Lendas
Escoteiras.
Lamparina, um
Monitor inesquecível.
Quantos monitores eu conheci
em minha vida? Acho que centenas deles e olhe muitos foram meus amigos quando
juntos convivemos em centenas de atividades Escoteiras. Lamparina eu nunca
esqueci. Lembro-me quando passou para a tropa. Tinha corpo de um menino de doze
ou treze anos. Forte. Não sei como vivia como lobinho. Pensei como ele seria
com seu uniforme azul fazendo o Grande Uivo. Foi direto para a Patrulha Touro.
Foi ele quem escolheu. Confidenciou-me que um touro era parecido com ele.
Sempre olhando para frente e nunca desistindo de nada. Sabia de sua força por
isto ser um Touro o fazia feliz. Todos sempre tiveram o máximo de respeito por
ele. Maniento o Monitor do Touro não acreditou muito naquele menino metido a
forte e sorridente. Foi logo chegando quando faziam uma reunião de patrulha
dizendo: Monitor! No Acampamento do fim do mês na Cachoeira dos Macacos quero
que dê para mim como função construir as pioneiras básicas do campo. Sozinho.
Por favor! – Use os demais em outras funções!
Quando Maniento contou para
Sorridente seu Sub Monitor logo o boato se espalhou. Ninguém ria na sua
presença. Sabiam que um empurrão dele era tombo na certa. Maniento não se fez
de rogado. Disse para Canela e Porteira, os responsáveis pelas pioneirias de
campo que iriam deixar Lamparina fazer o que queria. – Monitor! – Disse
Porteira, mas ele é um lobinho o que sabe de pioneirias? Deixa prá lá. Vamos
ver o que ele sabe e se quer ser metido que seja. Dá tempo para pescar e comer
umas goiabas vermelhas no sítio do Seu Tomeu. Ficaram boquiabertos na volta. O
danado do Lamparina tinha construído uma bela Mesa Tripé, o toldo estava
esticado e montado, havia bancos em volta para todos e dois lugares para
convidados. O Fogão suspenso e o lenheiro deixou Mosquito o cozinheiro
estupefato. Perfeito! E com lenha para dois dias! E as fossas de líquido e
detrito? Nunca viram iguais. Todas abrindo as tampas automaticamente com duas
cordas esticadas. Cordas não, cipós!
Quando Pé de Cabra foi
procurar um matinho para suas necessidades Lamparina gritou para ele: - Siga a
seta! E não é que o novato fez uma privada perfeita? Daquele dia em diante
Lamparina teve um enorme respeito da patrulha. Fazia questão de fazer bem
feito. Seus nós, amarras e costuras de arremate eram de dar inveja. E com que
facilidade ele usava um cipó, uma machadinha e um facão. A tropa ficou sabendo
e muitos querendo aprender com Lamparina. E não ficou só nisto não. Tornou-se
perito em orientação, lia mapas e croquis com facilidade, dominava com
facilidade uma bússola Prismática ou a Silva. Em um acampamento construiu um
relógio de sól. Até o Chefe veio ver e aplaudir. Era de uma criatividade
incrível. O que fez de artimanhas e engenhocas deixavam todos perplexos. Chefe Montserrat pensou vários dias o que
fazer com o crescimento Escoteiro dele. Pelo que via bastava fazer a jornada e
entregar a Primeira Classe. Mas como? Ele não tinha nem a segunda classe? Era
um simples Escoteiro noviço.
Bem o tempo encarregou de
tudo. Lamparina se tornou um herói na Tropa Escoteira Visconde de Mauá. Não era
soberbo, nunca foi. Sua humildade contrastava com sua força agilidade e
inteligência. Quando Maniento passou para sênior assumiu a monitoria. Um
exemplo para os demais. Pé de Cabra, Canela e Porteira que tinham três anos de
patrulha e eram Primeira Classe não reclamaram. Era natural que Lamparina
assumisse. O Chefe Montserrat recebeu um convite para um Curso de Monitores que
chamavam de Ponta de Flecha. Ele não simpatizava muito com o curso. Achava que
os dirigentes do curso eram pomposos demais e muitas vezes ensinavam aos
monitores normas e cerimonias diferente do que fazia. Isto em tropas novas
poderia trazer discórdias, pois nem sempre o menino está pronto para entender o
objetivo do curso. Claro se tivesse um Chefe da tropa presente e ativo no curso
vá lá. Mas isto nem sempre acontecia.
Quando Montserrat foi
fazer uma visita, pois estava trabalhando e não pode participar da equipe,
viram os chefes boquiabertos com Lamparina. Praticamente levou os monitores a
aprenderem as técnicas, como fazer, como planejar, com entender seus
patrulheiros, como ser um amigo e irmão e ao mesmo tempo liderar e ser liderado
e até muitos dos chefes não saiam de perto dele. Ah! O meu amigo Lamparina.
Ficou até aos dezessete anos no Grupo Escoteiro. Um belo dia disse que recebeu
uma bolsa de estudo para uma faculdade na capital. Muito choro, muitas tristezas
muitos apertos de mão e ele partiu em uma tarde fria de um setembro cujo ano
nunca esqueci. Mil novecentos e cinquenta e nove! Fez uma falta enorme ao Grupo
Escoteiro. Sem ninguém perceber se tornou um líder de todos. Desde os lobinhos
até os pioneiros todos o amavam. Passou mais de dois anos sem voltar à cidade
de Pedra Quebrada. Eu mesmo como sênior em qualquer Fogo de Conselho ou em uma
conversa ao pé do fogo me lembrava dele. Era um mago, um palhaço lindo, um
contador de histórias sem igual. Dedilhava um violão com maestria que muitos
pensaram que ele seria um dia um cantor famoso.
Sempre a cada dois anos
ele voltava. Para ele era um volta a Giwell no seu Grupo Escoteiro que tanto
amou. Fazia questão de chamar a todos da patrulha, pois lá ainda estava
Maniento, Canela, Porteira, Mosquito, Sorridente e Pé de Cabra para um
acampamento. Fazia gosto de ver os sete uniformizados, com seus chapelões, orgulhosos
com suas mochilas e suas bandeiras ao vento indo descobrir novas florestas,
novas campinas, explorando vales e serras altas nas montanhas que circundavam
nossa cidade. Eu mesmo que não era da patrulha sonhava em um dia ser convidado
por ele. Quando esteve pela última vez deu um abraço apertado em todos. –
Amigos agora ficará difícil minha volta sempre aqui ao grupo. Vou partir, uma
proposta de trabalho na Suíça vai me tirar o sonho de estar com vocês sempre.
Deixo com vocês meu coração, meu amor e minha amizade. Nunca vou esquecer
vocês. Nunca. Todos viram em seus olhos naquele homenzarrão forte e alto
lágrimas que caiam no chão sagrado de sua cidade.
È como se diz por aí -
A razão por que a despedida nos dói
tanto é que nossas almas estão ligadas. Talvez sempre tenham sido e sempre
serão. Talvez nós tenhamos vivido mil vidas antes desta e em cada uma delas nós
nos encontramos. E talvez a cada vez tenhamos sido forçados a nos separar pelos
mesmos motivos. Isso significa que este adeus é ao mesmo tempo um adeus pelos
últimos dez mil anos e um prelúdio do que virá. O adeus triste e choroso
valeu por todos aqueles que viveram ao seu lado. Nunca mais voltou e por onde
anda deve ter enormes saudades como nós temos por ele. Lamparina, um Monitor que
a gente nunca esquece e que se podia se orgulhar!
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