Lendas
Escoteiras.
Como era
verde o meu vale.
Nunca esqueci meu querido
pai, era ele que sempre me levou lá. Fazia questão de todos os sábados subir
uma pequena montanha na nossa cidade até um descampado onde se descortinava uma
vista linda. Lembro que nos meus dois anos, três e quatro eu pouco entendia.
Sentávamos e ficávamos a admirar o verde a pequena estrada de terra, as
plantações de cana, o pequeno bosque, os montes verdejantes e em alguns meses
do ano ficavam dourados. Meu pai dizia que eram as flores que desabrochavam. Dava
para ver o sítio do Seu Alfredo, e muito mais longe a Fazenda do Senhor
Lomanto. Meu pai não dizia nada. Ele um dia me disse: - Meu filho olhe e ame
cada pedaço deste vale. Faça dele um retrato vivo para lembrar em todas as
horas que estiver triste e que nada der certo para você! Eu não entendia nada.
Olhava e olhava. Queria conversar com ele, queria correr por cima das flores
que forravam o chão verde do capim gordura. Queria sorrir e brincar com ele,
mas ele sério, sentado na grama não tirava os olhos do vale em flor.
Até os onze anos, mesmo depois
que passei para os Escoteiros ele fazia questão. Parou quando foi para o céu.
Dia triste, era como se a terra me engolisse em suas entranhas e me aprisionava
com meu choro convulsivo. Os amigos de patrulha ficaram ao meu lado. Minha mãe
não chorava diziam que era uma mulher de fibra e eu nem sabia o que era isto. A
vida continua disse o Chefe Orlando. Ninguém está livre para dizer que vai
viver para sempre. Eu nem me lembrei do vale verdejante do meu pai. Eu devia
ter lembrado, pois ele sempre me aconselhava que nas horas tristes fechasse os
olhos e pensasse no vale. Seria um bálsamo para o meu coração. Os anos
passaram, eu cresci e esqueci completamente o vale florido do amanhecer como o
chamavam. Como Escoteiro estive em lugares incríveis que me faziam sonhar, mas
sem perceber vinha-me a mente o vale do meu pai. Não havia comparação. Como
sênior um dia avistei um vale lindo, amarelado, flores da primavera
desabrochando, borboletas azuis, vermelhas e douradas esvoaçando pelo ar. Mas
não se comparava ao vale do meu pai.
Tornei-me homem, casei amava
a mais linda mulher do mundo. Nasceu o primeiro filho e a felicidade era tanta
que me esqueci de tudo, da minha mãe e do meu pai com seu vale verdejante
sempre em flor. Ninguém é feliz para sempre e eu sabia disto. Eu sabia que os
dias passam e as rotinas nem sempre são as mesmas. Meu filho adoeceu. Eu e ela
ficávamos ao seu lado no quarto do hospital rezando para ele voltar a ser o que
era. Eram dias e noites onde a tristeza se misturava com as orações que
fazíamos pedindo a Deus que não o levasse. Chefe Escoteiro eu aprendi a
enfrentar as coisas difíceis, aprendi a sorrir se preciso, mas não era um bom
seguidor da lei que dizia que devemos sorrir nas dificuldades. Perdi quase tudo
que tinha. Vendi minha loja meu carro e minha casa para pagar as despesas de
hospital do meu filho. Nunca esqueci a ajuda dos meus amigos do escotismo. Eles
nunca me abandonaram nunca me cobraram as reuniões que não comparecia.
Eu tinha saudades dos meus
Escoteiros e Escoteiras, saudades das reuniões, saudades dos acampamentos, dos
sorrisos nas noites de Fogo de Conselho e até mesmo quando junto aos monitores
contávamos histórias fantásticas em volta de uma fogueira. Foram quase seis
meses de agonia, eu já estava perdendo a fé, meus olhos sempre vermelhos e
lágrimas não se faziam de rogadas para cair. Não sei por que não dominamos as lágrimas,
elas não pedem para aparecer e descer pelo rosto até cair ao chão e desaparecer
no tempo. O médico não nos dava mais esperança. Uma noite chorando eu vi meu
pai. Ele sorria, fazia sinal para segui-lo. Eu sabia onde, era assim que ele me
chamava sempre para ir com ela no verde vale do amanhecer. Agora eu sabia o que
tinha de fazer. Disse para minha amada que ia partir. Que ela rezasse por mim.
