Lendas
Escoteiras.
Os melhores
anos de nossas vidas.
Não era uma tarde sombria, havia nuvens no
céu e o sol já estava se pondo atrás das montanhas onde tantas vezes eu e ele
acampamos. É verdade quando diziam que nos cemitérios os pássaros quando pousam
nas árvores quase não cantam. Dizem que ao alvorecer eles fazem seus cantares
sem alarde quem sabe saudando os mortos que ali habitam. Sentado à moda índia em
frente a sua sepultura eu chorava copiosamente.
Olhava com os olhos rasos d’água aquela campa do jazigo número 343. Não havia
nomes, só o número. Ninguém fez uma homenagem em seu epitáfio, pois ali só
havia uma cruz de madeira apodrecida com o número. Não havia flores, grama nem
mesmo uma árvore com copas altas e sombreadas que ele tanto amava. Eram covas rasas
próximas uma das outras. Ninguém poderia saber que ele vivia ali em um túmulo
simples sem pompa ou sinal de riqueza.
A cruz de madeira já havia
caído com as chuvas e ventos que sempre acontecem neste lugar sagrado. Ela
poderia representar quem estivesse a sete palmos abaixo da placa que não dizia
nada. Todo campo santo tem uma maneira própria de interferir entre o que se foi
e o que ficou. Se alguém está ali sem perceber está sofrendo angustias aflição
e sofrimento. Ninguém gosta de visitar e quando vão é por pouco tempo. Uma
maneira de fugir do inevitável da verdade da morte que sobrepõe à vida. Ninguém
nunca poderá evitar. Porque não acreditar que um dia iremos morrer? Porque
fugimos da morte e acreditamos sorrindo cheio de felicidade ao nascer uma nova vida
para o mundo e dizer: - Ele nasceu!
Não arredei o pé. Fiquei
ali até que a noite chegou. Um silêncio sepulcral. Era uma noite gelada com
vento soprando leve e manhoso como a me dizer que era hora de partir. Mas eu
não queria partir, tinha muito para me lembrar dos belos tempos que eu e ele
vivemos juntos na Patrulha Leão. Momentos inesquecíveis. Joshua era um jovem
formidável. Se existe anjos iguais entre jovens eu e ele éramos a prova viva.
Eu acreditava piamente que ele seria prefeito de nossa cidade e possivelmente
um grande líder do escotismo no Brasil. Ele amava o escotismo. Vivia em função
dele, não havia outro assunto que não fosse escoteiro. Só não usava seu
uniforme para ir à escola ou ajudar sem pai na Padaria porque o Chefe não
deixava e seu pai também não. Afinal ele dizia os fregueses não iriam gostar.
Eu era um seguidor ele o mestre. O seguia onde ele fosse. Amava-o de uma
maneira tão Escoteira que muitos interpretaram diferente. Francamente, nem
sabíamos ainda o que era isto.
Era o meu Monitor
meu líder meu amigo e irmão. Eu ficava horas e horas na porta da padaria esperando
ele sair. Ele com aquele sorriso maravilhoso me olhava e me perguntava: - Aonde
vamos? – Eu nada dizia nem ele. Corríamos pela rua até a porteira de São Romão.
Uma porteira que enfeitava a rua que acabava, mas não tinha cercas na sua
volta. Em plena trilha corríamos atrás de borboletas, pé ante pé até a Pombinha
Rola das campinas e a brincar com o Velho Pintibolim o bicho preguiça amigo de
toda a cidade. Ah! Meu Deus! Lembrar era demais. Machucava muito e minha
garganta seca me fazia mais e mais chorar. Ainda não estava acreditando que ele
tinha partido para as estrelas. Não me passava pela mente que aconteceu
justamente com ele.
Quantos acampamentos?
Quantas jornadas? Quantas bandeiras juntos arvoramos nas mais altas montanhas e
lindos lugares que acampamos? Toda a patrulha era submissa as suas orientações.
