Lendas Escoteiras.
Ariranha, um Cão Lobo
inesquecível.
(Uma história baseada em fatos
reais).
Aconteceu
há muitos anos atrás. Um fato que ficou marcado em minha vida para sempre. Escoteiro
da Patrulha Lobo corria o ano de 1952. Foi quando apareceu Ariranha, um cão
lobo nas Matas do Quati. Seis dias para ser exato convivemos juntos em um
acampamento de tropa que acontecia todos os anos. Não dá para esquecer, pois
foi nossa terceira Olimpíada Escoteira, e a cada ano elas marcavam época. Idéia
do Munir, um Pioneiro que também tinha a função de Mestre da Banda. Gostava de
ser chamado Maestro Munir.
Chefe
Jessé relutou, mas a Corte de Honra achou a ideia esplêndida. Era uma Olimpíada
diferente que visava técnicas escoteiras e nada mais. Sempre acampávamos em uma
clareira próxima ao Rio do Morcego, onde se avistava a bela cachoeira do Sonho.
Na época da Piracema era um espetáculo ver os peixes tentando subir nas
corredeiras e pulando sobre as pedras. Se podia pegar com a mão.
As provas eram divertidas. Só técnicas escoteiras. – Subir em árvores de seis
metros de altura descendo pelo nó de evasão com tempo marcado – atravessar o
rio nadando em dez minutos ida e volta (60 metros). – Fazer vinte e cinco nós
escoteiros ou de marinheiro em seis minutos pendurados de cabeça para baixo em
uma corda – Deixar-se cair da cachoeira (oitos metros) em um tambor vazio de duzentos
litros. – Semáforas e Morse uma prova onde tínhamos grandes sinaleiros. – Montar
um fogo, fazer um café e pão do caçador em oito minutos. – Uma fogueira que
durasse pelo menos uma hora sem ser abastecida. – Cortar uma tora de madeira de
oito polegadas em oito minutos usando só um facão. – Trilha e pista de animais
e tantas outras que deixaram saudades.
O
caminhão da prefeitura nos deixou pela manhã na trilha da mata onde depois se
transformou no Campo de Aviação e que nos levava ao Rio do Morcego. O resto era
a pé. Apenas quatro quilômetros. Adorávamos este acampamento anual. A Patrulha
se preparava meses antes. O troféu pela vitória alcançada não eram medalhas. Podia
ser uma faca Escoteira, um canivete Suíço, uma bússola, distintivos de lapela
com flor de lis, moedas de boa ação. Prêmios que ambicionávamos muito. Cada
Patrulha tinha o seu campo separado da outra mais ou menos por quarenta metros.
As pioneiras eram feitas no primeiro dia, pois no segundo as Olimpíadas
começavam.
Lembro que estava
fazendo uma fossa para o WC quando avistei Ariranha. Notei algum diferente.
Parecia um lobo Guará, mas tinha o pêlo meio amarelado e quase sem rabo
diferente do lobo cinzento que conhecia bem. Quem sabe era um cruzamento com um
vira-lata qualquer com alguma loba perdida ou habitante da mata. Ele nunca
sentava. Sempre em pé, orelhas para o alto e olhando sem piscar o que fazíamos.
Quando me aproximava ele dava alguns passos para trás e parava.
Durante
todo o dia ele ficou próximo ao nosso campo de patrulha. Lembro que foi Pedregulho
o intendente quem lhe deu o nome de Ariranha. Porque não sei. À noite quando
íamos dormir ele ficava na entrada do pórtico com se fosse velar nosso sono.
Pela manhã impreterivelmente lá o encontrávamos. Passamos a alimentá-lo e ele
parecia se sentir feliz com a nova família.
Durante a
realização das provas da Olimpíada, ele ficava próximo a mim. Uma vez entrando
na mata a procura de uma pista pisei em falso e um enorme corte se fez em minha
perna bem abaixo do joelho. Ele veio até a mim e levei um susto quando ele
começou a lamber o sangue que escorria na perna. Parou na hora. Quando passei a
mão em seu pêlo saltou de lado e tomou distância. Uma noite acordamos com seus
latidos. Latia para uma enorme cascavel que impreterivelmente invadiria nosso
campo. Ele a espantou. Outra vez seus latidos foram mais altos e foi à tarde
quando estávamos tomando banho no córrego da Lagartixa. Desta vez era uma Onça
parda. Fugiu com seus latidos.
Durante os seis dias de campo, Ariranha permaneceu conosco. No último dia no
cerimonial de bandeira Ariranha se colocou ao meu lado na ferradura. Não
esperava por isto. Todos acharam divertida sua pose. Ele não me olhava. Seus
olhos estavam fixos na bandeira Nacional. Devia ter assistido todos os
cerimoniais que aconteceram. Enquanto ela farfalhava ao sabor do vento e descia
dos céus seus olhos acompanhavam. Quando as patrulhas deram o grito ele ficou
no meio e pela primeira vez se deixou abraçar. Foi um espetáculo comovente.
Todos os escoteiros das demais patrulhas vieram também abraçá-lo, pois já era
querido por todas as patrulhas.
Ao
partirmos ele nos acompanhou até a estrada onde pegaríamos o caminhão da
prefeitura. Ao subir na carroceria ele estava lá me olhando. Abanando o pequeno
rabo ele deu um uivo enorme. Gritante e choroso. Como se fosse um lobo de
verdade se despedindo para sempre. Ainda nos acompanhou por alguns quilômetros
na Estrada de São Raimundo e depois sumiu em uma curva no meio da poeira.
Foi um retorno triste e comovente. Todos os Escoteiros tinham os olhos
vermelhos e na carroceria do caminhão um silencio choroso. Eu voltei para casa com
os olhos cheios de lagrimas. O uivo de Ariranha me marcou muito. As lembranças
ficaram gravadas para sempre. Chorei por vários dias. Nunca me perdoei por não
trazê-lo comigo, mas meu pai disse que ele era da floresta e não iria se
acostumar na cidade. Chamei o Romildo na semana seguinte e fomos até lá de
bicicleta. Rodamos e rodamos e nem sinal de Ariranha. Nunca mais o vi, mas
nunca mais o esqueci.
Ariranha
ficou marcado em nossa Patrulha Lobo. No nosso livro de Atas ele teve um lugar
especial. Não sei se é fácil explicar como se ama um cão/lobo em poucos dias e
nunca mais o esquece. Não sei mesmo. Até hoje me lembro de Ariranha com
saudades. Histórias são histórias, tem umas que marcam, tem outras que ficam
gravadas em nossa mente para sempre!
De vez em quando escuto alguém me
dizer: - Para com isso! É apenas
um cão! Ou então... - Mas é muito dinheiro pra se gastar com ele! É apenas um
cão. Estas pessoas não sabem do caminho percorrido, do tempo gasto ou dos
custos que significam "apenas um cão". “Muitos dos meus melhores momentos
me foram trazidos por apenas um cão". O mais altruísta dos amigos que um homem pode ter neste mundo egoísta,
aquele que nunca o abandona e nunca mostra ingratidão, é o cão.
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