sexta-feira, 2 de março de 2018

Coisas da vida. Carol.



Coisas da vida.
Carol.

               Porque você não matricula seu filho nos escoteiros? Olhei para Jane minha vizinha. - Nem pensar. Ele só tem sete anos. - Mas é a idade certa. Ele pode ser Lobinho e tenho certeza vai gostar muito. Tanto pensei que no sábado fui lá conhecer. Gostei do que vi. Meninos brincando, sorrindo e disciplinados. Fiz sua inscrição e tive a sorte de ter uma vaga. A taxa mensal era pequena. Os gastos não eram tantos. Gilberto adorou. Voltou para casa falando maravilhas dos amigos, da Akelá do Balu e da Bagueera. – Tem outros chefes Mamãe, mas não decorei o nome deles.

            Três meses depois me sentia como um deles. Sempre ajudando onde precisassem de ajuda. Chefe Rildo me convidou a participar na chefia. – Onde Chefe? Nos lobinhos tem muitos chefes. – Nos escoteiros Carol. Você aprende fácil. Não é difícil e o Chefe Demétrio está sozinho.

                Assisti duas reuniões deles. Gostei. Achei errado ter meninas e meninos daquela idade juntos sem uma Chefe feminina. Tinha minhas dúvidas com o Chefe Demétrio. Sempre me olhava de maneira lasciva o que não me agradava. – Vai ver que é impressão minha pensei. Afinal ele sempre foi respeitoso e me tratava com educação. Fiz um curso e adorei. Comprei alguns livros e devorei página por página. Senti que a Tropa não crescia. Eram dezoito e alguns faltando.

              Quatro meses depois fomos acampar. Os faltosos retornaram. A escoteirada vibrava com acampamentos. Sempre cobrando, mas acampar não é fácil. Uma estrutura enorme para montar e realizar. Insisti com o Chefe Rildo para fazer minha promessa antes de acampar. Convidei Matheus meu marido para assistir e ele franziu a testa mostrando não estar interessado.

                  Matheus sempre foi um bom marido. Tivemos uma época inesquecível quando casamos. O tempo foi passando e aquela paixão diminuiu. Eu sabia que o amava e ele era bom pai e bom marido. Trabalhava muito e chegava em casa cansado. Poucas vezes me perguntou sobre os escoteiros. Fiz a promessa e até chorei. Foi lindo demais. Pensei comigo que seria escoteira para sempre. Minha alegria com o acampamento foi como se tivesse recebido uma injeção de felicidade.

                Chegamos ao local pela manhã, o corre, corre da escolha do campo, a montagem e a meninada cantando e dando o grito de patrulha quando terminavam alguma pioneiria ou alguma artimanha ou engenhoca. Ajudei o Chefe Demétrio na montagem do campo de chefia. Duas barracas uma minha e outra dele. Dividimos o serviço de limpeza e cozinha. Não dependíamos dos escoteiros para refeições.

                  Tudo corria a mil maravilhas. Estava encantada. A alegria de todos era demais. Amei os jogos noturnos, a conversa ao pé do fogo e no penúltimo dia o Fogo de Conselho. A cadeia da fraternidade ficou marcada no meu coração para sempre. Após o toque de silêncio com o Chifre do Kudu todos foram dormir. Fiquei na porta da minha barraca esperando o sono chegar. Uma banqueta era um convite para ficar olhando o céu cheio de estrelas.

                 O Chefe Demétrio se aproximou. Sentou ao meu lado. Sem eu perceber passou as costas da mão em meu rosto. Senti um calafrio. À noite, os vagalumes o som da floresta o lago cinzento e o céu cheio de estrelas me mantiveram hipnotizada. Não sei por que não reagi. Tudo aconteceu sem esperar. Quando lembro choro do erro que cometi.

                   O escotismo depois disto nunca mais foi o mesmo para mim. Disse ao Chefe Rildo que não ficaria mais nos escoteiros. Tentou saber por que, mas não disse nada. Comecei a faltar. Levava Gilberto e vi que ele também estava desanimado. Um dia saímos. Fiz questão de agradecer a todos. Matheus nunca me perguntou por que saí. Acho que ele adivinhou, pois passou a me dar maior atenção e fazíamos lindos programas juntos. O Velho amor voltou em todo seu esplendor.

                  Aquela noite de acampamento que devia ser a melhor da minha vida só trouxe tristeza e decepção. Ainda gosto do escotismo, minha promessa nunca esqueci. Sei que não tem volta. Eu errei e não Demétrio. Ele nunca me procurou nunca me deu falsas esperanças e manteve o segredo com ele por toda vida. Sei que muitos passam por isto e tudo fica normal com o tempo. Não era meu caso.

                   Não voltei mais ao Grupo. Ele não teve culpa. A culpa foi somente minha. O escotismo é maravilhoso sinto enormes saudades e belas recordações das reuniões, das amizades dos sorrisos da meninada. Mas eu tenho a culpa de tudo. Preciso aprender a não desculpar as pessoas, mas primeiro, falta eu aprender a dizer não!

Nota - Caí, levantei. Chorei, sorri. Amei, esqueci. Errei, aprendi. Ganhei, perdi. Fui feliz, sofri. Mas, o que não se pode dizer é que não vivi. Vivi, e ainda vivo. Com uma intensidade que por vezes me dói, mas, por outras, a maior parte delas, me faz a pessoa mais feliz do mundo. Histórias são estórias. Nem todas com um final feliz. Afinal são coisas da vida que acontecem com todos nós!

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