Contos
de Natal.
O
último adeus do Velho Lobo.
♫ “O
espírito da coruja mora neste acampamento!” - Para ele seria o mesmo
natal de sempre. A família reunida, os netos correndo pela casa, as conversas
dos filhos, nada diferente, mas sempre com um sabor especial. Sexta feira, 23
de dezembro. Ele acordou cedo. Tomou seus remédios e sem o desjejum partiu. Era
sempre assim. Uma volta no bairro para sua caminhada matinal e comprar dois
paizinhos. Uma para ele e outro para sua mulher. Sabia que no retorno o café
fumegante estaria pronto. A família se reunia na tarde do dia 24 e por volta da
meia noite todos iam a mesa para se refastelarem com o magnifico manjar da
Mama. Ele já havia notado uns lapsos de memória e sabia a tempos que seus
pensamentos se misturavam.
♫ “A Santa Catarina pirolim pirolim pom pom, era filha do
Rei”♫. - Sentiu-se cansado, sentou em um ponto de ônibus em frente á padaria.
Fechou os olhos para tudo voltar ao normal. Não sabia como, mas o ônibus chegou
e ele entrou. Sentou na frente. Porque fazia isto? Ele não sabia. Nunca fez
isto antes. Na viagem começou a lembrar do seu passado. Viu-se menino escoteiro
na Mata do Morcego. Encurralado em uma árvore por uma jaguatirica. Ela o olhava
com olhar amigo. Ele não acreditava.
♫”Acenda, Fogo,
acenda, Acenda essa fogueira”. Aqueça
minha tenda e ilumine essa clareira! ♫... - Senhor aqui é o ponto final! –
disse o motorista. – O senhor não vai voltar? – Espere o próximo ônibus. Este
vai recolher a garagem! Ele desceu. Não sabia onde estava. Lembrou-se quando
sênior acordou em um vale enorme, cheio de pássaros cantantes e uma cascata que
faziam um barulhão. Ele não sabia onde estava quando saiu da barraca. Chegaram
à noite perdidos e sem rumo certo.
♫ “Acorda escoteiro que o galo já
cantou, cantou, cantou o galo já cantou... Co-co-ro-có.... ♫. Olhou para um lado e para o outro,
uma enorme avenida e milhões de carros passando. Prédios enormes. Qual ônibus
para voltar? Ele não sabia. Não sabia de mais nada. Esquecera seu telefone e
endereço. Nunca saia com seus documentos, pois sua volta no quarteirão era
pequena. – Seu guarda, preciso voltar para casa – Onde o senhor mora? – Não
sei! – Seu nome? – Não lembro. Sei que me chamavam de Velho Lobo, eu fui
escoteiro. – O guarda o olhou de esguelha. – Não posso ajudar, atravesse a rua
e ande dois quarteirões. Vais encontrar uma viatura equipada com rádio. Quem
sabe podem ajudar o senhor!
♫ “Avançam as Patrulhas, lá ao
longe, lá ao longe”. Avançam as Patrulhas, cantando
com valor, lá ao longe!”. Teve medo ao
atravessar. Nunca viu tanta gente correndo e querendo chegar do outro lado.
Confundiu-se e no meio do caminho. Sua mente o levou até o Despenhadeiro do
Lobo. Um medo incrível de escorregar e cair. Ele ficou pendurado em um galho e
se não fosse o Nonato cozinheiro tinha morrido.
♫ “Rigor, Boom,
rigor, boom. Vem correndo
depressa Escoteiro Ajudar o cozinheiro a fazer um jantar supimpa, supimpa Parazibum, zibum” ♫. Parou no meio da
avenida. Nunca sentiu tanto medo. Ninguém se preocupava com ele. Com seus 87
anos ele ainda pensava que podia manter o domínio de sí mesmo. Em passadas
largas atravessou a outra parte da avenida. Sentiu que alguém o segurava por
trás e na frente um jovem lhe deu um murro na barriga. Ele sentiu uma dor
tremenda. Estava sendo assaltado por pivetes e ninguém o socorreu.
♫ “Como é feliz o acampamento na
floresta, Junto de nós passa um
riacho a murmurar, cantam as aves em seus ninhos sempre em festa, o vento sopra
a ramagem a cantar!” ♫. Uma moça o pegou com braço e mandou-o sentar próximo ao
vão do MASP. Eram duas da tarde, ele precisava dos seus remédios. A fraqueza
chegava e ele sabia que não ia aguentar. Precisava comer. Em sua casa já teria
almoçado. Lembrava que nem o café da manhã tomou. Levantou com dificuldade. Viu
uma lanchonete, viu coxinhas, e bolinhos de carne. – Moço eu posso comer uma e
pagar depois? – O garçom riu. - Sem dinheiro necas meu Velho. Saiu andando em
passos trôpegos. Começou a sentir tontura. Sabia por quê. A diabete fazia
efeitos em seu corpo.
