Vale a pena ler de novo.
Pirilampo, um Beija Flor no verde Vale
de Nagoya.
Não faz muito tempo quem sabe uns trinta ou quarenta anos. Já não era
mocinho e meus anos ultrapassavam as trinta primaveras. Éramos mais de doze e
menos de quinze. A quantidade não me lembro bem. Foi até um acampamento
gostoso, só de chefes. Tinhamos feitos outros e não pertencíamos ao mesmo grupo
e isto nada significava para a fraternidade e irmandade que existia entre nós.
Programa? Duas patrulhas, dois campos, trabalhando e se divertindo como se
fossemos patrulheiros. Eu era um Guanambi, e quando me disseram o que era
fiquei perplexo – Chefe, Guanambi é um beija-flor! Tudo bem, eu admirava os
pequenos voadores a procura de seu néctar das flores. Eles entre os pássaros
poderiam ser considerados príncipes ou quem sabe Reis? Sabia que tinham todas
as cores e nunca parei para observar melhor. Onde estávamos acampados uma calma
enorme se fazia acontecer no campo. Uma gostosa passarada a cantar seus cantos
maravilhosos, o som intermitente de uma pequena cascata, grilos que anunciavam
tempo bom e formigas indo e vindo sem pressa com suas cargas enormes.
As noites eram belas, não havia
pressa para nada, que o jantar ficasse pronto quando estivesse pronto. O banho
da tarde no pequeno remanso refrescava o corpo de tanto sol que pegamos.
Ficamos horas tentando se aproximar de um esquilo. Não dava para mexer e o suor
corria naquele sol escaldante da tarde. Um jantar supimpa e aos poucos os
chefes iam chegando na Pedra do Conselho, nome pomposo que dávamos a conversa ao
pé do fogo. Um nome roubado dos lobos, mas que seria devolvido tão logo o
acampamento terminasse. O nosso mágico, o cantor deram o ar da graça. Terra do
Belo Olmeiro. Linda canção dos caçadores de pele dos lagos canadenses. – ¶Terra
do belo olmeiro, lar do castor, lá onde o alce airoso é o senhor... Uma letra
de tirar o folego. Alguém contou uma piada. Uma piada Escoteira. Ali a pureza
nos pensamentos palavras e ações tinham primazia sobre palavras não condizentes
com chefes escoteiros.
O bule de café e outro de chá a
beira do fogo aos poucos iam se esvaziando. Todos nós esperávamos que Cabelos Vermelhos se levantasse para contar
um história. Alto, forte nós sabíamos que ele sempre tinha uma bela história
para contar. – Ficou em pé, olhou para o céu, sentou novamente e com uma voz
clara começou mais uma bela história para nosso deleite. - Era uma vez... Há
muito tempo, eu era menino de calças curtas e recém admitido na tropa. – Cada
um de nós nos refestelamos no banco tosco e nenhum som mais se ouviu a não ser
o crepitar do fogo e ver as pequenas fagulhas dengosas a subir aos céus. A voz
de Cabelos Vermelhos era sonhadora, ele era um mestre contador de histórias. A
principio sentado, mas a gente já sabia que ele ia ficar em pé, ia gesticular
pular e cantar. Era seu dom. Sorrindo olhou para o céu e começou... - Naquela tempo,
dizia Cabelos Vermelhos a nossa inocência, o nosso amor e a fraternidade nos
dava oportunidade de conviver com os animais com os pássaros e até os repteis
eram nossos amigos.
Nos preparamos para
mais um acampamento de verão. Dizem que no verão as chuvas caem mais forte, mas
nós não nos importávamos. Que importa que tudo passa, a chuva passa,
tempestades passam. Até furacão passa difícil é saber aonde ele vai. Sabem meus
amigos chefes, nos amávamos a chuva. Dizíamos para nós mesmos que não importa a
chuva que cai... Queira ou não após as tempestades o sol ou a lua vão de novo aparecer.
Nossos preparativos foram rapidamente realizados. Em uma bela manhã partimos
rumo ao verde Vale de Nagoya. Era um dos vales mais lindos que conhecíamos. Era
lá que o sol quando nascia nos cumprimentava com um sorriso e quando se ponha
deixava escrito no céu dizendo: - Amanhã eu vou voltar! Que a lua e as estrelas
cuidem de vocês como eu cuidei. Não choveu a não ser uma pequena garoa no
terceiro dia. O nosso programa nos dava tempo para belas construções e
explorações de grutas de tirar o fôlego.
Naquela tarde bolorenta,
daquelas que dá vontade de cochilar e não acordar que vimos um Beija Flor em
cima da mesa do refeitório. Semblante triste asa caída nos olhou choroso e
disse – Olá Escoteiros, foi bom ver vocês. Estou partindo do Vale de Nagoya
aqui nunca mais voltarei. – Olhamos espantados para o Beija Flor e ele
continuou. Me chamam Pirilampo. No passado diziam que eu tinha luzes que
piscavam que eu levava o sorriso aos meus irmãos. Hoje Escoteiro, hoje não sou
nada aqui neste vale que um dia foi florido e hoje não é mais. Vou as escarpas,
voo rasante pelas cascatas no vale, tento subir mais alto para descobrir flores
que agora não existem mais. Como vocês amamos a natureza. Voamos para frente e
atrás, podemos até permanecer imóveis no ar. Voamos a velocidade do som e que
adianta tudo isto?
Olhamos o Pirilampo e não
dissemos nada. A patrulha já tinha observado que o Vale de Nagoya já não era
mais o mesmo. As flores desapareceram com as queimadas, O bosque e a nascente
cristalina desapareceu. As árvores são vendidas pelo melhor preço para servirem
de carvão nas usinas siderúrgicas que produzem ferro e o aço para as máquinas
infernais. Vi nos olhos de Pirilampo pequenas gotas de lágrimas que caiam. –
Pois é Escoteiros, muitos acreditam que nós somos anjos, que podemos voar em
suas terras, que nosso néctar nunca ia se acabar. Eles mesmos inventaram o meio
de nos dar água com açúcar como isto fosse substituir nosso néctar. Eles não
sabem que quando o sol fermenta a água açucarada e ela tem nos feito tanto mal
que alguns de nós morremos em poucos dias.
Tenho de partir, meus irmãos já
foram. Eu sou o último beija flor do Vale de Nagoya. Não sei se aqui voltarei,
pois acredito que o Vale se foi para sempre. Não queria ir sem me despedir de
vocês. A vida aqui no vale me ensinou a dizer adeus às pessoas que amo e vocês
ficarão para sempre em meu coração. Adeus Escoteiros, que as gotas de chuva de
hoje possam lavar os pensamentos ruins e alegrar os olhos de vocês para sonhar com
um futuro, um Vale de Nagoya florido, cheio de Beijas Flores no céu. Pirilampo levantou voo e se
foi. Não deu uma revoada em cima do nosso campo de patrulha. Partiu como se
quisesse esquecer aquele vale de agora e lembrar sempre como foi em um passado
distante.
Cabelos Vermelhos se calou.
Todos nós estávamos calados. Não havia o que dizer. Alguém com os olhos vermelhos
perguntou – E aí Cabelos Vermelhos, como é hoje o Vale de Nagoya? – Aquele
Chefe contador de histórias nos olhou, fechou os olhos e disse: - O homem
destrói a natureza na justificativa de sobreviver, a natureza luta para
sobreviver, para garantir a sobrevivência do homem! E onde ela está?
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