Papeando
em volta do fogo.
Um
lindo alvorecer na morada da Terra do Sol.
Retornava da
minha caminhada de quinhentos metros. Cansado, ofegante tomava meu café quando
bateram palmas na porta de casa. Domingo é sempre assim. Religiosos nos convidando
para ouvir a palavra do Senhor. Porque não? Gosto de vê-los lendo os
mandamentos de Deus. Quando acontece descanso em uma cadeira, pois ficar em pé
é difícil e ouço com amor, e olhem, nunca digo que sou espiritualista. Eles não
gostam. Afinal ouvir é bom e não prejudica ninguém. Mas naquele dia não eram
eles.
No portão uma
figura imponente. Cabelos brancos compridos até o ombro, barba branca bem
penteada e uns olhos azuis que chamuscavam ao olhar diretamente para ele.
Vestia um paletó branco, comprido que ia até o joelho. Uma camisa azul
brilhante com um pequeno lenço verde garrafa amarrado no pescoço. Usava uma
calça de gabardine cinza e calçava uma sandália de couro marrom sem meias.
Trazia nas mãos uma forquilha. Senhor! Que forquilha! Linda, envernizada com
caracteres que não consegui ler. Onde o V fazia uma curva acentuada parecia
estar cravejadas de pedras preciosas em delicioso arranjo.
Quem seria? Nesta cidade grande todo cuidado é
pouco. Loucos, assaltantes, pedintes, acorrem em nossa porta. Mas o sorriso do
"Velho" era cativante. Aproximei. Senti um aroma de flores
silvestres. O "Velho" sorriu e chegando perto disse: – Posso lhe dar
um abraço? Fiquei estarrecido! Nunca ninguém bateu em minha porta oferecendo um
abraço! Peguei as chaves, abri o portão e ele entrou como se estivesse entrando
em um castelo de Reis.
Encostou a
forquilha encantada na parede e me deu um abraço! Gente! Que abraço. Com meus 77
anos me sentia como se fosse um menino sendo abraçado pelo papai. Fiquei sem
jeito. – Aceita um café? – Obrigado Chefe Vado, mas não podemos perder tempo.
Vou levar você para ver o alvorecer na Morada do Sol. – Me levar? Assustei-me.
Tenho que tomar cuidado pode ser alguém com acesso de loucura – Como se
estivesse lendo meus pensamentos sorriu e disse – Sorria, venha comigo. Sei que
Dona Célia está fazendo a feira e volta logo. Mas estaremos de volta muito
antes. – Pegou-me pela mão e sem fechar o portão saímos voando, em uma aventura
sem igual.
Nas alturas soltou
minha mão. Gente! Eu “volitava” sozinho no ar como se já tivesse feito isto há
muito tempo. Em segundos estávamos em uma montanha, onde as árvores eram
lindas, as folhas de um verde que nunca tinha visto e lá no alto um pico
envolto em nuvens que para dizer a verdade, fez meu coração disparar. Lindo!
Uma montanha linda que nunca vi. – Como chama? Perguntei. – Você conhece você
já esteve aqui. Serra do Sol Nascente. A morada do sol – Me lembrei. Mas não
era assim! Eu disse. Ele me olhou e carinhosamente disse - Porque você só viu o
que queria ver!
- De novo saímos
voando. Em segundos fui transportado para um lugar dos mais lindos da terra.
Uma maravilhosa cachoeira. Uma névoa branca como se fosse orvalho enfumaçado formava
em sua queda um espetáculo incrível. O barulho da queda era como se estivesse
ouvindo uma orquestra de cordas tocando maravilhosamente “The Lord of The
Rings”. Pensei isto deve ser um sonho. Pássaros dançavam balé fazendo
acrobacias. – Onde estamos? Perguntei! – Na Cachoeira da Chuva, você já esteve
aqui! – Como? Não vi nada disto que vejo agora. - Porque você só viu o que
queria ver!
E lá fomos de novo voando nas nuvens brancas
do céu. Descemos na sombra de um lindo castanheiro. Era madrugada. O orvalho
caia, uma brisa fresca tocou-me o rosto. Ouvi as primeiras badaladas do
amanhecer. A passarada voava de galho em galho esperando o sol nascer. Beija
flores, Tico-Tico, Sabiás, canários belgas, pardais graciosos, todos com suas
gralhas graciosas cantavam naquela bela manhã. Onde estamos? Perguntei – Não
reconhece? O castanheiro do quintal da sua casa quando menino. - Mas não era
assim, eu disse. Ele gentilmente respondeu – Porque você só viu o que queria
ver.
E assim ele me levou a longínquos
lugares perdidos neste mundo de Deus e sempre a me dizer – Você já esteve aqui.
Quando me levou em nuvens brancas enormes no céu, ouvi milhões de escoteiros
cantando canções sublimes. – Que canções maravilhosas são estas? – As mesmas
que você sempre cantou. Muitas vezes gritadas, sem nexo e você não procurou ver
a beleza da melodia que elas possuíam, pois você só ouviu o que queria ouvir!
Voltamos, avistei o portão de minha morada.
Não entrou. Disse-me: Vado escoteiro procure ver as coisas como são, procure
sentir a beleza das cores, do arco íris, dos lindos sonhos que acontecem com
você. Procure ser sincero e diga a sí mesmo que a beleza da vida é ser feliz
com o que mora dentro de você! As cores são belas quando temos amor. Os cantos
são belos quando sabemos diferir a letra e a música tocada. Os pássaros são
sempre os mesmos, cantam quando vemos a beleza que eles têm. Uma arte para
poucos.
– Ao se despedir me disse: – Posso lhe dar
outro abraço? E foi então que quase chorando vi novamente papai a me abraçar. Saiu
calmamente pela rua, escorando na sua linda forquilha cravejada de brilhantes e
na esquina me deu seu último adeus. Elevado ao céu por uma novem sumiu no azul
do espaço sideral.
Na varanda emocionado vi
quando a Célia chegou. Olhou para mim: – O que foi? Porque esta sorrindo assim?
Sabe mulher, acho que nunca vi o que deveria ver e agora procuro ver as coisas
como devem ser vista. Nunca tinha observado como você é bela, a mais linda
mulher que conheci! Fiquei em pé me aproximei e disse – Posso lhe dar um
abraço?
Nota
– A verdadeira beleza das coisas e das pessoas esta nos olhos de quem vê. Você
pode não encontrar, mas ela existe. Olhe devagar, com calma, respire fundo,
suspire deixe seu pensamento vagar por um jardim florido que só você conhece. Procure dentro de si, mais precisamente dentro de seu
coração. Quando encontrar, tudo no mundo ficará muito mais belo e atraente do
que você já viu!
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