Seriam poucos dias. Um ônibus me levou a minha antiga cidade. Cheguei lá pela
manhã. Avistei a montanha onde se avistaria o Vale do meu pai.
Senti que não era mais o mesmo.
Cansei-me, parei várias vezes antes de chegar ao cume, ao local onde sempre em
cima do capim gordura a gente sentava e meu pai nada falava e só olhava o seu
verde vale florido. Quando cheguei lá havia um cerca. Antes passe livre agora
os homens diziam quem pode e quem não pode entrar. Deus criou a natureza, as
montanhas os rios, criou o vento os mares e as estrelas e não disse que
pertencia a alguém. O homem tomou tudo para si e decide quem entra e quem sai.
Passei entre o arame farpado e um corte profundo aconteceu em minhas costas.
Não liguei, fiquei a procurar o local onde meu pai me levava. Encontrei mas com
um arvoredo que tampava a vista. Desci um pouco e então eu avistei. O verde
vale florido do meu pai continuava lá. Sentei. Queria chorar, mas não era de
alegria. Queria que meu filho estivesse ali comigo. – Deus! Por favor, que
aconteça o que foi programado, mas se meu filho sobreviver eu o trarei aqui
para ver o que não vi antes e agora bate fundo em meu coração.
Fiquei no mesmo lugar por
horas. A noite chegou. Desci a montanha e retornei. Ao chegar ao hospital
centenas de pessoas na porta. Eu não aguentei. Chorei a mais não poder. A
noticia eu pedi que não me dessem. Ninguém sabia a dor que estava sentindo.
Entrei, cheguei ao quarto minha esposa e ela veio correndo me abraçar, mas não
chorava. Com lágrimas nos olhos me mostrou nosso filho sentado na cama e
sorrindo. Quase desmaiei de alegria. Não cabia em mim de contente. Esqueci-me
de tudo até da minha promessa de levar meu filho na montanha onde havia o verde
vale do meu pai. Um ano depois vi meu pai quando o toque de silêncio aconteceu
no acampamento de verão. Ele me fazia o sinal de sempre. Eu sabia que ele
estava me cobrando minha promessa. Não me fiz de rogado. Passei o comando para
os assistentes e voltei para casa. Falei com minha esposa sobre tudo. Ela
sorria e concordou. Acordei meu filho e fomos para a rodoviária. Ele sorria
como se fosse sair em férias.
Estamos aqui eu e ele a olhar
o Verde Vale do amanhecer do meu pai. Ele ainda não entende. Tem quatro anos. Sentados
na grama do capim gordura, ficamos eu e ele admirar o verde a pequena estrada
de terra, as plantações de cana, o pequeno bosque, os montes verdejantes e em
alguns meses do ano eu sabia que ficavam dourados. Disse para meu filho que o
colorido e o verde do vale eram as flores que desabrochavam sempre na primavera.
Mostrei a ele o sítio do Seu Alfredo, e muito mais longe a Fazenda do Senhor
Lomanto. Ficamos ali calados por muito tempo. Eu sabia que como eu no passado
distante ele não entendia nada. Baixinho quase sussurrando olhe para ele disse:
- Meu filho olhe e ame cada pedaço deste vale. Faça dele um retrato vivo para lembrar
em todas as horas que estiver triste e que nada der certo para você! Não sei por
que estava engasgado, meu coração batia forte, as lagrimas caiam como cascatas
que apareciam sem pedir. Ele me olhou e franziu a testa, alguém colocou a mão
no meu ombro. Era meu pai. Sorria, meu filho sorriu e o Vale verde do meu pai
também sorriu!
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