Lendas
Escoteiras.
A
sombra de um passado.
Era uma vez... - Se tiveres de chorar
por algum motivo que consideres justo, chora trabalhando, para o bem, para que
as lágrimas não se te façam inúteis. Nos dias de provação, efetivamente, não
seriam razoáveis quaisquer espetáculos de bom humor, entretanto, o bom ânimo e
a esperança são luzes e bênçãos em qualquer lugar. Chico Xavier.
Eu não sabia o seu nome. Nunca
perguntei. Passava em frente a minha morada de cabeça baixa, ofegante com uma
bengala bem trabalhada a mão. Era linda. Vez ou outra ouvia o toc-toc que ela
fazia quando ele estava muito cansado e a bengala servia a ambas as pernas. Ele
não era metódico, às vezes passava pela manhã bem cedo, outras à tarde quando o
sol se punha. Tipo caladão, barba por fazer, um boné cinza puído uma sandália
nordestina nos pés e uma roupa simples sem afetação. Calculei que estava
chegando aos oitenta anos ou mais. Um dia tropeçou em sí mesmo e quase caiu.
Fui até ele perguntando se podia ajudar. – Posso assentar um pouco?
Perguntou-me. Claro, e o levei até uma cadeira em minha varanda. – Desculpe,
falou. – Não há o que desculpar disse. – Ele me olhou nos olhos e senti ali nos
seus uma profundidade grande, uma história de vida e muito sofrimento mais que
alegrias. – Você é escoteiro não? Disse ele. – Sorri, e disse que sim. – Eu
passei por aqui um dia que você estava com uma mochila ajeitando sua carretinha
atrás do seu carro e cheia de tralhas. – Pois é, disse fui acampar com a tropa.
Ele balançou a cabeça e ficou em silêncio.
Corri até a cozinha e lhe trouxe
um copo com água. Bebeu devagar, calmamente tentando manter a respiração
normal. Agradeceu-me. – Eu também já fui um escoteiro, disse. – Que bom saber,
posso apertar sua mão? Ele sorriu e me deu à esquerda. Cumprimentamo-nos sem
forçar. Ele me olhou e disse: - Quanto tempo? – De escotismo? Perguntei. Ele
balançou a cabeça. – 40 anos. Entrei como lobo. – Ele fechou os olhos e vi que
uma tristeza enorme se apoderava dele. – Eu também fui lobinho, escoteiro e
sênior, depois saí e não voltei mais, completou. Olhou-me nos olhos e vi lagrimas
correndo pela sua face. Será que estava chorando? Pensei. – Foi a mais bela
fase da minha vida, continuou. Quando passei para os escoteiros era um jovem
forte, disciplinado, bom aluno com boas notas. Meu pai se orgulhava de mim.
Pensava que seria escoteiro para sempre, mas fiz quinze anos e o Chefe disse
que eu teria de fazer a Rota Sênior. Nem me perguntou se eu queria. Eu sabia
que mais cedo ou mais tarde tinha de deixar minha Patrulha que amava. O mesmo
já havia acontecido com minha Matilha.
Na Patrulha fiz muitos amigos. Polônio
foi um amigo especial. Juramos amizade eterna. Foi na beira da Pedra do Sal próximo
à fazenda Córregos Negros onde sempre acampávamos que fizemos um juramento de
sangue. Ele cortou um pouco seus pulsos, o sangue jorrou, fiz o mesmo e colamos
os antebraços jurando uma amizade eterna para sempre. Não foi fácil estancar o
sangue, mas conseguimos. A vida para nós era uma festa, uma alegria. Eu ia a
casa dele e ele na minha onde dormíamos, almoçávamos e nossas mães sorrindo por
ver tão bela amizade. Paulo, Wantuil e Darcy da mesma Patrulha entendiam que eu
e Polônio éramos mais que irmãos. No campo de Patrulha nos acampamentos éramos
admirados. Pioneirías tiradas da imaginação. Um dia... Ele parou e deu um
suspiro. Não sabia o que fazer. Fiquei ali calado sem interromper sua tristeza.
Ele tirou um lenço branco da
algibeira enxugou os olhos, me olhou e pediu desculpas. Chefe, muitas saudades,
tantas que sei que os tempos de felicidade nunca mais voltarão. – Foi Polônio
quem me convidou a fazer uma esticada (corda grossa) sobre o Rio Pedroso, e
depois treinarmos um pouco de comando Crow. Ele gostava de se exibir. Não era
um rio largo, quem sabe 20 ou 25 metros. Mas tinha uma correnteza forte e
quando tínhamos de ir do outro lado, subíamos até a baixada da Codorna para
atravessar. Os outros seniores vieram para ver o que íamos fazer. Darcy o
Monitor nos alertou para o perigo de cair nas águas profundas. Polônio riu. Ele
foi o primeiro. Era “cobra” no Crow. Eu sabia que ele sempre seria um campeão.
No meio da travessia ele olhou para trás piscou o olho e gritou: - quem não
passar é mulher do Padre! E foi então que ele despencou nas corredeiras como um
pássaro abatido por um tiro. Só vimos às águas se abrirem e ele desaparecer. Eu
sabia nadar muito bem e Polônio também. Mesmo assim mergulhei atrás dele.
Fiquei horas procurando e não o achei.
Wantuil pegou sua bicicleta e foi
buscar o Chefe e mais ajuda. Fiquei lá a noite toda gritando por ele nas
barrancas e nada. Vieram dezenas de pais, dos bombeiros, da policia e
procuraram pelo corpo por vários dias. Foram embora. Eu não fui. Não podia. Não
podia voltar e enfrentar a mãe e o pai de Polônio. Um dia meu pai e o pai dele
foram me buscar. Eu chorava não querendo sair dali. O tempo passou, eu passei
com o tempo sem pensar nas horas e quando devia parar. Machuquei-me para sempre
Chefe. Sai do escotismo e nunca mais voltei. Olhei para ele, chorava como se
fosse um menino. Levantou-se, me olhou nos olhos e partiu sem dizer adeus. Eu
não disse nada. Não havia o que dizer. Uma amizade de sangue não pode ser
desfeita. Mesmo na morte. Ele sabia disto. Daquele dia em diante esperava na
varanda sua passagem. Nunca mais passou. Foi Dona Ana quem me perguntou um dia
se era amigo dele. - Quem dona Ana? Aquele que um dia passou e ficou com você
contando causos e causos. Olhei para ela. – Sabe quem ele era?
Ela sorriu me olhou e disse. Polônio! Fiquei
estupefato. – Dona Ana, ele não era o Polônio! Ela rindo disse até logo e falou:
- Quem sabe seu Osvaldo quem sabe? Espirito vem e vai, outros não querem partir
e outros querem ficar! Deus do céu! Seria ele o Polônio que caiu no rio
Pedroso? Até hoje me fico a perguntar...
Nenhum comentário:
Postar um comentário