Lendas
Escoteiras.
O doce
sorriso de Jota B.
Ele não tinha olhos verdes ou
azuis. Eram negros, olhos que brilhavam. Sua face era rosada e seus lábios
pequenos não diziam nada de sua beleza. Franzino ele conquistava a todos pelo
seu estilo franciscano e fraterno. Jota
B era um menino comum. Na Patrulha Lagarto muitas vezes se esqueciam dele.
Quase não falava, mas sabia tudo. Nos acampamentos era uma mão na roda.
Cozinhava, fazia belas pioneirias, sempre se oferecendo como voluntário em tudo
que se pedia. Se ele não fosse todos reclamavam pelo serviço a fazer.
O bom em Jota B era sua
brandura, sua calma, seu olhar franco e sem afetação e sabia ouvir. Um ótimo
ouvinte. Nunca ninguém reclamou dele na patrulha. Ao contrário era sempre
elogiado. Não só a Lagarto, mas todos na tropa inclusive o Chefe Dakota. Filho
de um índio americano com uma brasileira de Porto Seguro Jota B era a
personificação da paz. Olhar para ele era como se estivesse olhando um mar de
mansidão, harmonia, serenidade e bonança.
Dona Flora sua Professora o
amava como se fosse um filho. Os colegas de classe tinham um respeito enorme
por ele e no alto dos seus onze anos sempre o procuravam para aconselhamento, e
ter com ele um momento de quietude, mansidão e paz. Dona Carminha e seu Randolp
seus pais tinham um orgulho enorme do filho. Ele queria ser um médico para
ajudar a todos sem cobrar um tostão. Quem o conhecesse acreditava. Ele tinha
tudo, boas notas, bem quisto, amado e claro, um Escoteiro que sabia o valor da
Lei, da Promessa e tudo que o Chefe Dakota ensinava.
O Pastor Rosivaldo da Assembleia
de Deus a qual seus pais participavam sorria toda vez que o via. Sempre dizia
para ele: - “Jota B, todos nós
sabemos que a oração é o único meio de comunicarmos com Deus. É através da
oração que resistimos aos ataques do diabo, recebemos vitória sobre nossas
fraquezas e aprendemos que conviver com amor faz parte de todos nós”.
A vida em Verdes
Mares calma e tranquila mudou da água para vinho depois daquele dia. Porque
tinha de ser assim? Aconteceu de repente. – Ela bateu de leve em seu ombro. – Jota
B, vamos cabular a aula hoje? Ele olhou para ela. Sabia quem era. Era da Turma A
e ele da C. Nunca conversaram e nem sabia seu nome, mas o convite o assustou.
Ela riu. – Está com medo? Você é santo por acaso? Sempre dizendo sim senhor e
não senhor? – Jota B sorriu de leve. Não respondeu. Ela continuou. – Adoro
viver em perigo, você não gosta? Fazer o que nunca fizemos.
- Vamos mudar a
rotina, algum diferente, vamos entrar em um ônibus e ir até o centro. Vamos
passear de mãos dadas pelas ruas cheias de gente estranha que não sabe quem
somos. Quem sabe encontramos uma aventura que você e eu nunca tivemos e nunca
vamos esquecer? Ele lembrou seu nome. Dagmar. Não era bonita nem feia. Mas que
sorriso ela tinha. Suas palavras entraram fundo em seu coração. Cabular aula?
Nunca fiz isto. Não quero, e minha lei Escoteira não permite.
Ela o pegou pela
mão. Mãos macias agradáveis que deram a Jota B uma sensação diferente, uma vontade
de ir, de ver o que iria acontecer, de fazer alguma coisa diferente. Lá foram
os dois pela Rua Santa Ângelo atrás do ônibus que os levaria para o centro da
cidade. Sentaram bem atrás. Jota B não olhava para ela. Estava envergonhado do
que fazia, mas ela era uma tentação. Seu convite, seu sorriso, seu desafio e
suas mãos macias foram demais para ele.
Ela falava,
matraqueava e Jota B encantado com tudo que ela dizia. Falou de seus pais, que
não gostavam dela, que nunca perguntavam suas notas. Falou de sua professora
que nunca lhe deu um abraço, um elogio mesmo com suas notas que eram boas. Falou,
falou e falou. Jota B só ouvia. Não tinha o que dizer. Viu quando o ônibus entrou
na Paulista. Nunca fora ali e só conhecia pela TV.
Desceram em
frente ao MASP que estava cheio de gente. Muita gente. Uns gritavam palavras de
ordem com placas nas mãos. A maioria estava escrito: - Cadeia para os corruptos!
Juntos aos manifestantes muitos mascarados. Jota B se assustou. Dagmar não, ela
o levou mais para dentro da manifestação. Em pouco tempo explodiram bombas de
gás. Jota B tinha os olhos cheios d’agua e chorava. Dagmar sorria e dizia que
era seu momento. Sempre Sonhou com isto.
Um moleque de uns
desesseis anos tentou arrancar um pequeno colar que ela usava no pescoço.
Dagmar resistiu e chutou o marginal. Ele tirou da cintura uma arma e apontou
para Dagmar. Jota B era pacífico. Nunca brigou ou lutou com alguém e nem sabia como
lutar. Quando ele viu que o marginal ia atirar pulou em suas costas segurando
sua jugular. O marginal mais forte com um solavanco o jogou ao chão e atirou! Jota
B sentiu que tudo ficava escuro. Não sentia dor. A escuridão o levou a uma
nuvem que viajou rápido para as estrelas. Em uma delas parou e viu que ali
tinha inúmeros amigos que sorriam para ele.
Jota B sorria
também. Ele se lembrava de que um dia morou ali. Sentiu um vento soprando que o
jogou em um redemoinho. Foi puxado com força de volta para sua cidade. Tentou
abrir os olhos, devagar, piscou algumas vezes, pois tudo estava como se uma
nevoa tivesse invadido aquele quarto. Notou seus pais olhando para ele e sorrindo.
Notou ao lado deles o Pastor Rosivaldo dizendo: Bendito seja Deus! Notou o
Chefe Dakota o olhando severamente, mas com aquela bondade de um segundo pai.
– Mamãe! Onde
estou? – Você está de volta meu filho, esteve lá na estrela onde sempre morou,
mas só vai para lá daqui a muitos e muitos anos, ainda não chegou sua hora!
Jota B sorriu, queria perguntar, mas sentiu dificuldade em falar. Sentia dor no
peito e quando falava doía. Seu pai disse que seria por pouco tempo, logo ele
estaria bom de novo. Sorriu porque não viu neles nenhuma admoestação. O Chefe
Dakota deu um passo à frente, olhou para ele e disse: - Jota B, ai fora tem uma
menina chorando. Não parou de chorar desde que você foi internado aqui. Quer
pedir perdão a você! Posso deixá-la entrar?
“Só quem entende a beleza do perdão, pode julgar seus semelhantes”.
Nota - Eu já escrevi
muitas histórias sobre o perdão. Quase nenhuma fica sem uma palavra de
conforto. Chico já dizia: - Perdoa agora, hoje e
amanhã, incondicionalmente. Recorda que todas as criaturas trazem consigo as
imperfeições e fraquezas que lhe são peculiares, tanto quanto, ainda
desajustados, trazemos também as nossas. Boa leitura!
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