♫ “Quando se planta la bela
polenta, la bela polenta, Se
planta cosi. Se planta cosi. Oh!, oh!, oh!, bela polenta cossi” ♫. A tarde
chegou de mansinho e as luzes dos postes se ascenderam. O frio começou a fazer
efeito em seu corpo. Não tinha blusa. Uma senhora negra riu quando viu que ele
tiritava de frio. Lembrou-se quando se aventurou no Deserto de Atacama e no
Vale da Morte. No dia um calor de rachar a noite o frio era demais. – Venha
comigo ela disse. Debaixo do viaduto tem fogueiras feitas pelos meus amigos.
Ele foi.
♫ “Em Silêncio acampamento, este canto vinde ouvir, são fagulhas da fogueira que nos dizem escoteiros a Servir” ♫... A noite foi
cruel. Mesmo em volta daquela fogueira ele pensava que não iria resistir até o
outro dia. Carros passavam proximo buzinando. Era noite de natal e ele não se
lembrava do seu nome, de sua família só lembrava-se do seu apelido. Velho Lobo.
Lembrou-se também da subida no Pico da Manada no Peru. Dormiram encostados em
uma enorme pedra onde cabia só dois e eram cinco! Foi lá que pela primeira vez
viu a neve que caia em flocos brancos e lindos de ver.
♫ “Longo é o caminho, longo,
longo, mas andaremos sem parar! Duro
é o caminho, duro, duro, cantemos
para não cansar!” ♫... Dormia e
acordava, dormia encostado a lateral do viaduto. Os seus novos amigos dormiam
tendo como cobertor papelões que eles guardavam das lides onde recolhiam lixo
reciclado para sobreviver. Ouviu ao longe alguém cantando uma canção de natal.
Lembrava vagamente quando em uma reunião de Giwell em um Jamboree alguém contou
uma história de natal. A lembrança o emocionou.
♫ “Eu era um bom lobo um bom lobo de lei. Não estou mais lobando, o que fazer
não sei, me sinto velho e fraco não sei mais lobear, logo a Gilwell Assim que eu possa vou voltar” ♫... O dia amanheceu. Ele estava
mal. Sentia falta de ar, tremia e quase não ficava em pé. Seu corpo estava um
trapo. Como um robô saiu cambaleando pela rua. As pessoas desvencilhavam-se
achando que ele estava embriagado. Viu uma senhora dizer: – “Com esta idade e
bêbado pela manhã”? Ele começou a se sentir mal. Uma dor enorme no peito. Sabia
que era seu fim. Seus olhos se fecharam.
♫ “Prometo neste dia, cumprir a lei,
sou teu escoteiro, Senhor e Rei. Eu te amarei pra sempre, cada vez mais. Senhor
minha promessa, protegerás” ♫... Viu sua
mãe sorrindo, como ela era bela e nova. Viu seus irmãos e irmãs que já tinham
partido ali acenando. Fechou os olhos e esperou ser chamado para subir aos céus
com eles. Acordou assustado em sua cama em seu quarto. Toda sua família em
volta sorrindo. Era sua mulher, eram seus filhos, seus netos e vizinhos. O
quarto cheio de gente. Bem vindo Papai, bem vindo marido, Vovô estava morrendo
de saudades! Então não tinha morrido? Viu próximo uma jovem uniformizada de
Escoteira. – Quem é você? Foi sua esposa quem contou – Ela viu você caindo e
dizendo ser um Velho Lobo. Sabia que você era um Escoteiro. Pediu um taxi e o
levou ao pronto socorro. Telefonou para várias delegacias e uma delas já sabia
do seu sumiço. Comunicaram por telefone. Ela meu marido, foi seu anjo de natal!
♫ “Bravo, bravo Bravo, bravíssimo, bravo,
bravo bravo, bravíssimo bravo, bravíssimo bravo, bravíssimo bravo, bravo bravo, bravíssimo” ♫...
nota - Ele era
apenas um Velho lobo. Sofria de Mal de
Alzheimer. Um dia saiu sem dizer para onde. Perdeu-se na cidade de
pedra. Seu mundo se transformou em um pesadelo. Mas tudo tem um final feliz.
Foi seu presente de natal. Um conto fantástico e emocionante!
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