Lendas
Escoteiras.
Ninguém foge ao
seu destino.
Era uma vez... - Tem
gente que ama o silêncio, ficar calado, viver a natureza em todo seu esplendor.
Chefe Leopardo foi assim. Escolheu um estilo de vida e eu tive de aceitar e
porque não dizer: - Quem não gostaria de ser como ele? Apenas uma história...
Ou será uma estória? Vocês decidem.
- Eu só o vi Chefe quando ele
passou em frente ao meu mercadinho. Assustou muita gente. Contaram-me depois
que surgiu lá na trilha de Santana, passou pela rua do centro de cabeça
erguida, só olhando para frente e não cumprimentou ninguém! – Chefe acredite, ele
estava de uniforme, calça curta, Chapelão e uma imponência de fazer inveja. Uma
barba grisalha, os cabelos também grisalhos amarrados atrás como um rabo de
cavalo. Andava devagar, como se estivesse em transe, seguido pelo seu cavalo e
que cavalo lindo Chefe. Um Baio de pêlo castanho com crinas pretas. Era
realmente uma imagem incrível para se guardar para sempre. Ele não segurava a
rédea. O animal o seguia onde fosse. Nas janelas cheias todos admiravam o
escoteiro sem nome. Havia um silêncio arrepiante. Só quando ele sumiu na estrada
da Fazenda Céu azul que pertenceu ao falecido Salomão foi que todos deram conta
que algum estranho estava para acontecer.
E sabe Chefe depois
daquele dia ele nunca mais apareceu aqui no arraial. Sumiu por completo. Disseram
que era um Escoteiro feiticeiro. Outros diziam que iria destruir o arraial. O
boato morreu assim como surgiu. Terrinha um meeiro que trabalhava na Fazenda
Céu Azul disse que ele érea o novo proprietário. Seu nome era Chefe Leopardo. Todos
diziam que não havia fazenda nenhuma. Só terras e areia banhado pelo rio
Barrento. Terrinha contou também que ele quando vem à cidade faz uma lista do
que quer. Sempre Pó de café, açúcar e sal mais nada. O bom é a gorjeta. Não
duvidei de Campanário o dono da Mercearia. Seria mesmo o Chefe Leopardo? Sumiu
há anos, deixou tudo para trás, não disse adeus a ninguém. Nem mesmo seus
Escoteiros souberam de nada. Nem mesmo o Chefe Noraço e Malemont o sênior.
Era uma notícia para investigar. Eu tinha de
saber o que houve. A sorte não aparece duas vezes. Por falta de gasolina parei
ali em Verdes Mares, nome danado, pois só um riacho pequeno passava por lá.
Conhecia Campanário. Foi da minha patrulha sênior e grandes amigos. Fiz um
lanche na Mercearia dele a única do arraial, e conversamos um pouco. Eu seguia
para Lontra Verde, uma cidade próxima a pedido do Seu Tanquinho. Pediu-me para
comprar umas dez mil dúzias de tijolos. Quando disse que ia até lá na fazenda
Céu azul Campanário me alertou; Chefe são três léguas, sem estradas e a cavalo vai
demorar umas três horas. Sem problemas Campanário. Preciso tirar isto a limpo.
Ele prestativo deixou a mercearia e meia hora depois apareceu com uma mula
linda, uma Andaluz alta, arriada – Chefe Zé Birosca me alugou. Depois o senhor
paga para ele.
Foram duas horas e meia
até avistar a choupana do Chefe Leopardo. Incrível! Toda feita de madeira original
nos moldes das cabanas do velho oeste americano. Em volta cavou um fosso em
meio circulo, pois sua choupana era na beira do rio e ninguém poderia chegar
sem atravessar o fosso. O mais espetacular era o mastro de bandeira que construiu.
Vi que o cabo subia automaticamente tocado pela correnteza do rio. Uma enorme
bandeira Nacional estava hasteada. Desci do cavalo e ele chegou à porta. –
Tarde! Eu disse. – Ele não disse nada. – Ficamos olhando um para o outro.
Tentava lembrar-se de mim. - Olá Vado, o que fazes aqui? – Visita Chefe
Leopardo. Ou não posso visitá-lo uma única vez? – Ele pegou um cipó curado, e vi
que uma ponte pênsil logo se firmou em cima do fosso. - Sua mula fica aí.
Perigoso ela atravessar a ponte.
Próximo à choupana construiu um chiqueirinho,
um galinheiro e uma horta de tirar o chapéu. Entrei na sua casa e me espantei.
Uma mesa de peroba rosa, toda feita com encaixe e bancos confortáveis. Ele
construiu também um quarto com cama e mosquiteiro feito de lascas de bambuzinho
chinês. – Sente-se Vado, só peço para não contar as novidades. Sou feliz assim
sem saber mais nada do meu passado; - Pegou-me de surpresa. – Mas sei que veio
aqui para saber o que aconteceu. Gosta de escrever e não ia deixar passar em
branco. Sabe Vado eu gosto do silêncio da minha choupana, do meu trabalho, eu
estou sempre fazendo uma pioneiria ali e acolá, adoro pescar traíras a noite.
Gosto de Caçar um quati, uma capivara com meu arco para comer carne fresta. À
noite acendo meu fogo, deito na relva para contar estrelas, amo o por do sol e
o nascer do sol com as borboletas ciscando nos meus ombros e cabelos ao
alvorecer.
Um dia vi que a vida não
tinha o que eu queria. Amava meus Escoteiros. Mas eu precisava de algum mais.
Juntei um dinheirinho e fui para o Nepal. Passei quatro anos em um mosteiro. Também
não era o que sonhei para mim. Nunca seria um monge mesmo gostando do silêncio.
Comprei esta fazenda. Aqui tenho tudo que quero. A terra é boa, ela é minha
amiga, tudo que planto dá retorno. Aqui eu tenho tudo que eu desejo. Não quero
companhia, não vou casar e ter filhos. Quando meu corpo não me obedecer mais e
chegar a hora de morrer, morrerei sentado na curva da lontra onde fiz uma linda
cadeira de balanço. É lá que vivo e faço parte da natureza. É lá que sinto a
minha liberdade e me sinto livre de todas as amarras da civilização.
Chefe Leopardo
sorriu. Disseram-me que ele nunca sorria. - Hora da bandeira ele disse. – Quer
participar? – A bandeira farfalhava ao sabor do vento ali na beira do Rio
Barrento cujas águas eram límpidas claras e serenas onde se podiam ver os
peixinhos a nadar. Durante a descida ele cantou o Hino Alerta. Sua voz rouca
não titubeou uma única vez. Apertei sua mão esquerda, ele me agradeceu a visita
e me pediu que mantivesse segredo. Ele queria continuar sua vida de ermitão.
Ali morava e ali iria morrer. Agradeceu-me e quando partia ele me disse – Dê
lembranças ao Campanário! – Você o conhece? Perguntei. – Claro Vado, ele foi
Escoteiro junto a você. Diga ao Chefe Noraço e Malemont que eles ainda moram no
meu coração, mas não conte nada sobre mim.
Parti pensando o que era a vida. Campanário me
olhava querendo saber as novidades. Sorri e não disse nada. Se o chefe Leopardo
queria ter uma vida só dele era seu direito. Que ele vivesse em paz. Afinal eu
sabia que ele fez sua escolha e certo ou errado a vida era dele. Fico pensando
se eu não invejo sua escolha...
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