Lendas Escoteiras.
Ashanti, uma pioneira no Rio da
Esperança.
Ashanti olhava as águas do rio Madeira
que corria lentamente. A Chalana parecia bailar acima das águas. Gostava de ver
nas margens a floresta densa a sumir de vista. O rio Madeira ali não era
majestoso, dizem que ele tem mais de 2.500 quilômetros de extensão e o maior
afluente do rio Amazonas. Os índios o chamavam de Cuyari, assim conhecido pela
grande nação dos Tupinambás a muitos e muitos anos atrás. Sua mente fervilhava
pensando na grande aventura que faziam. Saíram de Humaitá no norte do Pará.
Viajaram quilômetros pela BR-319 que liga Porto Velho a Manaus. Na viagem
passaram bem próximo da Usina do Jirau. Estava se tornando uma lenda. Uma luta
entre o sagrado e o profano. Diziam que era a Cachoeira do Padre outros a
batizaram do Caldeirão do Inferno. Ela passava uma vista d’olhos no Velho
Mestre Antoninho, o comandante do barco. Ele sabia o que fazia.
À tarde no mais tardar chegaremos
a Santarém disse. Avistou as vilas de Trata-Sério, Macacos e Ilha Teotônio. Em
Santarém tentariam um voo da Força Aérea Brasileira até Cuiabá ou São Paulo. No
inicio era uma viagem encantadora. Ver a floresta Amazônica e suas vilas
ribeirinhas era um grande desafio. Dias depois o espetáculo não era o mesmo. Ashanti
era seu apelido. Seu nome verdadeiro era Loreta Salmineu Montes. Pioneira do
Clã Garini (guerreiro lutador). Ela sempre preferiu ser chamada por Ashanti.
Achava que tinha muito a ver com Baden-Powell. Seu Clã era composto por doze
pioneiros. Cinco moças e sete rapazes. Poucos eram assíduos. Clã é assim mesmo.
Idade de começar a luta pela vida, faculdade e outras obrigações. Um baque
forte e o barco virou. Os outros seis pioneiros que estavam com ela nadaram até
a margem. Voltaram para ajudar e ver sobreviventes.
Todos se salvaram. Leo,
Marlon e Fanzini traziam as mulheres e crianças que não sabiam nadar. Mestre Antônio
conversava animando todos. – Amanhã a Capitania vai dar falta e logo estarão
aqui, dizia. Preparam para passar a noite. Os pioneiros arrumaram lenha seca e
uma grande fogueira foi acesa. Em volta do fogo eu olhava o Leo. Tinha por ele
uma grande paixão escondida. Entrou no Clã, e não se adaptou e quase saiu. Era
um aventureiro e mochileiro. Nosso mestre Pioneiro era idoso e quase não
participava. Quando Leu chegou motivou a todos a fazerem atividades fora da
sede. Fomos ao pico do Itatiaia, e na Serra da Bocaina. Eu sugeri a ele fazer
uma grande atividade de doze dias no Amazonas.
Leo deu um novo ânimo ao Clã. Passou a entusiasmar
a todos, criou atividades diferentes. Agora fazíamos nossas áreas de interesse
com gosto. Antes desta grande aventura estivemos em duas atividades nacionais, dois
mutirões pioneiros e fomos para uma aventura no pico do Itatiaia. Outras tantas
foram realizadas e saborosas. Foi muito divertido. Notei que algumas crianças
choravam de fome. Leo e Marlon mergulharam até a cozinha da Chalana e trouxeram
leite condensado e algumas latas de sardinha. O dia amanheceu. Um lindo sol
apareceu. Animamos os passageiros até a chegada do barco patrulha da capitania.
As três eles chegaram. Antes os pioneiros mergulharam recuperando nossa tralha e
dos passageiros no fundo do barco. No retorno lanchamos no barco patrulha. Chegamos
a Santarém a noitinha. A Capitania nos ofereceu hospedagem em quartos
razoáveis. Aproveitamos para telefonar aos nossos pais e contar a grande
aventura que fazíamos.
