Contos de Fogo de Conselho.
O último Chefe Escoteiro.
Oitenta e quatro anos.
Sonhava com seu último acampamento. A família contra. Sabia que se não o
deixassem ir iria morrer em breve. Uma história impossível, uma vontade de
voltar a ser o que era e superar seus limites. Saudades que machucavam ao
lembrar-se dos tempos que se foram e hoje não voltam mais!
Ele queria fazer seu último
acampamento escoteiro. Idade avançada à família preocupada. Dia e noite ele só
falava nisto. Nos idos passados acampava muito a escoteira, ou seja, só. Agora
com seus 84 anos mal conseguia andar. Claudicava, tremia, respirava e mal ouvia
sua voz. Um dia tomou uma resolução. Comprou um pequeno balão de oxigênio para seis
dias, preparou um bornal com todos os medicamentos que usava e sorrindo dizia:
– Será meu último acampamento. Se morrer acampando morrerei feliz, dizia. Contou
para os amigos mais chegados. Nenhum deles concordava com tal absurdo. Teimoso
e obstinado não desistiu. Sua esposa horrorizada tentou demovê-lo da ideia e
não conseguiu. Seus filhos nada. Passou a não receber amigos escoteiros. A
família chegou à conclusão que se ele não fosse morreria em poucos dias. Quem
sabe tutorado ele poderia ir? Um filho médico concordou e assumiu a
responsabilidade.
Chefe Zezé preparou tudo com
calma. Do baú tirou sua mochila, seu uniforme que ele mesmo lavou e passou. Sua
manta de Fogo de Conselho, seu chapéu de três bicos de abas retas ele limpou o
tope que comprou ainda em 1947. Colocou seu penacho azul. Engraxou sua botina
de campanha, viu que seu meião não estava puído. Fez questão da jarreteira.
Pediu a esposa para costurar os barretes das medalhas que ganhou, não eram
muitas. Sorriu ao pegar sua faca Escoteira, seu facão sua machadinha e sua bússola
Silva. Tinha a Prismática, mas achava a Silva melhor. Gostou de ver o cinto com
a fivela brilhando. Não se esqueceu da velha Bandeira do Brasil. Andava pela
casa zanzando e dizendo: Vou fazer meu último acampamento, se vou! Sua mente voltada
para o dia de sua promessa. Quantos amigos de patrulha, quantos acampamentos,
quantas matas adentraram, correram pelas campinas, subiram em serras e
montanhas. Ah! Meus velhos tempos ele dizia.
Comprou passagens para
Lagoa Dourada com saída a meia noite. Seu filho sorriu. Tinha um amigo lá. Combinou
tudo por telefone. Ele seria monitorado todos os dias. Preparou sua matutagem
para quatro dias. Levou uma pequena lona para servir de abrigo. Não precisava
de barraca, nunca precisou. Não esqueceu a capa de chuva. Seu sorriso valia toda a saga que iria
realizar. Seu filho o levou à rodoviária. Seis horas de viagem. Calculou chegar
às seis da manhã. Deixou-o no ônibus e foi para casa. Às nove da manhã seu
amigo ligou dizendo que ele não havia chegado. Sinal vermelho. Os irmãos se
reuniram. Vamos até lá disse um deles. O desespero tomou conta da família. A
Polícia foi acionada. Busca em todos os lugares. Bombeiros, elicópteros. Nada.
Chefe Zezé sumiu! Não sabiam mais o que fazer. A polícia desistiu. Ninguém quis
mais procurar. Seus filhos precisavam voltar à luta. Tinham seus empregos.
Esposas, flhos. A vida continua.
