sexta-feira, 14 de outubro de 2016

A classe dominante vai ao escotismo.


Vale a pena ler de novo.
A classe dominante vai ao escotismo.

(esta é uma história de ficção, qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência).

Sou gaúcho forte, campeando vivo, livre das iras da ambição funesta;
Tenho por teto do meu rancho a palha, por leito o pala, ao dormir a sesta.
Monto a cavalo, na garupa a mala, facão na cinta, lá vou eu mui concho;
E nas carreiras, quem me faz mau jogo? Quem, atrevido, me pisou no poncho? João Simões Lopes Neto

                   Vertentes da Saudade era uma cidade pequena, antiga e ainda enraizada nas velhas tradições gaúchas. Ficava a oeste de Uruguaiana mais de oitocentos quilômetros de Porto Alegre. Nada mudou em Vertentes nos últimos trezentos anos. Os antigos donos da terra os Índios Guaranis eram sombra do orgulho do passado. Uma estátua centenária do Padre Jesuíta Cristóvão de Mendonça estava encravada na praça central e hoje poucos param para ver o que está escrito em sua placa de bronze. Havia no ar uma melancolia talvez por falta do que fazer. A população vivia do plantio do feijão e criação de gado. Ali em Vertentes da Saudade os direitos de cria recria e engorda tinha dono. O Coronel Totonho Mercês Almeida Pais reinava absoluto sobre os demais estancieiros. Ele praticamente era o juiz, o prefeito e o delegado e ninguém poderia de maneira alguma contrariar suas ordens. E olhe que estávamos no século vinte e um.

          O menino Luiz Mercês Almeida Pais com onze anos tinha puxado o pai. Orgulhoso, andava de nariz empinado e conversava com os outros como se estivesse dando ordens. Ninguém tinha coragem de olhar nos olhos diretamente do pai e do filho. Diferente de Dona Leonor Mercês Almeida Pais esposa do Coronel Totonho. Uma alma caridosa, nunca levantou a voz para ninguém. Todos a procuravam nas horas mais difíceis e ela sempre bondosa não negava ajuda. O Topógrafo Siqueira Nantes Leal nascera em Vertentes da Saudade e nem sabe como resolveu um dia fundar um Grupo Escoteiro na cidade. Houve uma revoada geral na meninada. De boca em boca o assunto correu e alvoraçou a cidade. Gaúcho de verdade não abandona a sua terra e leva no peito a saudade, que toda tarde, trás dela, assim pensava Siqueira que nunca abandonou sua cidade por nada. Dona Filó diretora do Grupo Escolar Flores da Cunha comprou a ideia e logo ofereceu o pátio e duas salas para que o grupo arranchasse para sempre. Assim ela pensava.

      Siqueira Nantes amava Amelinha Salsaparrilha e ela como boa moça quando o viu cantou baixinho: - “Erva, cuia, chimarrão. Não é apenas costume, é amor e tradição. Ela não liga para status, beleza ou dinheiro. O importante para ela, é que ele seja Gaúcho, campeiro e Romântico”. O namoro durou meses e casaram-se na igrejinha do Padre Antonio Feijó numa tarde linda de setembro. Siqueira nem lua de mel teve. Um trabalho encomendado pela Ferrovia do Trigo, que ligava Passo Fundo a Porto Alegre a pedido do Coronel Totonho que pensava em fazer um ramal até Vertentes da Saudade. Seria uma linha regular de passageiros e porque não transportar o gado do coronel? Siqueira Nantes não abandonou seu projeto de organizar o grupo escoteiro. Convidou oito jovens e com mais dois professores da escola além da diretora, escolheram o nome do grupo e definiram quando seria feita a solenidade de promessa do grupo. Tudo andava de vento em popa. Siqueira comentava onde passava: “Vai Tche! Por este mundão véio sem porteira, proseando do evangelho, espaiando as boas novas do escotismo prá tudo que é vivente”!

                  O menino Luiz Mercês ficou uma fera quando soube que não fora convidado para participar da primeira patrulha do grupo. Falou com seu pai e este mandou chamar Siqueira Nantes para se explicar. De cabeça baixa ele disse que logo teria uma vaga para seu filho. O Coronel Totonho não acreditava no que ouvia. Mandou Zepileu seu secretario chamar os dirigentes do escotismo rio-grandense para se explicarem a ele em sua cidade. Doutor Alfredo Maristo era o Presidente da Região Escoteira. – Que boa bisca é este Siqueira? – Pensou.  Se não vou fico de entremeio com a liderança politica. Tenho de ir lá e me rebaixar para um coronelzinho de araque. Doutor Alfredo chegou cedo a cidade. Foi levado a presença do Coronel. Com seu vozeirão ele foi dizendo aos gritos de modo mal educado: Moço! Assuma, ou suma da minha frente, pois chega de lero-lero. Se tu não sabes o que quer, eu sei o que eu quero e papo enrolão de homem-banana, é um abacaxi que não quero! Doutor Alfredo tentou se explicar, mas não adiantou. – Quem manda na cidade sou eu. Avisa a este sacropanta que se diz Chefe Escoteiro que ele come na minha mão!

          Doutor Alfredo conversou com Siqueira Campos. Um pobre diabo ele pensou. Por que foi logo nascer aqui onde Judas perdeu as botas? – Doutor Alfredo vou desistir. Não quero mais ser Chefe – Na verdade, de que adianta ter a faca e o queijo na mão, quando não se tem mais um fio de vontade, de motivação? Não adiantou a desistência de Siqueira, Coronel Totonho contratou dois profissionais Escoteiros e lá fez um grande grupo que chamaram de Grupo Escoteiro Coronel Totonho. Doutor Alfredo foi obrigado a dar autorização, pois ao contrário o Governador do Rio Grande acabaria com ele. E assim fundou-se ou afundou-se as boas práticas escoteiras em Vertentes da Saudade. – Como dizem por aí, Siqueira que nunca foi Chefe e pensou que seria um cantava baixinho: - Vai Tche! Por mundão veio sem porteira, proseando do evangelho, espraiando as boas novas pra tudo que é vivente! – Tô loco de faceiro Tche! Convidaram-me prá ir à casa do patrão celestial, pois aqui em Vertentes da saudade nunca mais eu voltarei. Se trouxeres teu orgulho de ser brasileiro, te entregarei a minha honra de ser gaúcho, mas nunca submisso.


      Sei que Siqueira foi para outra cidade, se tornou um grande Chefe Escoteiro e até hoje a gauchada de lá o carregam para todo lado a saudar como se ele fosse um herói. Levantar com o pé direito ou esquerdo, não vai determinar se o seu dia será bom ou ruim, suas atitudes sim! Chega um dia que a gente simplesmente muda, os sentimentos mudam e o coração faz novas escolhas. E assim vou terminando este novo conto onde o Escotismo não se abaixou para a classe dominante e nas palavras do gaúcho do Rio Grande eu vou dizendo: - Bueno vou me largando, mais tarde temo aí de novo. “Forte quebra de costela prá toda a gauchada conectada”!

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