Uma história no calor da Flor Vermelha.
Os tempos de Mowgly na Selva.
Era uma vez... Nos tempos das falas novas!
“O homem ao homem”! É o desafio da Jângal! Já parte
aquele que foi nosso irmão.
Ouvi, então, julgai, ó vós, gente da Jângal. Respondei:
quem irá detê-lo então?
O homem ao homem! Ele soluça na Jângal! O nosso
irmão se aflige dos males supremos. O homem ao homem! Nós os amamos na Jângal!
Esta é o sua trilha e nós não mais o seguiremos...
“Um dia estavam Mowgly
e Bagheera na encosta do morro frente à Waingunga. Era o fim do inverno.
Sentado, Mowgly contemplava o vale semi-desperto. Um pássaro lá embaixo trinava
as primeiras notas, ainda incertas, do canto que iria entoar na primavera.
Embora esse canto ainda fosse só um ensaio, a pantera reconheceu-o. Eu não
disse que o tempo das falas novas vem próximo? Relembrou ela. É Ferao o
pica-pau escarlate. Ele não esqueceu. Ora, eu também preciso recordar o meu
canto e passou a se ronronar para si própria. - Não há nenhuma caçada para
hoje, observou Mowgly. – Irmãozinho estarão teus dois ouvidos tapados? Isto que
canto não é palavra de caça, mas canto o que quero ter pronto para a primavera”.
– tinha me esquecido.
Reconheço muito bem a chegada das falas novas, estação em que tu e os outros
correreis para longe, deixando-me sozinho, respondeu Mowgly queixoso. Vós é que
debandais e eu, Senhor da Jângal, tenho que viver sozinha.
- Porque não morri nas
garras dos dholes? Gemeu Mowgly. Minha força esvaiu-se e não foi veneno. Dia e
noite ouço um passo duplo no meu caminho. Quando volto à cabeça sinto que
alguém se esconde atrás de mim. Procuro por toda parte atrás dos troncos, atrás
das pedras, e não encontro ninguém. Chamo e não tenho resposta, mas sinto que
alguém me ouve e se guarda de responder. Se me deito, não consigo descanso.
Corri a corrida da primavera e não sosseguei. Banho-me e não me refresco. O
caçar enfada-me. A flor vermelha está a ferver em meu sangue. Meus ossos
viraram água. Não sei o que...
- Para que falar? Observou
Baloo. Akelá disse que Mowgly levaria Mowgly para a alcatéia dos homens outra
vez. Também eu o disse, mas quem ouve Baloo? Bagheera, onde está Bagheera? Esta
noite se foi? Ela também sabe disso, é da lei. Quando nos encontramos nas Tocas
Frias, homenzinho, eu já o sabia acrescentou Kaa. Homem vai para homens, embora
a Jângal não o expulse. - A Jângal não me expulsa, então? Sussurrou Mowgly. -
Os irmãos Gris uivaram furiosamente: - Enquanto vivermos ninguém, ninguém
ousará...
– Mowgly lembrava quando se
mudou da Alcatéia de Seone. É hora de parar de correr. Ele viu uma pequena
cabana e uma luz. Cães latiram. Ele emitiu um profundo uivo de lobo, que fez os
cães calarem e tremerem. Escondido nos arbustos Mowgly também tremeu. Por outro
motivo. Conhecia aquela voz. Entendeu o que ela dizia. Lembrava bem. Quem está
aí? Quem está aí? Mowgly gritou baixinho: - Messua! Messua! – Quem chama?
Respondeu a mulher com voz trêmula. – Nathoo! Respondeu Mowgly. – Vem meu filho.
Ela se lembrou. O acolheu, deu-lhe de beber e comer. Cansado Mowgly deitou-se e
dormiu sono profundo.
– Mowgly acordou e ouviu o irmão Gris chamando-o lá fora. Messua olhou
para ele. Era um Deus da Jângal, reconheceu. Quando o viu sair abraçou-o. Volte
sempre disse. A garganta de Mowgly apertou-se. Disse quase chorando – Voltarei
– sim voltarei. Ele gritou com lobo Gris – porque não vieste quando o chamei? –
Não foi tanto tempo assim, ainda ontem estávamos juntos respondeu. Você sabe, o
tempo das Falas Novas chegou não te lembras?