Ele um perfeito líder não mandava dizia – Vamos fazer? E arregaçava as mangas e
sorrindo ajudava a todos nas construções do campo. Não dava para esquecer seu
amor pela natureza. À noite, o fogo crepitando, as fagulhas levadas pelo vento
até o céu e ele deitado na grama com as mãos sobre a nuca sempre a sonhar em
voar e tocar em cada estrela brilhante no espaço. Sabíamos que sem nosso
Monitor não éramos ninguém. Ele ajudava Tunico o cozinheiro, dava uma mão
enorme para Josiel o Intendente, escrevinhava junto a Molencar o escriba.
Corria com o aguadeiro, buscava lenha com o lenheiro e dizia para mim: - “Vamo
que vamo” com um sorriso enorme. Deus do céu! Como é duro lembrar. E nas
fogueiras no meio das florestas ele deixava tudo e corria atrás dos pirilampos
com suas luzes coloridas ou mesmo a brincar com vagalumes que pousavam
suavemente em seu ombro.
O tempo passou. O
tempo passa e não pede passagem. Ah! O tempo. Não nos deixa viver a liberdade
da infância e nos retira a alegria da puberdade nos jogando no mundo estranho
dos homens feitos. Fui para a faculdade em outra cidade e ele na estação
sorrindo me abraçou. – Meu amigo, ele disse – Uma distância enorme estará entre
nós, mas ela será pequena por nosso afeto, e um laço invisível nos manterá
unidos para sempre. Meu pai o olhou de maneira enviesada. Acho que não entendeu
que eu e ele éramos um só, mas com um amor de irmãos. Algum tempo depois pensei
que isto foi feito pelo meu pai deliberadamente, pois acusavam-nos de sermos
mais que amigos. Nunca fiz uma viagem como aquela. Engasgado, queria chorar e
não podia. Meu pai me olhando com olhos bondosos, mas como a dizer que estava
me fazendo um favor e no futuro eu ia agradecer. Anos depois me formei, comecei
a trabalhar, mas nunca esqueci Joshua. Por uns tempos ele me escrevia, mas um
dia por uma razão que nunca soube nunca mais escreveu.
Não deixei meu
escotismo de lado. A tropa que ajudava não era como a nossa do passado, mas me
fazia sorrir, me fazia lembrar e procurava entre os jovens ou entre os chefes
alguém como Joshua e nunca encontrei. Minha mãe sempre vinha me visitar e um
dia com lágrimas nos olhos me contou que ele morreu. – Meu filho ele depois que
você se foi se transformou, largou a escola, não queria trabalhar e foi expulso
de casa pelos pais, passou a viver na rua, dormindo sob pontes e viadutos. Um
dia o encontraram pela manhã morto entre os arbustos da praça da estação.
Estava com seu uniforme Escoteiro e seu chapéu. Não deixou nenhum bilhete, ninguém
soube como ele morreu, mas estava sorrindo. Meu Deus meu Senhor porque não
soube? Eu pensei. Viajei com ela no mesmo dia. Rezei muito por Joshua. Chorei
por uma vida por ele. Não culpei ninguém nem mesmo meu pai. Fui ao grupo e
poucos se lembravam dele. Da patrulha só eu, os demais a terra os levou para
longe para viverem suas vidas.
Prologo
Até
ontem acampamentos e pé na estrada juntos. Passamos
por vilas cidades, cachoeiras e rios, bosques e florestas... Não faltaram os
grandes obstáculos que sorrindo enfrentamos. Freqüentes
foram às cercas, ajudando-nos a transpor abismos... As subidas e descidas das serras
distantes foram realidade sempre presente. Juntos,
percorremos retas, nos apoiamos nas curvas, descobrimos campos e vales
floridos... Chegou o momento de
cada um seguir a viagem sozinho... Que
as experiências compartilhadas no percurso até aqui sejam a alavanca para alcançarmos a alegria de chegar ao
destino projetado. A nossa
saudade e a nossa esperança de um reencontro nunca será esquecida. Teremos
novos caminhos a seguir em nossa vida eterna. Eu
nunca me esqueci de você e sei que nunca esquecerei. Tivemos bons e maus
momentos, mas sempre deixando eternas saudades. Que esta nossa despedida
seja um eterno reencontro!
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