Conversa ao pé do fogo.
A última Estação de trem.
Tempos são passados. As lembranças não. Tempos bons que não voltam mais.
Época de jornadas, acampamentos a “escoteira”, era bom, bom demais. Nunca
esqueci nenhum. Andava por aí sozinho pelos campos acompanhado pelo Senhor. Era
um apaixonado por ficar só. Quem sabe egoísta? Só eu sentindo o vento no rosto,
descansar a sombra de uma pitangueira, nadar em um remanso frio de um riacho? Francamente
não me achava um egoísta. Afinal quantas centenas de lindos acampamentos eu fiz
com amigos de todas as idades? Quantas excursões? Quantas atividades
aventureiras? Eu sabia que todas elas tinham um lugarzinho em minha memória. Eu
sempre tive problemas e todos eles eu resolvia assim. Uma mochila, um bornal,
uma forquilha, ração escoteira, uma rota e pé na estrada. Adorava. Muitas vezes
sem barracas. Montar uma cabana, um banquinho, um fogo estrela, um local
privilegiado onde a vista pudesse deslumbrar o inatingível. Quantas vezes?
Muitas. Paradas longínquas, picos saudosos, vales queridos, uma jangada balançando
nas águas caudalosas de um rio desconhecido.
Foram tantos com tantas histórias
e hoje me lembrei da menina a chorar na estação quando seu amado se foi. Um
trem uma mochila e lá fui eu a “escoteira acampar”. Era bom demais rever a
coruja de olhos verdes, o lobo da campina, dormir sob o manto das estrelas
tendo o céu como barraca. Três dias de encantamento. Banho no lago, na queda do
riacho formoso, uma fogueira para esquentar. Valeu enquanto durou. Hora de
voltar. Uma pequena estação uma parada de trem em um pequeno arraial. Esperava
o noturno das onze sentado no banco da estação. Cheguei cedo. Gostava de ver o
andar prá lá e prá cá do Chefe da Estação. Homem educado – Boa noite! - E
tirava o quepe fazendo uma mesura me saudando sem me conhecer. Ao lado uma mesa
com a parafernália eletromagnética que Morse um dia inventou. As mensagens
percorriam como correio eletrônico os milhares de quilômetros daquela ferrovia
sem fim. Diziam que elas davam a volta no mundo. Sinais curtos e longos, um “tatatá”
gostoso levando palavras de sonhos para o fim do mundo. Boas lembranças quando
fui Sinaleiro. Ali sentado esperava o trem chegar. Não tinha pressa. Nunca
tive.
O matraquear, os passageiros chegando, um trem de carga passando e o
Chefe da estação dizendo adeus. A vista escura se perdia no som do rio
caudaloso que corria no vale dos sonhos dourados. A plataforma uns gatos
pingados. O trem que subia o rio chegou mansamente. Não era o meu. Eu iria
descer o rio. O Chefe da Estação com seu arco deu instruções ao maquinista que
treinado não teve duvidas para enlaçar. O barulho quieto da fornalha soltava
fumaça quente no ar. Eu adorava aquilo. Ali sentado, me sentia hipnotizado com
a beleza de um trem de ferro que em breve iria sumir engolido pela modernidade.
Foi então que avistei um casal. Jovens. Parados em frente à entrada do vagão de
primeira classe. Um olhando para o outro. Não diziam nada. Ela só tinha olhos
para ele. Encharcados de lágrimas de amor. Ele tristonho não tirava os olhos
dela. – “Eu volto para te buscar” falou tristonho. Ela chorava baixinho. –
Nunca vou te esquecer meu amor. O último apito, um beijo simples, um roçar de
lábios sedentos que não queriam se separar.
O trem deslizando sobre os trilhos se despedia da estação sorrindo, pois
sabia que amanhã iria voltar. Um último
adeus. Ele correu e subiu nos degraus de seu vagão. Ficou ali de mãos
estendidas acenando como a dizer que seria um breve e longo adeus. Ela sabia
disto. Sabia que ele não iria voltar. Em pé olhava com um tremor no corpo, as
mãos tremendo querendo dizer: - Leve o meu sonho com você! Tristonha não tirava
a vista do trem que partia apitando e sumindo da vista na curva do rio para
quem sabe nunca mais voltar. Um silêncio tomou conta da plataforma. Eu só ouvia
o tic tac do telegrafo e os soluços da bela moça que havia perdido seu amor. Eu
nada dizia. Não tinha nada para dizer. Ela estática não saia do lugar. Perdida
em uma estação de trem o mundo dela desmoronava. O meu chorava com ela. Ela se
virou e me viu. Seus olhos estavam marejados de lágrimas. Eu de calças curtas
com meu chapelão fiquei em pé. Queria me solidarizar. Não sabia o que dizer.
Ela deu um pequeno sorriso levantando o braço dizendo baixinho “Sempre Alerta”.
Respondi do mesmo modo em posição de sentido tirando o meu chapéu. Lentamente
ela se foi para seu destino.
De novo a estação vazia. Não havia mais sol e a lua rechonchuda se
escondia no outro lado montanha. Não havia vento, nem uma leve brisa para
trazer alguma notícia do meu trem. Sentei novamente e deixei minha mente vagar
por este mundo de Deus. O Chefe do Trem se aproximou. – Um atraso de quatro
horas. O Trem que subia desencarrilhou. Muitos feridos outros mortos. O Trem
que iria descer não tinha como passar. Não disse nada. Não tinha pressa. Minha
mente corria sobre os trilhos a procurar o trem perdido que se foi. - Será que
ele sobreviveu? Sem resposta. E ela? Como avisar que seu amor poderia ter ido
para uma morada qualquer nas estrelas? – Não tinha como dizer. Ela já tinha ido
para seu lar sonhando com seu amor e sabendo que ele nunca mais iria voltar.
Quem sabe seria melhor assim. Dormitei no banco da estação. A noite viajava
procurando o dia. Na plataforma escura deu para ver trovões no céu. A chuva
chegou de mansinho. Eu gosto do som da chuva. Ela me trás lembranças e uma paz que
revigora. Ao longe um apito do trem. Era o meu que chegava. Como um pássaro
gigante sobre trilhos adentrou na estação perdida de um trecho qualquer daquela
saudosa estrada de ferro.
Um retorno sem consequências. Na minha morada meu amor dormia. Entrei de
mansinho. Fui olhar meus filhos que adormecidos sonhavam com anjos do céu.
Abracei minha amada de muitas vidas e deitei ao seu lado. Ela sorriu. Pensei no
amor da outra que tinha ido e nunca mais ia voltar. Sina marcada. Destino
escrito no livro da vida. Nada do que se tem a gente pode manter para sempre. Sonhos
que não foram vividos. Estrelas piscantes que se mantém no universo através dos
tempos. Esperanças que nunca se acabam. Ainda deitado ao lado da minha amada,
com as mãos entrelaçadas no peito eu chorava baixinho. Mais um dia que se foi.
A dor da saudade de alguém que achou que teria e nunca teve ninguém.
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