Um mês depois a esposa do chefe Zezé
parou de chorar. Os olhos vermelhos inchados. Dois meses após receberam um
telegrama. Um vaqueiro disse ter visto um homem parecido com ele conforme
apareceu na Televisão. Ele estava na serra do Canta Galo. Esperanças... Será
que ainda estava vivo? Correram para lá. Quase nove horas de viagem. Serra
desconhecida. A cidade pequena. Muitos o viram quando chegou há dois meses. Encontraram
o vaqueiro que serviu de guia. Arrumaram cavalos e subiram a serra. Local ermo
e de difícil acesso. Tinham medo do que iriam encontrar. Avistaram ao longe uma
fumaça branca subindo aos céus. Novas esperanças. Chegaram e o viram encostado
em uma árvore, sorrindo. Correram até ele. Respirava e parecia dormitar. Abriu
os olhos, sorriu. – Bem vindo meus filhos!
O filho médico o examinou. Achou
estranho. Sua respiração melhorou. Ele se levantou, olhou para o céu, para as árvores,
um pássaro preto em um galho voou. Alguns outros se juntaram a ele. Todos
voando em volta do chefe Zezé. Borboletas surgiram. Azuis, vermelhas, verdes e
amarelas. E então vamos? – Ele disse. Com sua cabeleira branca e vasta caindo sobre
a testa. Começou a cantar a pleno pulmões – “Avançam as patrulhas, ao longe, ao
longe”! Despediu dos pássaros, de dois quatis e de dois lobos guarás que o
olhavam ao longe. Despediu da mata da cascata e do local onde acampou. Desmanchou
o campo com carinho, não pediu ajuda. Arrumou sua mochila, e com ela nas costas
gritou! – Avante, Bandeiras ao vento! Agradeceu a oferta de ir a cavalo. Andava
como uma lebre. Incrivel pensavam. Mais acima dois quatís acompanhavam e mais
ao longe dois lobos guarás do rabo curto. Uma passarada foi com eles até a
cidade. Dizem que na cidade todos bateram palmas. Os pássaros o acompanharam
por muitos quilômetros.
Quando soube da história fui visitá-lo.
Recebeu-me com um abraço e um sorriso. O que me contou foi de tirar água na
boca. Daria tudo para participar de um acampamento assim. Sabia que os filhos
queriam monitorá-lo. Deu um baile neles. Desceu do ônibus logo ao sair da Rodoviária,
e esperou o que o levaria a Serra do Canta Galo. Local maravilhoso, linda
aguada e um céu incrível belo para contar estrelas. - Chefe, montei um campo de
patrulha dos meus velhos tempos. Tinha tudo que pode imaginar. Minha cabana
aguentou chuvas e vendavais. Minha ração acabou, mas a fartura ali era imensa.
Aipim, jabuticabas, bananas, mandioca, taioba, Maracujá, mamões e frutas
silvestres à vontade. Ali era um éden. Resolvi ficar e morrer neste paraíso. Senti-me
revigorado, meu ar voltou. Não senti mais a fraqueza de sempre.
- Chefe, pretendo voltar. Minha
família diz que não, mas preciso rever os amigos que deixei lá, o Caminheiro e
a Midiata dois lobos que sei não se esqueceram de mim. Os pássaros amigos e os
dois quatis que não me deixavam ir sem sua companhia. Lá Chefe tem o mais lindo
céu de estrelas do mundo! Fiquei triste por Sinhá minha amada esposa. Ela
sentiu muito a minha falta. Mas quando voltar ela saberá onde estarei. Até hoje
alguns pássaros ainda me visitam. Olhe sei que muitos me acham louco. Risos. Eu
não sou meu amigo, não sou. Que pensem assim e não me importo. Não existe um
minuto ou segundo que minha mente me transporta para lá.
Fui para casa pensando
no Chefe Zezé. Sentei na poltrona e calado meditei por muito tempo. O que ele
contou parecia uma fábula daquelas que conto e tento acreditar ser verdade. Ele
fez o que é sonho de muitos. Mas lutou pelos seus sonhos e chegou lá. Um dia
quem sabe eu faço assim também e parto para meu destino no campo dos meus
sonhos? Que Deus me dê forças!
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