Contos de
Natal.
Rosas e
crisântemos para Luiza.
Era uma rotina. Sempre nas
tardes de domingo Baltazar ia até a Capela do Sino e lá ficava até escurecer. Idade
avançada sentia que a subida cada domingo ficava mais íngreme e pensava quando
não conseguisse chegar mais lá. Já não rezava, disse para se mesmo que rezou
tanto que nem sabe se estava vivo até hoje foi por causa da sua fé. Fé? Ele
achava que tinha perdido.
Dezesseis anos vivendo sozinho
e remoendo seus erros que no passado cometeu. Os dias felizes que passou ao
lado de Luiza naquela capela nunca foram esquecidos. Olhava o altar e a via tão
bela no seu vestido de noiva e ele ao seu lado de uniforme Escoteiro sorrindo
feito um amante apaixonado. Deus! Não posso voltar atrás? Se ela me deixou eu
fui o culpado e me penitencio.
Descia e subia a trilha do
morro do Sino quase de olhos fechados tantas e tantas vezes que se martirizava
a relembrar os momentos felizes que estivera ao lado dela. Porque não cedi aos
seus desejos? Maldizia-se a todo tempo em achar que a verdade era dele e de
mais ninguém. Trinta anos juntos e ela não me entendia. Ou será que eu era que
não entendia o que ela me pedia? –
- Baltazar! Ela sempre dizia
seja Escoteiro, mas não esqueça que estou ao seu lado. Amo você e não quero
perdê-lo. Você não me dá mais atenção e vive para seus escoteiros. Ele olhava
para ela como se ela não fosse sua companheira de tantos anos. Quando Noel
nasceu ela achou que ele iria dar mais atenção a casa. Engano. Continuou o
mesmo, acampando indo a Jamborees distantes, Camporees, encontros
internacionais e gastando o que não tinha.
Foi um baque quando viu que Noel
já crescido não quis ser Lobinho e depois Escoteiro. Mas eu o incentivei tanto!
– Pensava que Luiza o induzia a não participar para não ficar como ele que não
dava atenção a sua família. Trinta anos, e ele parou de ouvir Luiza e seus
lamentos como sempre dizia. Não bastava dizer que a amava? Que ela era tudo
para ele, mas o escotismo vinha em primeiro lugar. Seus amigos tentaram mostrar
que ele não estava no bom caminho. Nada. Luiza passou a não comentar mais. Ele
achou que agora sim seriam o casal que sempre sonhara ser.
Quando ele voltou de um
acampamento Nacional no Sul, queria encontrá-la e contar à felicidade que teve
as amizades que fez e o presente que trouxera para ela. Uma blusa de lã não tão
cara, mas pensou que ela ia gostar. Ela não estava. Um bilhete dizia que tinha
ido embora e nunca mais ia voltar. Não disse para onde e levou Noel consigo.
Turrão disse para si mesmo: - Que seja prefiro viver sozinho com meu escotismo
que ter alguém ao meu lado que não sabe me fazer feliz.
O tempo passou um dois três
trinta anos sem ela. Envelheceu. Não era fácil viver sozinho. Achou que ia
acostumar e a cada dia, a cada ano mais sofria com a sua falta. Dona Norma
cozinhava e lavava para ele. Podia pagar apesar de que cada dia o dinheiro
rareava no seu consultório. Ninguem queria um médico que não tinha horário para
atendê-los.
Foi Tomázio Chefe Sênior quem contou
que a viu em Arara Vermelha uma cidade do outro lado do mundo onde morava.
Matutou uma semana e sua lembrança não saia de sua memória. Pediu demissão ao
Grupo Escoteiro e partiu atrás dela. Todos estranharam, pois era como se o
grupo fosse dele e sempre levou sozinho sem assistentes. Nunca dividiu
responsabilidades. Aceitava sugestões, mas a dele prevalecia no final. Muitos
que entraram no grupo saiam em pouco tempo.
Como em todo Grupo Escoteiro
ele tinha aqueles mais fieis que nunca o abandonaram. – Elejam um novo líder
para vocês! – Eleger? Eles não fazia ideia de como seria. Mais de 65 anos com
ele na frente de tudo. Quando partiu poucos foram despedir na rodoviária. – Não
volto mais, disse. Em Arara Vermelha ficou seis dias procurando e no dia 24 de
dezembro soube que ela estava internada em uma casa de repouso na saída da
cidade. Encontrou. Ela sorriu. Seus olhos encheram-se de lágrimas. A mulher da
minha vida e eu não soube valorizar.
Ajoelhou-se aos seus pés e
chorando pediu perdão. Reconciliaram. Ela tinha perdido a visão e uma das
pernas devido à tuberculose avançada. Ele doou boa parte do que tinha para a
Instituição que a acolheu. Viveu com ela até o último dos seus dias. Soube que
Noel fora para os Estados Unidos e se tornara um cirurgião famoso. Dizem que
tentou encontrá-la e não conseguiu.
No dia 24 de dezembro dois
anos depois, foram encontrados mortos no quarto que moravam. Ambos sorriam e
estavam abraçados como dois amantes apaixonados. Antes de sua morte mandou
construir um Mausoléu simples onde mandou plantar muitas rosas e crisântemos,
pois eram as flores preferidas dela. – Uma placa de bronze dizia: - Ela o
perdoou. Agora vivem felizes para sempre no céu!
Nota - Apenas uma história de vidas em comum
muito parecida com muitos que fazem o mesmo. Escotismo é vida, mas família é
tudo. Sem ela não pode e nem temos condições de pensar em uma filosofia
escoteira. Cada um escolhe o seu caminho e todos nós um dia prestaremos contas
dos nossos erros e acertos. Boa leitura.
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