- Irmãozinho, porque estás comendo e dormindo na Alcatéia dos Homens? – Se
tivesse vindo quando o chamei isto não teria acontecido. – E agora como será?
Perguntou o lobo Gris – Ele ia responder quando viu uma mocinha em direção à
alcatéia dos homens. A seguiu com os olhos até ela ser perder ao longe. E então?
Perguntou de novo o Lobo Gris. Agora não sei... Respondeu suspirando. Lobo Gris
calou-se. Mowgly também. Quando abriu a boca foi para dizer a si próprio: - A
Pantera Negra falou a verdade. O homem sempre volta para o homem.
- Raksha, nossa mãe também disse. E Akelá na noite do ataque dos Dholes, também
Kaa, a serpente da rocha. - completou Mowgly. E tu irmão Gris, que disse tu? –
Eles te expulsaram uma vez. Disse o Lobo Gris. Eles queriam te lançar na flor
vermelha. Mandaram Buldeu te matar. São maus. Foste admitido na Jângal por
causa deles. - Para! Que estás dizendo? - - Lobo Gris respondeu - Filhote de homem,
senhor da Jângal, filho de Raksha, meu irmão de caverna – O teu caminho é o meu
caminho. A tua caça é a minha caça e tua luta de morte é a minha luta de morte!
Mowgly já tinha resolvido o que fazer. – Vá, disse – Reúne o Conselho na Aroca,
irei dizer a todos o que tenho no meu coração. Em qualquer outra estação
aquela novidade teria reunido na Roca o povo inteiro da Jângal; - Lobo Gris
saiu pelas planícies chamando a todos. O Senhor da Jângal volta para os homens.
Vamos à Roca do Conselho. Todos respondiam – Só no verão, venha você e ele
cantar conosco! – Quando Mowgly chegou a Roca, encontrou apenas lobos irmãos.
Baloo que estava quase cego e a pesada Kaa. – Termina aqui o teu caminho,
homenzinho? Disse Kaa – Grita o teu grito! Somos do mesmo sangue, eu e tu,
homens e serpentes!
Lembra-te que
Bagheera te ama, disse ela por fim, retirando-se num salto. No sopé da colina
entreparou e gritou: Boas caçadas em teu novo caminho, senhor da Jângal!
Lembra-te sempre que Bagheera te ama. Tu a ouviste murmurou Baloo. Nada mais há
a dizer. Vai agora, mas antes vem a mim. Vem a mim, ó sábia rãzinha! - É
difícil arrancar a pele, murmurou Kaa, enquanto Mowgly rompia em soluços com a
cabeça junto ao coração do urso cego, que tentava lamber-lhe os pés.
- As estrelas desmaiam, concluiu o lobo Gris, de
olhos erguidos para o céu. Onde me aninharei doravante? Por agora os caminhos
são novos... “O abutre Chill conduz a noite
incerta, e que o morcego Mang ora liberta - É esta a hora em que adormece o
gado, pelo aprisco fechado. É esta a hora do orgulho e da força unha ferina
aguda garra. Ouve-se o grito: Boa caça aquele que a Lei da Jângal se agarra”. Canto
noturno da Jângal.
Nota – -E me seguireis na alcateia dos homens
também? - -Não o fizemos na noite em que os de Seeonee te expulsaram do bando?
Quem te despertou quando dormias nas roças? - Sim, mas me seguireis de novo? -
Não te segui esta noite? – Mas me seguireis sempre, outra vez e outra vez,
irmão Gris? O lobo calou-se por uns instantes. Quando abriu a boca foi para
dizer a si próprio: - A pantera negra falou a verdade... Que o homem volta
sempre para o homem, no fim Raksha, nossa mãe, também disse. E Akelá também na
noite do ataque dos Dholes, acrescentou Mowgly. E também Kaa, a serpente da
rocha, que possui mais sabedoria do que todos nós.
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