quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A cerejeira em flor.


Lendas Escoteiras.
A cerejeira em flor.

                   Era uma visão incrível. Apareceu assim do nada. Marcou minha vida para sempre. Contam histórias que só os escoteiros têm o privilegio de ver e ouvir coisas, de entender o som do vento, ouvir a arvore cantar em noites de lua cheia, admirar o regato de águas cristalinas que corre para o mar. Dizem que a natureza se faz presente aonde eles vão. Eu seguia o vento conforme meu Velho Chefe me ensinou um dia. “Escoteiro, siga o vento, ele sabe onde você deve chegar”. Meu Velho Chefe era um sábio. Mas na curva da trilha da felicidade eu a vi, imponente, linda, como se fosse uma deusa a olhar seus domínios naquela tarde gostosa de um setembro qualquer. Não sei por que eu modifiquei meu caminho para chegar ao Lago Dourado onde iria acampar. A mão de Deus dizem, sempre está presente a nos guiar. Deixei a trilha do Marquês e me apeguei a esta nova trilha. Já tinha bons seis quilômetros de jornada. Agora estava em um vale florido entre duas montanhas verdejantes. Sentia o suor no rosto e precisava de um descanso.

              O sol me incentivava a parar. Os olhos vermelhos e o meu chapelão de três bicos mesmo ajudando a vedar o sol que estava em minha frente eu a avistei. Grande demais para o lugar onde nasceu. Quem sabe era a rainha de tudo? Quem sabe era ela quem mandava ali em seus domínios? – Porque não parar uns minutos para descansar na sombra desta imensa árvore que reinava sozinha naquele vale feliz? Que doce é o paraíso quando sem esperar o encontramos. Que visão maravilhosa, e ao lado eu avistei um pequeno riacho de águas cristalinas que descia a serra naquele vale feliz. Parei, tirei minha botina, meu meião, coloquei meus pés naquelas águas mágicas que pareciam possuir um delicioso néctar para refrescar. Só então me virei para ela, a Deusa do Vale e tremi de êxtase ao ver que era uma cerejeira em flor. Maravilhosa, linda, folhas rosa destoando do verde ao seu redor. Sentei em sua sombra, encostei-me de leve ao tronco devagar pensando que não podia machucá-la.

                 Fechei os olhos docemente. Não queria, mas a sombra da cerejeira em flor me pedia para serrar os olhos, era como se sua voz suave me ordenasse um descanso. Minha mente percorreu toda a história da minha vida, naqueles segundos e minutos que ali permaneci. Vi-me menino de azul correndo pelas campinas com a chamada de Lobo, Lobo, Lobo. Olhei novamente e lá estava eu vendo o Balu colocar minha segunda estrela no meu Boné. Lembranças maravilhosas. Salto um espaço de tempo e lá estava eu de novo a ver meu corpo firme e ereto a receber minha primeira classe. Tempos que se foram e não voltam mais. Lembranças gostosas da vida que marcam para sempre nossa memória. Senti algumas flores caindo sobre mim e ao meu redor. A Cerejeira me presenteava com sua formosura as lembranças tão lindas de uma vida que parecia uma eternidade. Tudo estava calmo, delicioso, pássaros chilreavam trazendo aos meus ouvidos o belo som da natureza. O vento soprava como brisa para refrescar ali naquela sombra perfeita, pés levantados, respiração voltando ao normal. Era hora de partir.

                    Como partir? Minha mente entorpecida naquele instante renegou a ideia. Eu estava vivendo sonhos coloridos em baixo da Cerejeira em flor e me imaginava seguir novamente na trilha quente daquela tarde gostosa de um setembro qualquer. Perder aquele oásis dos deuses? Daquele paraíso cheio de flores a cair sobre a relva e sobre mim? A sensação de ficar era insistente, calma, silenciosa e gostosa. – “A flor de cerejeira cai da árvore na primeira brisa mais forte e não podemos dizer que ela nunca viveu. Uma flor de cerejeira dura um dia, um dia”... Mas ela não é menos bonita por isto. Quem disse isto? Não lembrava. Eu não queria partir, eu tinha encontrado o meu paraíso. Continuei a rebuscar meus pensamentos. – Será que o tempo é relativo? Que se a flor da cerejeira, por exemplo, dura apenas semanas e mesmo que durasse mil anos ainda seria efêmera? Oh Deus! Eu não queria partir. Porque não pensar que esta flor tão bela como era não merecia durar eternamente? Se o eterno dura com tanta intensidade porque ela não teria este direito? Eu dormia. Não queria acordar. A cerejeira me protegia da noite escura e sem luar. Ainda bem que o clarão das estrelas no céu me faziam voar nas asas da minha imaginação.               

                      Acordei cedo. Um sono lindo e reparador, mas eu precisava partir. Um foguinho, o café na brasa, um papinho com Jesus e lá fui eu sozinho naquela trilha que nunca vi e nem sei se um dia iria voltar. Parei na subida da montanha, olhei para trás, meus olhos se encheram de lagrimas ao avistar a Cerejeira que foi minha barraca naquela noite linda de Natal. Olhei para o céu e fiz um pedido: - Deus, amigo dos Escoteiros, faça com que esta Cerejeira dure para sempre! O sol agora tinha um frescor de primavera. Uma luz azul me indicava o caminho naquelas montanhas distantes. O novo dia já havia chegado sem fazer alarde. Por quê? Porque Jesus nasceu em Belém. O orvalho ainda resplandecia nas folhas dos arvoredos que me acompanhavam. Já não havia mais brisa, mas um perfume delicioso do verde das matas, do chão que eu pisava. Minha trilha era um acalanto por saber que nosso mestre tinha nascido e vindo trazer a luz para a humanidade.

                            Olhei novamente a cerejeira me deu seu último adeus quando virei à montanha que se aproximava do céu. Em marcha de estrada eu sorria. Meu cantil com águas doces e cristalinas me fazia pensar como era bela a natureza em flor. A Cerejeira ficou em minha mente por toda a vida. Ela me deu o sentido de viver e me fez ver a milhares de quilômetros de distância, o lugar onde Jesus nasceu. Agora o mundo ia mudar. Agora só as palavras de amor iriam prevalecer. A Cerejeira em flor iluminou o meu caminho e iria iluminar o caminho do mundo. E Jesus fez acontecer. Aqueles que acreditaram nas palavras do senhor tinham em seu coração uma Cerejeira em flor!


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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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