Ele sorriu
me abençoou e falou baixinho: - Disse-lhe Tomé: “Senhor, não sabemos para onde
vais; como então podemos saber o caminho?” – Respondeu Jesus: “Eu sou o
caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim”. Passaram
dez anos. Nunca esqueci de Milena. Tenho lembranças felizes dos nossos doces
momentos que passamos juntos. Ainda continuo viúvo. Houve pretendentes, mas
nada que me fizesse voltar a casar. Quer saber? – tinha medo. Medo de que a
nova mulher dos meus sonhos fosse exigir de mim o que não posso prometer. O meu
escotismo sempre morou em meu coração! Para mim é uma chama que marca e ficará
para sempre dentro da minha alma.
Nota: - “O amor é paciente, o amor é bondoso”. Não
inveja, não se vangloria não se orgulha. Não maltrata, não procura seus
interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com
a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre tudo crê, tudo espera,
tudo suporta. O amor nunca perece... Uma história que podia ter sido real.
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