Noite alta eu e o Leo ficamos
conversando na varanda. Eu sabia da sua namorada, uma jovem loura muito bonita.
Ele me disse que estava pensando em terminar. Não existia amor entre eles. Ela
sempre insistindo para ele sair dos pioneiros. Fui dormir pensando no Leo. Era
um amor impossível e eu sabia disso. Conseguimos na base aérea uma carona até
São Paulo. Partimos às quatro da tarde. Nem bem levantamos vou e o avião
começou a adernar de lado. Ficamos assustados. Um tenente nos ensinou a segurar
firme na poltrona da frente. Foi feito um pouso forçado. Parte do avião se
partiu ao meio. Era uma pista clandestina de mineradores. Senti uma pancada
forte na perna direita. Leo foi jogado para fora do avião. Os demais não
tiveram nada. Leo tinha um corte profundo na perna e outro no couro cabeludo.
Muito sangue. Um dos tripulantes era médico e fez os primeiros socorros. Senti
uma pontada enorme no coração. Não podia perder o Leo. Não demorou um helicóptero da FAB chegou. Levou-nos
todos até Belém do Pará. Ficamos cinco dias esperando um voo para São Paulo.
Visitei o Leo muitas vezes. Estava se
recuperando e para surpresa sua namorada foi lá só uma vez. Dois meses depois
ele apareceu. Sorrindo para todos. No final da reunião me procurou e convidou
para um cinema. Meu coração explodiu. Ele me disse que tinha terminado tudo.
Descobrira que me amava. Incrível! Tudo que eu queria e sonhava. Nosso namoro
era lindo. Ficamos juntos no Clã até os vinte e um anos. Léo se formou em
Engenharia mecatrônica. Recebeu uma proposta de um conglomerado de Hospitais
sediados em Boston, nos Estados Unidos. Pediu-me em casamento. Queria que eu
fosse com ele. Não titubeei um minuto. Meus pais acharam que eu devia me
formar. Meu coração bateu mais forte. Em Boston moramos em uma bela casinha. Vi
diversas vezes jovens da Boy Scouts, Um Chefe nos convidou a participar.
Agradecemos. Não sei, não encontrei lá o que tínhamos aqui. Talvez aquele
carinho, aquele sorriso franco.
Faz oito anos que moro em Boston. Nunca
esqueci minha vida escoteira. Meu antigo Clã ainda mora em meu coração. Aquela
aventura no Rio Madeira ficou gravada para sempre. Não o chamo de Madeira, para
mim é o Rio da Esperança. Foi ali que minha vida mudou. Não vou dizer que valeu
o naufrágio e a queda de um avião. Meus vizinhos gente simpática quando conto
minhas aventuras muitos não acreditam. A esperança
é a maior e a mais difícil vitória que a gente pode ter sobre a alma. Ela
existe, está sempre firme em nosso pensamento. Antes eu dizia que a esperança
poderia alterar qualquer coisa. Claro, no fundo a gente não está querendo
alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro. Sei
o que é absoluto porque existo e sou relativa. Minha ignorância é realmente a
minha esperança: não sei adjetivar. Olhando para o céu fico tonta de mim mesma.
Tenho dois filhos lindos, são a
minha vida. Sempre conto para eles a noite, deitada no tapete azul da minha
sala que chamo de Rio Esperança. Em frente à lareira recordo tudo que senti, vivi
e aconteceu comigo no escotismo. Eles me olham de maneira enigmática. Não
entendem quase nada do que eu falo. Afinal um tem quatro e o outro cinco. Mas
olho para eles, sorrio, e digo: - Meus filhos nunca percam a esperança. E então
me lembro de Fernando Pessoa: - Ser feliz
é encontrar força no perdão, esperanças nas batalhas, segurança no palco do
medo, amor nos desencontros. É agradecer a Deus a cada minuto pelo milagre da
vida. Amo o escotismo. Sempre amei e nunca irei esquecer os momentos felizes
que nele passei...
Nenhum comentário:
Postar um comentário