Histórias de fogo de conselho.
Um Monitor chamado Poncharelo.
As águas do Lago da Prata nesta noite tinham uma visão diferente. Lua
cheia, resplandecente, refletida criava um colorido especial. Não foi a
primeira vez. Quantas? Muitas. Era nestes acampamentos que eu e os monitores
tínhamos o momento só nosso. – Damásio com uma vareta arrumava as achas que
ainda não haviam queimado. Uma fogueira tem seu momento de glória. Quando é
acesa e quando as chamas se espalham iluminando o rosto dos presentes. Se no
céu as estrelas insistiam em brilhar, as águas do Lago da Prata defendiam seu
esplendor.
Venâncio não estava presente. Pediu para dormir mais cedo. Trabalhou
demais na construção da Ponte do Sítio do Zé do Monte. Cansado eu esperava a
hora de recolher. Enquanto os monitores estivessem ali em volta do fogo eu
estaria com eles. Lamonte olhava a fogueira parecendo hipnotizado. Poncharelo
com seus olhos húmidos olhou para mim. Estavam vermelhos. Parecia que iria
chorar. Quase não sorria isto era fato, mas chorar não. – Posso ajudar? Perguntei.
– Com os lábios fingiu sorrir. Não disse nada. Também nada disse. Se precisasse
me diria.
Venâncio me olhou e disse que ia dormir. Ficamos eu Lamonte e
Poncharelo. – Chefe! Preciso de ajuda! – Olhei para Poncharelo. – Ele chorando
me disse que não aguentava mais... – Fiquei calado. Esperava que ele dissesse o
motivo. – Meu pai Chefe! Recebemos a carta! – Carta? Que carta Monitor? – Do exército.
Entregaram com uma medalha dizendo que ele foi um Herói! – Lembrei que seu pai
era Sargento do Exercito e foi para a Itália lutar na guerra. Sentei perto
dele. Coloquei a mão em seu ombro. – O que posso fazer Poncharelo?
Ele entrou no ano anterior. Sua mãe me apresentou. – Quem sabe aqui
poderá esquecer... Não me disse mais nada. Poncharelo não sorria. Era diferente
dos demais. – Chefe, eu nunca contei. Meu pai é meu herói. Brincava, acampava e
fizemos pescarias que nunca vou esquecer. Sargento da 1ª Brigada foi um dos
primeiros a partir. Ele escrevia sempre Chefe, Mamãe lia suas cartas, baixinho
devagar... “Eu voltarei em breve” ele dizia. Que está guerra está prestes a
acabar!
Pensei no que estávamos passando. Todos nos assustamos quando o Brasil
entrou na guerra mais sangrenta da historia. O Governo Brasileiro mesmo sabendo
da falta de estrutura do Exército, com equipamentos ultrapassados, treinamento
deficiente e roupas inadequadas para os 20º Graus negativos do inverno Europeu
enviou um contingente para a guerra. Seu pai Júlio Miranda foi um dos
primeiros. Era mais um dos vinte e cinco mil pracinhas brasileiros a enfrentar
as forças nazistas sem nenhum preparo, mas com coragem suficiente para lutar.
Olhei de novo para Poncharelo. O que eu podia dizer para ajudar? Ele
continuou: - Eu e mamãe choramos muito quando ele partiu. Sabe Chefe, ele
partiu em uma noite estranha, cuja lembrança nunca mais me sai. Chamou-me e
disse – Filho, seu pai vai lutar lá na Alemanha. Vou me cuidar. Ainda vamos
fazer grandes coisas, eu e você. Eu voltarei. Ele nunca nos esqueceu. - Nos
primeiros meses ele escrevia sempre. Mamãe, minha querida mamãe lia suas
cartas, olhando para mim. Ela sorria e me dizia: - Seu pai logo vai voltar. A
guerra está prestes a acabar.
- Passou um ano e ele não voltou. No natal escrevi para Papai Noel uma
carta. Uma carta simples, só pedia ao meu bom amigo que trouxesse de volta o
meu papai que foi lutar na guerra. Nem resposta. No ano seguinte escrevi de
novo. – Papai Noel, meu santo e bom paizinho, eu tenho meu coração como uma
brasa, nesta hora triste em rezar ao Senhor eu venho. Papai Noel, se todos têm
o seu papai em sua casa, só eu Papai Noel é que não tenho?
- Os meses foram passando. Mamãe
só vivia pelos cantos chorando. As cartas não vieram mais. O silêncio era
completo. Lembro-me que um dia mamãe passou a se vestir de preto e nunca mais
sorriu para ninguém. E para piorar tudo Chefe semana passada bateram em nossa
porta e dois oficiais do Exército Brasileiro entregaram a minha mãe uma
medalha. Disseram a ela que ele tinha sido um herói! Mamãe, mamãe, eu não quero
um herói, eu quero meu papai! Ela calada, taciturna não chorou mais. Seu rosto
lindo que nunca esqueci agora parecia uma mascara de cera.
- Seu mundo Chefe desmoronou e me levou também. Entrei para os
escoteiros pensando que poderia esquecer, mas o que serve a medalha de herói
Chefe? Se os tais heróis não voltam para casa, será que vale a pena ser herói? Sem
palavras. Eu chorava com ele naquele fogo que aos poucos se apagava. Lamonte
chorou também. A brisa vinha de leve a nos dar um pouco de calma, de frescor.
As pequenas fagulhas ainda existiam naquela fogueira que eram agora somente
cinzas. Havia ainda algumas fagulhas que se arriscavam ainda a subir aos céus.
Lânguidas e serenas para logo serem levadas com o vento.
- Eu não era Papai Noel. Não sabia fazer milagres. Não podia trazer seu
pai de volta. Abracei com força Poncharelo. Lamonte foi dormir. Eu e ele
ficamos em volta do fogo até o amanhecer.
Naquele dia vi como era difícil ser um Chefe escoteiro. Não houve
palavras que eu pudesse dizer. Não houve maneira de explicar. Tudo que disse
foi: - Poncharelo, só Deus sabe o porquê!
Nota: Esta história fictícia se passa em 1945 em uma
pequena cidade do interior, quando o Brasil entrou na guerra contra a Alemanha.
A história é baseada no poema de Orlando Cavalcante: - “Oração de natal de um
órfão de guerra”. Espero que gostem.
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